quinta-feira, 23 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14922: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VII Parte): Clara; Apanhado à mão e Entre eles

1. Parte VII de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 11 de Julho de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489 (Cuntima), e Comando do 2.º curso de Comandos do CTIG (Brá), CMDT do Grupo Diabólicos (1965/67).


GUINÉ, IR E VOLTAR - VII

Clara

Boas notícias da metrópole! Corriam bem as coisas para quem lá estava. Mini-saias, calças à boca de sino. Calças largas assim como lhe estavam a contar só as tinha visto nos marujos, no pessoal civil nunca reparara, mas tudo bem, acreditava. Diziam que o comércio prosperava, que a têxtil e a construção disparavam. Que havia emprego. Que se construíam casas, se arranjavam outras, estradas novas, um pandemónio, espantados os que vinham de férias.
E mais não se fazia porque, diziam, havia falta de mão-de-obra.
Pudera, mais de 100.000 em África e mais os que se tinham pirado claro, nada para admirar.

Emigrantes portugueses nos “bidonvilles” dos arredores de Paris. 
Foto da net.

Por cá tudo bem, obrigado. Estava com 21 anos. Deixara Lisboa com o peito para fora, ia defender a pátria dos terroristas a soldo de Moscovo. De vez em quando sentia uma ligeira dúvida sobre os resultados do esforço que lhes estavam a exigir, mas o futuro é sempre uma dúvida, não é?

Calor húmido, o suor a escorrer pelo corpo todo, um chuveiro vem mesmo a calhar. Procurou roupa para se vestir. Só tinha um camuflado, o que trazia vestido. O Sany1 tinha lavado as camisas, cuecas, calças, toda a roupa que tinha, que não era muita que também não precisava, depois do Vilaça numa fúria que mais uma vez lhe deu no quarto, ter quebrado a caixa de Gin que foi do furriel Morais2. No quarto nem pensar entrar, cheirava-lhe a Gordon’s até em Bissau.

Para espairecer nada melhor que uma volta. Toca, Alegre3, que se faz tarde ponha o ME-14-04 no piche(*) para Bissau, acelere essa chocolateira.


Vento quente na cara, curva do Hospital Militar, onde se dizia que quem entrar lá ferido, safa-se, já não morre, chiça que não fosse ele, recta para o bairro indígena de Bissau.

As primeiras casas, gente, cães, cabras, tudo em câmara lenta. Que pressa danada, Alegre, páre aí, olhe para aquilo, o quê meu alferes, aquela morena ali, não vê? Ah? Está a vê-la bem, Alegre? Não quero nada que faça marcha atrás, qual atrás, Alegre, abra mas é os olhos e páre aí! Ponha-se à sombra.
Onde se meteu? Perdeu-a de vista, mas uma beleza daquelas não pode desaparecer assim! Aí está ela outra vez, um encanto a surgir de trás de uma árvore, dança a andar, onde terá aprendido? Não acreditas, ela está a olhar para ti, deve estar à tua espera, ou não? É contigo, não disfarces, estás a olhar para onde? Está espantada, sem saber bem o que fazer. E agora? Vai ter com ela, pode precisar de alguma coisa, nunca se sabe, estamos aqui uns para os outros, não foi isso que te ensinaram em Mafra, ajudar a população civil, a voz dentro dele não se calava, não foi? Pergunta-lhe o caminho, que te dê a mão e te leve, que interessa para onde?
Chegou-se a ela, a ferver. Boa tarde, como está? Que pergunta! Estava boa, via-se bem, bastava ter olhos.
Olá! O Joaquim já não mora aqui? Que Joaquim? Então, o Joaquim de Brá, não conhece? E o seu nome qual é? Clara? Fica bem consigo! Não gosta do nome porquê? Então não conhece o Joaquim? E a mim também não? E não me deixa conhecê-la? Não podemos estar aqui a falar? Onde então? Hoje não, Clara, porquê? Esta semana também não?
Só nãos, Clara, não mereço um sim? Quando, Clara? Domingo às 2 da tarde aqui? Tanto tempo, Clara? Aqui não, junto àquela casa? Clara...

