terça-feira, 15 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15115: (Ex)citações (293): Os MiG fantásticos que determinaram o abandono da Guiné (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705,  Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de hoje, 15 de Setembro de 2015:

Olá, camarada e amigo Carlos Vinhal. 

Enquanto a "peste grisalha" dos combatentes não desaparecer, a Guerra da Guiné e as suas circunstâncias cairão na História e não cairão no esquecimento. 

Envio-te o meu contributo.

Abraço 
Manuel Luís Lomba


Os MiG fantásticos que determinaram o abandono da Guiné

Neste mês de Setembro, efeméride da declaração unilateral da independência da Guiné, José Matos, investigador vocacional, António Martins Matos, soldado dos seus céus e outra malta da Tabanca Grande, revisitaram a Operação Mar Verde e debateram a prestação de MiG fantásticos, para o desfecho intempestivo da guerra da Guiné.

Andei a esgaravatar esse chão e biquei o seguinte.

Essa operação a Conacri, a maior além fronteiras, depois dos Descobrimentos, ousara a resolução simplista da Guerra da Guiné – morto o bicho, acabava a peçonha – empreendida por uma pequena força anfíbia, dirigida a 26 objectivos, que alcançou êxito completo em 21 e falhou 5.

Dos primordiais, libertou os 26 camaradas em cativeiro na prisão privativa do PAIGC e afundou a marinha do PAIGC, mas falhou o golpe de Estado, a captura de Amílcar Cabral, do seu Estado-Maior e a destruição no solo dos MiG, dada a ausência de meios para os destruir em combate.

O falhanço desses objectivos será devido ao vício ou dolo das informações, encomendadas pela PIDE aos Serviços Secretos franceses, à tibieza do Conselho Superior de Defesa Nacional, do seu presidente Marcelo Caetano e dos outros, a dirimir a Guerra da Guiné nos gabinetes em Lisboa.

Por fuga de informação escapada na véspera (dizia-se com origem no Estado Maior português) o inquieto Sekou Touré temeu o envolvimento da sua aviação, que conotava à oposição, desterrou os seus 8 MiG  para Labé, a 150 quilómetros de distância, que ficaram inoperacionais, pelas más condições da pista e o despedimento dos seus pilotos-instrutores argelinos.

Amílcar Cabral encontrava-se na Roménia, em digressão pela Europa do leste, e o seu Estado-Maior ausentara-se de Conacri, em segurança.

Os portugueses começaram por neutralizar a Guarda Republicana, a sua guarda pretoriana, e quando o Chefe da polícia de Conacri e o Chefe do Estado-Maior-General se apresentaram no palácio, em sua salvaguarda, o ditador borrava-se todo, a oferecer-lhes a rendição, tomando-os por chefes vitoriosos de um putsh.

Os portugueses já navegavam no mar alto, na manobra da retirada, e o Secretário de Estado da Juventude conseguiu que um MiG levantasse voo, pilotado por guineano que, lá das alturas, começou a canhonear um cargueiro cubano ancorado no cais, convencido que bombardeava um vaso de guerra português.

Assim, as primeiras vítimas dos MiG que ensombravam a Guerra da Guiné foram a tripulação do cargueiro cubano Conrado Benitez e o diligente Secretário da Juventude, Alfa Diallo, que Sekou Toure mandou catrafilar na cadeia, por ter ousado comentar que a causa do insucesso fora devida ao despedimento dos pilotos argelinos…


Um exemplar do caça MiG 15, de origem soviética. Em 22 de Novembro de 1970, um dos objectivos da Operação Mar Verde era a destruição dos MiG 15 e MiG 17 estacionados no aeroporto de Conacri. Era uma ameaça real para a nossa Força Aérea e para os nossos aquartelamentos no sul da Guiné? A sigla MiG quer dizer, em russo, Gabinete de projectos aeronáuticos da URSS, que se especializou no desenho e construção de aviões de caça e de intercepção. Mikoyan e Gurevich são os apelidos dos seus dois primeiros engenheiros-chefes. O MiG 15, monolugar, com uma velocidade máxima de 1076 km/h, tornou-se célebre durante a guerra da Coreia. O MiG 17 combateu na guerra do Vietname... O MiG 19 já era supersónico... Fonte: Wikipedia (Foto: copyleft).


