sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15003: Notas de leitura (747): “A Epopeia da LDM 302”, por A. Vassalo, em BD, Edições Culturais da Marinha, 2011 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Setembro de 2014:

Queridos amigos,
Não deve haver história mais rocambolesca de uma lancha da Armada como a 302 que A. Vassalo descreve com vivacidade e grande didatismo.
Primeiro, contextualiza a guerra e revela quais as unidades da esquadrilha de lanchas na Guiné. A 302 entra em cena, parece afundar-se, os seus marinheiros revelam heroísmo, recuperada volta a atividade e incendeia-se, será novamente rebocada até Ganturé. Recuperada, não voltará ao rio Cacheu, estará operacional no rio Grande de Buba.
Nesta sua nova área de atuação, virá novamente a ser atacada, na foz do rio Uajá. Irá ser desmantelada depois de toda esta saga em Novembro de 1972.
A. Vassalo homenageou tocantemente uma lancha e quem nela combateu, pena é que esta BD não tenha mais notoriedade e possa ser facilmente adquirida.

Um abraço do
Mário


A Epopeia da LDM 302

Beja Santos

A. Vassalo é um nome já conhecido dentro da nossa confraria, em termos de BD relacionada com a guerra da Guiné é mesmo um nome proeminente que dispomos. Publicado pelas Edições Culturais da Marinha em 2011, a BD “A Epopeia da LDM 302” não desiludirá os aficionados e mesmo de quem gosta de história. O blogue dos especialistas da Base Aérea 12, sempre atentos ao que se publica sobre o nosso território de bolanhas e lalas, já tinha dado notícia pormenorizada que, com a devida vénia, aqui se reproduz:

“A LDM 302 foi aumentada ao efetivo dos navios da Armada em 18 de Janeiro de 1964. Chegou à Guiné Bissau a bordo de um navio da Marinha Mercante. Era seu patrão de então o marinheiro de manobra n.º 2156, Aristides Lopes. Após um curto período de adestramento da guarnição, foi atribuída ao DFE 2, ao qual competia a fiscalização da zona do rio Geba. De 9 a 11 de Abril, pela primeira vez, em conjunto com a LDM 101, 201, LFG Escorpião, LFP Canopus e os DFE’s 8 e 9, foi incluída numa missão de apoio e transporte de fuzileiros, levada a cabo no rio Cumbijã.

Em 22 de Abril, conheceu o batismo de fogo. Frente a Jabadá quando, em conjunto com mais três LDM’s procedia a um desembarque de fuzileiros, o inimigo tentou opor-se com fogo de armas ligeiras, mas não conseguiu evitar o desembarque.

No dia 22 de Julho, foi atacada pela segunda vez, desta feita no rio Cacheu, em Porto de Coco. O inimigo, emboscado nas margens, utilizou metralhadoras pesadas e morteiros, sem consequências. Durante o resto do ano de 1964, tomou parte em várias operações do rio Geba e recolheu ao Serviço de Assistência Oficinal, para benfeitorias, protegeu-se com chapa balística a casa do leme e o escudo da peça Oerlinkon de 20mm.

1965 veio a revelar-se para a LDM 302 um ano muito duro. No dia 4 de Fevereiro, em frente de Tambato Mandinga, no rio Cacheu, foi violentamente atacada mas margens com morteiros e metralhadoras ligeiras, sofrendo trinta impactos no costado e superestruturas. A lancha foi atingida e com o patrão gravemente ferido ficou sem leme, entrando pelo tarrafo da margem norte. Os ramos vergaram de imediato e, de seguida, ao recuperarem a posição normal, projetaram LDM que recuou, ficando à deriva. A lancha metia água e afundava-se rapidamente de popa. Sentindo, de todo, que o navio estava perdido, os artilheiros viram-se forçados a abandonar a peça, tentando então o telegrafista socorrer o patrão. Fez um esforço para o por de pé mas foi de todo impossível. Fora atingido em cheio, estava quase cortado em dois.