Cerca de um mês depois de muita conversa, era também um domingo lá para o fim da tarde. Uma velha negra sentada à porta. Clara está lá, passa roupa a ferro.
Fresca, cabelo molhado a escorrer, vestido às flores, botões costas abaixo, pernas morenas, sandália rasa, até os pés pareciam ter levado pedra-pomes!
Olá, Clara, uma mão nas flores e a outra nem sabia aonde. Chegou-se a ela, um cheiro a fresco, tinha acabado de tomar banho, via-se.
Porque quer falar comigo? Estou comprometida, você sabe, alferes. Ele também, aliás estavam todos!
Clara, não resisti, enfim, quero conhecer-te melhor, faz mal?
Estremeceu quando o sentiu encostar-se. Que está a fazer, alferes? Não podemos ficar assim só um bocadinho, Clara? Não, não pode, sabe que não! Mas por que não, Clara? Não pode, alferes! Clara, não sou de pedra, o desejo não deixa, é grande demais, ela arrepia-se ao contacto dos dedos, os lábios dele no pescoço dela, ah, não posso, alferes, não posso, não…
O ferro pousado, a Clara ofegante, de costas, as mãos dele nem acreditavam, os mamilos a quererem fugir das mamas inchadas. Ah, Clara, a tua pele, o teu cheiro, o vestido a abrir-se, os dedos dele a descer, ela toda arrepiada a dizer não, não posso, podes Clara, não estás bem? Está, alferes, mas não posso mais, vai embora, faz favor, alferes, não posso mais!

Duraram quase dois meses estes encontros, quase sempre à mesma hora na casa da velha. Um prazer, um ritual obrigatório também, antes de uma saída para o mato e depois de um bom banho que prémio à chegada!
Até um dia em que, em má hora, passou e a viu pendurar roupa no arame. Não pares, não olhes para mim, vai-te embora! Vais-te arrepender! Não me toques, ele está cá.
Viram-se todos ao mesmo tempo, ele, o sócio e a irmã dela. Então é você quem anda por aqui e eu é que pago as despesas, reponta. Oh amigo, fique com a Clara! Já que come, pague a despesa!

Meses depois numa rua de Bissau, ouviu chamarem pelo seu nome. Parou, olhou para trás. Clara! Sorriso triste.
Envergonhado, baixou os olhos. Foi a última vez que viu a Clara.
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Notas do autor:
1 - Infamara Sany, o impedido que, juntamente com o quarto, a cama, a G-3 e restantes apetrechos de guerra tinha herdado do Cap. Saraiva. Morreu, mais tarde, em combate.
2 - Morto em combate no decorrer da operação ‘Ciao’, em Catunco, no Sul, em Maio de 1965 na que foi a última operação do grupo Fantasmas.
3 - Soldado Condutor ao serviço do Grupo.

Nota do editor:
(*) - Piche - o mesmo que alcatrão

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Apanhado à mão

Alternava períodos no mato com uns dias em Brá. Aproveitava-os para se manter em forma, praticava tiro, mantinha o Grupo em instrução diária, ao fim do dia ia até Bissau, dava uns passeios a pé. No fim de jantar, quando tinha vontade, punha a escrita em dia e lia pela noite fora.
Não havia muito para fazer na cidade. O hotel Portugal onde se reunia ao jantar com os conhecidos, ou o Fonseca de vez em quando para comer frango assado com batatas fritas aos paus, enormes, ou beber cerveja cá fora com um cesto de ostras ao lado.
Parava na esplanada do Bento, quase sempre a abarrotar de fardas, obrigatório para quem queria encontrar camaradas destacados no mato, em trânsito por Bissau, para consultas médicas, tratar de assuntos dos destacamentos ou à espera do avião para o mato depois das férias na metrópole.
Ouvia-os falar dos dias que lá tinham passado, das famílias, amigos, namoradas, do cinema que tinham visto, do ar diferente que respiraram. E do desinteresse e ignorância sobre o que se passava na Guiné.
Era um entusiasmo ouvi-los falar da metrópole e das férias. As dele estavam à porta, um ou dois meses se tanto, ia descontando os dias.