Amílcar Cabral tombou dois anos depois, passado pelas armas de correligionários em dissidência e Fidel Castro voou para Conacri, qual subempreiteiro da sanha soviética e internacionalista para correr Portugal da África a tiro, sempre mais preocupado com os outros que com o seu próprio povo, e em apoio moral e material a duas ditaduras – Sekou Touré e o PAIGC. Havana exportou logo 4 pilotos de MiG 15, chegados em Fevereiro, e 4 de MiG 17F, chegados em Maio de 1973, ofereceu ajuda técnica, canalizou avultada ajuda financeira e o aeródromo de Labé entrou em requalificação. Esses famigerados MiG  estariam mesmo inoperacionais: não foram vistos durante a crise dos “3G” – Guileje, Gadamael e Guidaje –, a despeito da continuada provocação dos cavaleiros aéreos de Bissalanca, no apoio aos soldados sobre a terra nas povoações fronteiriças, recorrentes na largada de “bilhas” sobre Candiafra, Simbeli e Koundara, depois de haverem derretido Cumbam-Hory.

O MFA nascia em Bissau, em Agosto de 1973, como extensão do PAIGC, ainda a lamber as feridas das suas vitoriosas derrotas em Gadamael, Guileje e Buruntuma, devidas ao dom da aviação de Bissalanca e à inexistência da própria que, coincidentemente, mandou 40 bissau-guineenses para Moscovo seleccionar e dar-lhes formação de pilotos e demais especialidades de aeronaves - muitos os chamados, mas poucos os escolhidos. A declaração unilateral da independência foi lida em Setembro, pelo que a resposta dada por Aristides Pereira ao Herbert está consentânea. Contudo, como não há aviões sem base, ninguém nasce piloto e a sua construção é demorada, nem os MiG nem os pilotos que fizeram o ronco em Bissau, após o MFA entregar a sua chave ao PAIGC, em 10 de Setembro de 1974, seriam bissau-guineenses.

Ciente da declaração da independência em Setembro de 1973, a União Soviética incluíra no seu Plano Anual de Desenvolvimento (orçamento de Estado) para esse ano, o fornecimento de MiG à Guiné-Bissau, a instalar numa base operacional, financiada pela doação de 10 milhões de coroas, prevista no orçamento do reino da Suécia para o mesmo ano. O problema era onde.

O presidente Senghor não a admitia no Senegal e Sekou Touré, escarmentado pela Operação Mar Verde, não queria MiG de outrem sobre a sua cabeça, mas terá chegado a admiti-la em Kampera, próxima à zona desertificada de Madina do Boé, a cerca de 100 quilómetros do aquartelamento de tropa portuguesa mais próximo, que seria Cubucaré. O problema ficou insolúvel: a opinião pública sueca opor-se-ia ao financiamento da construção dessa base, fora do território libertado pelo PAIGC…

Ante a ordem cronológica desses factos acontecimentais, o crescimento dos medos, temores, relatórios específicos, precauções e “caldos de galinha”, no seio da comunidade militar na Guiné serão legítimos; mas, naquela altura, não havia nem MiG´s nem pilotos bissau-guineenses a ameaçar o conforto das messes e da capital Bissau.

A crise dos “3G” da Guiné provocou o parto do MFA, o detonador da implosão da realidade política e social do Portugal africano.

Será mister aos combatentes, nomeadamente aos da Tabanca Grande, que viveram esse tempo e a sua circunstância, que sentiram a Guerra da Guiné no corpo e na alma, contraditar os mitos e bluffs a ela referidos e nunca se conformar com o branqueamento da verdade dos factos.

