segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15110: Notas de leitura (756): “Direitos Humanos na Guiné-Bissau, Eu conto como foi!”, por Fernando Gomes, Chiado Editora, 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Outubro de 2014:

Queridos amigos,
Fernando Gomes é uma notabilidade política da Guiné-Bissau, em 2012 era Ministro do Interior, foi deposto e partiu para o exílio onde escreveu as suas memórias como fundador e presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, ajudou a criá-la no início da abertura democrática e só deixou de ser presidente a partir do momento em que passou a exercer funções políticas como deputado e depois ministro.
É uma oportunidade para se ficar a conhecer os enviesamentos de todo o processo político a partir da abertura ao pluripartidarismo até ao golpe militar de 2012, estão ali processos incríveis, prisões arbitrárias, graves desmandos contra os direitos humanos na Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário


Direitos Humanos na Guiné-Bissau: Eu conto como foi

Beja Santos

“Direitos humanos na Guiné-Bissau, eu conto como foi!”, por Fernando Gomes, Chiado Editora, 2014, é uma detalhada narrativa da ascensão dos direitos humanos, que muito devem à tenacidade e motivação daquele que fundou e presidiu durante muito tempo a Liga Guineense dos Direitos Humanos.

Fernando Gomes doutorou-se em Direito Internacional, matriz das ciências jurídicas que nunca mais abandonou. Entre 1991 e 1992, já à frente da Liga, foi o promotor e coordenador da Campanha Nacional de Luta pela Abolição da Pena de Morte na Guiné-Bissau. Em 1996, foi laureado com Prémio Internacional dos Direitos Humanos de Espanha e no ano seguinte foi eleito Vice-Presidente da Federação Internacional dos Direitos Humanos. No campo político, de 2004 a 2008, foi deputado da Assembleia Nacional Popular. De 2008 a 2011, foi Ministro da Função Pública, Trabalho e Modernização do Estado. De 2011 até ao golpe de Estado de 2012, foi Ministro do Interior da Guiné-Bissau. Este seu livro foi escrito no exílio, o seu autor quer mostrar como vale a pena defender o direito à paz, ao pão e à liberdade do seu povo, é um testemunho sobre a luta pela afirmação dos direitos humanos num país onde até há pouco campeou a arbitrariedade e a prepotência indiscriminadas.

Ele conta como, com dezasseis anos, foi preso pela primeira vez, ele fundara a Comissão Estudantil de Bambadinca e a JAAC – Juventude Africana Amílcar Cabral denunciou-o como sabotador. Foi sujeito a interrogatórios duros. Deveu a sua liberdade a Buscardini, então Secretário-Geral do Ministério do Interior. A partir daí, fizeram-lhe o reconhecimento a sua dinâmica militância. Conclui do seu douramento em Leninegrado, começou a trabalhar em Bissau como assessor do Procurador-Geral da República, com ele virá a ter desinteligência, pôs o seu lugar à disposição e logo conheceu a retaliação, veio a Polícia Judiciária e despejou-o de casa. Por sua vez, Nino Vieira demitiu o Procurador-Geral da República. Em 1991, conseguiu criar a Liga dos Direitos Humanos da Guiné-Bissau, de que se afastará em 1999, quando decidiu candidatar-se à presidência da República. Estava lançado na política, e hoje dela sofre as consequências.

Com detalhe, descreve a criação da Liga, com quem, como, a rede de estruturas, os apoios financeiros de países cooperadores, como dentro da Liga foi criado o Gabinete de Assistência Jurídica à Criança e à Mãe, como lutou pela abolição da pena de morte, como a Liga se sentiu gratificada e motivada com a construção do entro de Formação de Direitos Humanos, em Quinhamel. O conflito armado da Guiné-Bissau, de 1998 a 1999, levou a Liga a intervir, foi criado o Observatório Internacional dos direitos humanos para o conflito armado da Guiné-Bissau e, simultaneamente, o Movimento Nacional da Sociedade Civil para a Paz, Democracia e Desenvolvimento, a quem continua ligado.

Conta histórias verídicas e prende-nos a atenção, a sua prosa vibra e não lhe recusamos sinceridade, logo o caso de 50 africanos presos, em Julho de 1996, em regime de extrema desumanidade, numa esquadra em Bissau, africanos de várias nacionalidades, negociados pelas autoridades espanholas e o governo guineense, e transportados pelos próprios espanhóis, eram indesejáveis e por isso foram deportados. A Liga desencadeou com o apoio da Amnistia Internacional uma intensa campanha para forçar as autoridades espanholas a receber de volta as 50 pessoas igualmente deportadas. As pessoas acabaram por ser postas em liberdade, cada um seguiu o seu destino. A Liga interveio também no caso dos “Anguentas”. Com o desfecho da guerra civil, muitos dos jovens militares que tinham lutado por Nino Vieira foram presos, alguns foram mortos e outros andavam a monte. A Liga pediu à Junta Militar que lhe fosse confiada a guarda de todos esses jovens, comprometeu-se a prepará-los com vista à sua reinserção social. A Junta concordou e em cerimónia realizada na base aérea foram entregues os jovens militares, num total de 200.

Fernando Gomes fala do caso Vaz Mané, produtor radiofónico, detido em finais de Janeiro de 2003, sem culpa formada, alegadamente por ter criticado o então presidente da República, Kumba Ialá. A Liga condenou a sua tensão e igualmente endereçou uma carta aberta à comunidade internacional apelando à sua intervenção com vista à libertação de políticos como Carlos Correia, Francisca Pereira, Filinto Barros, entre outros. Vaz Mané voltou a ser preso no ano seguinte, e depois de exposto publicamente foi mandado para casa sem qualquer justificação. É extenso o rol de denúncias de perseguições e arbitrariedades. Em Novembro de 2000, aquando do assassinato de Ansumane Mané, muitos foram presos e torturados, Fernando Mendes foi um deles, depois eram libertados sem qualquer explicação convincente.

Mais adiante, relata ao pormenor uma tentativa de destruição da Liga, vários elementos da sua direção lançaram calúnias sobre gestão danosa da direção de Fernando Mendes, ele foi novamente preso, é um dos momentos mais empolgantes dados os aspetos tenebrosos do enredo.

O conjunto de documentos em anexo poderá revelar-se no maior interesse para os estudiosos: índice cronológico dos factos relatados sobre a Liga Guineense dos Direitos Humanos (1991-2000); Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos; Relatório sobre os Direitos Humanos nos PALOP.
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15101: Notas de leitura (755): A revista Visão e a BD da guerra colonial (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

"50 africanos presos, em Julho de 1996, em regime de extrema desumanidade, numa esquadra em Bissau, africanos de várias nacionalidades, negociados pelas autoridades espanholas e o governo guineense, e transportados pelos próprios"

Esta coisa dos africanos devolvidos por espanhois, é um caso que já se repetia desde o princípio dos anos 80.

A Espanha tinha um acordo com o Nino (que provavelmente receberia o dele)para receber os devolvidos, via Canárias e via Ceuta etc. que eram às centenas.

Já um porta-miras meu da SOMEC, que já mencionei, foi apanhado num contentor em Cadis e devolvido.

Acho que Portugal não devolveu ninguem até hoje.

E penso que ainda havemos de ter um "ministro preto", para fazer a vontade ao José Adelino Barcelo de Carvalho (Bonga).