Em fase fotográfica, ia para o Cupilão4, negras com os bebés às costas a pilarem o arroz, mancarra a secar, crianças a brincar, velhos negros de barbas brancas, curvados, a cortar as unhas dos pés com a catana enorme na mão, outros sentados em fila, encostados às casas, olhos vermelhos de doenças, clicava tudo.

O conflito sentia-se em todo o lado, em Bissau também, embora não houvesse relatos de episódios violentos dentro da cidade. Claro que via o que se passava, ouvia os helis5 pousar no Hospital, perto de Brá, eram quase vizinhos, tinha acesso por vezes a citreps e perintreps6, frequentava quase diariamente a 2.ª e a 3.ª Rep, almoçava com este e aquele, estava a par do que se passava em todo o território.

O Leite era companheiro das mesmas lides desde há anos. De baixa estatura, magro, enfezado, aparência tímida e muita lábia, via-se que era desenrascado há muito. Estiveram no mesmo curso em Mafra, seguiram juntos no navio “Carvalho Araújo” para os Açores e separaram-se no cais de Ponta Delgada.
Encontraram-se, de novo no mesmo navio, no regresso ao continente.
Mobilizados para a Guiné, apanharam o comboio em Santa Apolónia, para o norte, para gozarem os dias de licença a que tinham direito e reencontraram-se em Campanhã para o regresso a Lisboa. Passaram os dias na capital, despedindo-se da vida boa que lá se vivia, até embarcarem no “Alfredo da Silva”. Na véspera do embarque fizeram questão de mandar vir lagosta e champanhe francês, no “Solmar”, ali nas portas de Santo Antão.
Davam-se, nem sempre ligavam às mesmas coisas, nem eram muito parecidos mas entendiam-se bem. O acaso fizera com que se juntassem nesse percurso. Já em Bissau, com o Capitão Marques, o Black e outros companheiros da viagem, separaram-se, até um dia destes.

Numa dessas visitas ao QG soube que o Leite tinha desaparecido.
A comunicação oficial era confusa, não se sabia ao certo se tinha desertado ou sido apanhado. Certo é que tinha sido levado para Dacar.
O Leite estava a comandar um pelotão reforçado em Sare Bacar, no norte, um pouco a leste de Cuntima, encostado ao Senegal, uma zona calma. O PAIGC, na altura, servia-se das fronteiras do Senegal como corredores de passagem para o interior que o Shenghor7, problemas já tinha que chegassem.
Levava uma vida tranquila, mantinha boas relações com a população local. Terá sido abordado pela polícia, em território senegalês, quando, sentado a uma mesa, defrontava um frango de chabéu que lhe tinham preparado. Puseram-lhe as algemas e meteram-no num jeep a caminho de Koldá.
Depois de ouvido foi para a cadeia de Ziguinchor e por lá ficou umas semanas, enquanto se desenvolviam negociações, por intermédio da família, que o Estado Português não se meteu. A Igreja interessou-se, a Cruz Vermelha Internacional intercedeu, levaram-no para Dacar, onde foi presente a um juiz que decidiu recambiá-lo para Lisboa. Mas ele não queria, temia represálias, queria voltar a Sare Bacar. Semanas depois, acabou por ser entregue na fronteira às autoridades militares portuguesas. Soube isto da boca dele, dois ou três meses depois, na esplanada do tal Bento, momentos depois de ter sido chamado ao Governador-geral.
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Notas:
4 - Cupelon, Cupilão, Pilão: grande bairro popular atravessado pela estrada para o aeroporto
5 - Helicópteros Allouette-II e III
6 - Relatórios militares periódicos
7 - Presidente da República do Senegal.