O Exército Português que servimos na Guiné foi o verdadeiro, fundado por D. Afonso Henriques, em 1127,  e, em desagravo da sua honra, mau grado as circunstâncias, trazemos à colação que a maioria dos camaradas mortos e feridos no contexto da famigerada crise dos “3G” não foram tombados nem por MiG nem pelo poderoso poder de fogo da sofisticada artilharia do PAIGC, mas pela pugnacidade dos seus guerrilheiros e sapadores, pisando o chão dos campos de batalha.

E ainda que bastaram dois soldados do ar de Bissalanca e a sua audácia, para prevenir em Buruntuma, o destacamento mais exposto da Guerra da Guiné, a recorrência do facto acontecimental do abandono e destruição de Guileje…

Abraços – e até ao meu regresso.
Manuel Luís Lomba
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15096: (Ex)citações (292): Cruzei-me, por certo, com o José Matos, pai, entre março e maio de 1964, no RC 7, e depois no sul da Guiné... E aviões estranhos, só vi os das rotas aéreas internacionais (Manuel Lomba, ex-fur mil, CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66; autor do livro "Guerra da Guiné: a batalha de Cufar Nalu", Faria, Barcelos, 2012)

2 comentários:

Anónimo disse...

Camaradas!
Este texto do Manuel Luís constitui uma pedrada no charco pretensioso que animou a trilogia Democracia, Desenvolvimento e Descolonização. As razões, no meu entender, foram o cagaço e o cansaço da guerra, que fizeram da Guiné um bicho de sete cabeças. Os 3/4 principais obreiros, ou os que lhe emprestaram rostos, desencadearam a acção, mas antecipadamente sabiam que não teriam controle sobre os acontecimentos. Por falta de inspiração ideológica, recorreram aos bons préstimos do general ambicioso, que havia muito, punha-se em bicos de pés para o adorarmos como reserva moral da Nação. "Os traidores estão na retaguarda", propalou no discurso de despedida à tropa embarcada em 26 de Dezembro de 1970.
E assim, ao longo destes anos tem-se consolidado a ideia de que demos um grande passo civilizacional, que atingimos o tempo da harmonia e boa-aventurança, que merecemos o grande abraço e admiração da comunidade internacional, um conjunto de tretas que não olvidam os inúmeros crimes militares e civis posteriores à data do golpe, que ainda não foram julgados - nem o serão nas nossas vidas; bem como as actuações mais ou menos voluntariosas com estímulos em motivações frequentes de sinais contrários, que deram da "revolução" o ar caricato susceptível de inspirar autores do absurdo. O símbolo do cravo que perdura, se resultasse do acaso, poderia ter sido talvez um corno, conforme a tradição da boa sorte garantida por um corno atrás da porta.
O êxito da iniciativa ainda se estriba no desejo de paz que nos confrontava durante dois anos de mobilização, e teve ampla repercussão pela adesão de um grande número de fazedores de opinião, que não quiseram perder o combóio dos empregos ideológicos, ainda hoje tão em moda; na falta de educação cívica e participativa, que desde o anterior regime continua a caracterizar a pobreza do ensino em Portugal.
E pronto, a oposição ao regime da ditadura, que se afirmava oportuna pel a reivindicação de reformas com vista à valorização económica (o crescimento era de 5% na metrópole e de 8 a 15% em Angola, para uns, e de 15 a 20% segundo outros), social e política, pois naquele tempo já havia uma faixa da população a imaginar a melhoria generalizada da condição social, que eufemisticamente dizia-se depender da democracia. Em consequência, hoje são muitos os que ficam satisfeitos com o aparato das campanhas e o equívoco do cheque em branco.
Abraços fraternos
JD

António Martins Matos disse...

Caro Manuel Luís Lomba

Li com atenção.
Se me permites, assino por baixo.

Abraço
AMM