O inimigo deixou de fazer fogo. O telegrafista, o mais antigo depois do patrão, assumiu o comando e deu ordem para abandonar a lancha. Arriaram então o bote de borracha, colocaram lá dentro o patrão, nessa altura já morto, os papéis de bordo e uma G3, dirigiram-se para a margem e esconderam-se no tarrafo. Era imperioso ir alguém a Bigene, o aquartelamento do Exército mais próximo, situado a cerca de 3 quilómetros e regressar com socorros. Sendo os restantes elementos novos na guarnição e o telegrafista o único conhecedor da zona, empunhou a arma e foi ele próprio, conseguindo lá chegar coberto de lama e sem percalço pelo caminho. Entretanto, a LDM 304, que navegava não longe do local, alertada pela ruído das explosões, dirigiu-se ao local, deparando, para espanto da guarnição, com uma lancha totalmente afundada. Passaram-lhe um cabo de reboque e seguiram rio abaixo, avistando pouco depois os sobreviventes que embarcaram. Mas nesse dia a má sorte acompanhava a LDM 302. Ao aportarem a Ganturé, local escolhido para encalhar a lancha, o artilheiro Carvalho, que saltara do bote para a 302, a fim de manobrar os cabos de reboque, caiu à água e nunca mais foi visto.

A LDM 302 seria rapidamente recuperada e voltaria a navegar. No dia 4 de Outubro, no rio Armada, um afluente do Cacheu, em missão de transporte de forças terrestres, foi atacada das margens, resultando dez feridos ligeiros. Novamente, em 28 de Outubro, a leste de Farim, na margem do Cacheu, foi alvejada sem consequências. Foi de relativa tranquilidade 1966. Trágico viria a revelar-se o ano de 1967. A 19 de Dezembro, pelas onze horas, a 302 descia o rio Cacheu, margens de tarrafo denso a entranhar-se pelo rio. No leme, o patrão, marinheiro de manobra Domingos Lopes Medeiros; nos seus postos, junto à Oerlinkon, os marinheiros artilheiros Manuel Luís Lourenço e Silva e Manuel Santana Carvalho; no posto telefonia, o marinheiro telegrafista Joaquim Claudino da Silva; e na MG 42 o marinheiro fogueiro Manuel Fernando Seabra Nogueira. A lancha deixara para trás uma das muitas curvas sinuosas do rio e passava frente à clareira de Tancroal. Subitamente, observaram-se fumos na margem sul à boca de peças e, quase de seguida, fortes rebentamentos. O navio estremeceu violentamente e os motores paravam. Estavam sob violentíssimo ataque de canhão sem recuo, lança-granadas foguetes e ainda metralhadoras”.



Página alusiva ao ataque que a 302 sofreu em Porto Coco, em 19 de Dezembro de 1967, em que tudo parecia acabado

Confronto no rio Cacheu em 19 de Junho de 1969, incêndio na 302. Resta dizer que no dia 27 de Junho de 1972, a 302 passou à situação de desarmamento, parar ser abatida em 30 e Novembro desse ano. Acabava assim a saga de uma lancha que foi uma autêntica Fénix Renascida.
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Nota do editor

Último poste da série de > 10 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14990: Notas de leitura (746): O “Ericeira”: nos primórdios da BD sobre a guerra colonial (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Mário,

Tenho-me mantido atento às tuas úteis recensões e agradeço o contributo que tens dado para um melhor enquadramento do período das nossa vidas, entre os anos 60 e meados dos 70, eramos nós todos jovens e idealistas muitos de nós.
Nesta recensão voltas aos trabalhos em BD, poucos infelizmente, do Vassalo Miranda. O Miranda que eu conheci era um gigante, de físico e de alma, mas como criativo que era crescia com ele uma criança e, pelos vistos, toda a vida se manteve assim, fazendo favores a este e aquele, sem nunca procurar qualquer reconhecimento, fosse qual fosse. Mas ainda hoje, alquebrado fisicamente, esboça sorrisos que transmitem as saudades que tem daqueles anos ingénuos.
Continua a andar Mário!
Abraço do V Briote