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Entre eles

As relações entre eles eram as mesmas que se viam entre jovens de 20 e poucos anos. Alcunhas, anedotas sobre acontecimentos no mato, ciúmes, coisas pequenas que ocorrem, sempre que um grupo de jovens se vê obrigado a partilhar tudo. Entre alguns havia acordos tácitos de não-beligerância, entre outros, acordos havia que não previam isso.
Os furriéis dos grupos viviam em dois quartos seguidos. Oito em cada, quatro camas frente a frente.
Num daqueles quarto o cristo era o Marques. É um doente, coitado, uma doença incurável, Canjambari não tem tratamento, dizia um a cada passo.
O Marques tinha vindo de Canjambari, um buraco muito falado. Qualquer coisa servia para se meterem com ele. Tinha poder de encaixe, fora praticante de luta greco-romana, lá na Amadora dele.
Mas havia um ou outro que exagerava no gozo, tanto que o Azevedo, se começou a chatear também, estava a ser gozo a mais com o camarada do grupo dele. Se fosse comigo o assunto resolvia-se a murro.
Lá para os meus lados, nos Arcos de Valdevez, as mãos também servem para bater nas trombas dos gajos atrevidos. Treta, terá dito outro.
No regresso de uma saída, ansioso por um banho e pela cama, o furriel Azevedo entrou confiante no quarto. Camuflado, meias, botas, tudo directo para lavar, banho a seguir. Quando abriu o mosquiteiro da cama teve uma surpresa, em cima do lençol só se viam beatas de cigarro, uma ainda largava fumo. E os camaradas de quarto, a lerem e a escreverem, como se não fosse nada com eles.
Quem foi o cabrão que fez isto? Ninguém se acusa? Houve um, claro, por coincidência o tal da treta, que se adiantou, mal se levantou teve que tentar levantar-se de novo, de uma saraivada de socos que o tinham levado às cordas, neste caso ao cimento.

Eram muito diferentes. O furriel Azevedo tinha ossos, músculos, uma melena a cair-lhe para os olhos e um dente partido a meio por um murro. Rebelde, olhos de águia, andar felino.
O furriel Marques, ruivo, sardento, pele clara, olhos azulados, ar um pouco místico, era um sonhador. A tendência para mandar no quarto nem sempre era bem vista pelos outros e nunca pelo Azevedo.
Numa rua em Bissau, uma pequena troca de palavras e de olhos entre os dois deu lugar à marcação de um encontro nas traseiras dos quartos, logo que chegassem a Brá. Sem testemunhas. Deram as voltas todas que tinham a dar, até que regressaram ao quartel.
Depois, nas traseiras do edifício dos quartos, encontraram-se os dois, frente a frente, sem testemunhas, sem camisas e sem palavras mas, pelos resultados, com abundância de outros meios. Breves e tão eficazes que dali para a frente nunca mais tiveram problemas de comunicação.

A guerra espalhava-se a todo o território. Via-se que faltava muita coisa, armas mais compatíveis com o tipo de conflito. Mas não só, talvez até as armas fossem menos importantes. O que se via era falta de liderança, de crença, de um projecto que os unisse, na metrópole e na Guiné. Dizia quem vinha de férias, que, em Lisboa, ninguém sabia ou queria saber o que se passava na Guiné e isso tocava-lhes.
Para quê, estarem aqui, rodeados de arame farpado, se não tinham qualquer tipo de ligação àquela terra? Um sentimento de paragem, de perda de vidas e de projectos. Via-se neles todos, em todo o lado, estivessem em Suzana, Madina, Guilege ou em Cameconde. E mais, viam com desconfiança e até com mal disfarçada hostilidade aparecerem-lhe os comandos, na zona deles. A chegada destes implicava sempre sarilho, enquanto lá se mantivessem ou depois de abandonarem a zona.

Os Comandos levavam uma guerra limpa, higiénica, como se dizia. Saíam, faziam o serviço e regressavam na primeira oportunidade, deixando para trás a carga de sarilhos que vinha a seguir. Era a desvantagem da quadrícula, estarem fixos em povoações transformadas em quartéis, presos dentro do arame farpado, primeiro sem quererem sair e depois, em alguns casos, já sem poderem. Deixavam o mato para o PAIGC, em várias zonas dono e senhor daquelas florestas e dos caminhos.
Em Brá, outra vez para mais uns dias de descanso os comandos tratavam de se manter operacionais. Nas horas de lazer, iam para a cidade, para os conhecimentos que tinham adquirido. Eram tão disciplinados entre eles no mato, como insurrectos na cidade. Por isso, não era de admirar as queixas da Polícia Militar, nem as reclamações dos camaradas das outras unidades que repartiam com eles as instalações de Brá.
Para eles que faziam a guerra, que viam não só as caras como também as armas dos guerrilheiros, a questão estava reduzida a pormenores técnicos. A componente moral, a mais importante, ia-se gastando também com o tempo, a que não era nada alheia a convivência em Brá com batalhões recém-chegados e especialmente com os Adidos.
Estavam assim reduzidos às armas e aos divertimentos. Uma combinação explosiva, como se foi vendo ao longo daquele tempo.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior da série de 14 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14876: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VI Parte): A nossa causa é uma causa justa

4 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Olá boa noite,
Continua a colocionar estes belos escritos. São "estórias" ou histórias que farão parte da História de nosso País "Daqui e d'além mar em África.

Passei grande parte desta manhã a ouvir um nosso Camarada da Guiné. Foi Alf. mil e, devido ás tendências politicas foi quase da recruta, Lamego (rangers)e Guiné. O Zé Dinis conheço-o pois esteve "adido" á Companhia dele - era Cmdt de um Pelotão Caç.Nat. Conhecemo-nos bem mas nunca tinhamos falado da "guerra"... só pela rama - estiveste na Guiné e o minimo...talvez se deva a certos pensamentos do passado e ao modo de calar...vidas.

Um abraço e continua pois gosto.

Abraços para vocês, T.

Cherno AB disse...

Amigo V. Briote,

Relativamente ao desaparecimento do teu colega Leite, trata-se de um caso de que ouvi falar desde a minha infancia, pois o homem que os servia de interprete e facilitador era o meu tio Samba Balde -vulgo Samagaia - (ver P4679-Uma gesta familiar de Canhamina a sincha samagaia, alias Luanda).

O meu tio confrontado com problemas de uma Guerra de sucessao, apos a morte de Branjame seu tio, afastou-se da zona de Canhamina e foi viver em Sare-Bacar, onde teria entrado em contacto com o comandante do pelotao estacionado no local.

Foram presos na localidade de Kumakara, escassos km de Sare-Bacar (uma bolanha separa as duas localidades) e o objectivo da missao, aparentemente, seria de promover a paz entre os guineenses e convencer a populacao deslocada a regressar com todas as garantias de seguranca.

Enfim, o relato eh o mesmo com o que acabas de escrever. A unica diferenca eh que, na versao que conhecia, nao seria so um mas seis pessoas dos quais 4 soldados metropolitanos e dois civis guineenses (um dos quais o meu tio), em Dacar estiveram presos em celas separadas. Pouco mais de um mes depois, seriam soltos na fronteira perto de Sare-Bacar conforme tinham solicitado, acompanhados do Governador da regiao de Casamanca.

Na verdade, entre outras causas eh de prever que o Senegal, mesmo nao estando interessado em ajudar abertamente a guerrilha dirigida por Amilcar Cabral, tambem nao estaria interessado no regresso para o territorio portugues (?) das populacoes refugiadas numa regiao de Casamanca, quase despovoada. De notar que entre os refugiados contavam-se ganadeiros e chefes religiosos importantes que nenhum pais inteligente pode dispensar de animo leve.

O meu tio acabaria por juntar-se aos outros e levar toda a familia na area de Kolda, na pequena vila (prefecture) de Dabo com um estatuto especial de refugiado de guerra.

Com um abraco amigo,

Cherno

Torcato Mendonca disse...


Meu caro Cherno - vou guardar a cópia do que escreveste junto ao escrito do meu Camarada V.Briote.
Para se fazer a História de teu País - como colónia e depois independente- és, sem dúvida, uma referência para esse estudo e, para isso estes relatos, estas pequenas estórias, aqui no blog, têm importância.

O meu abraço e boa saúde.

Ab,T.

Luís Graça disse...

O Vb não precisa de elogios do editor LG que é seu fã desde que ele publicou o primeiro poste no "blogueforanada", como ele gostava de referir o nosso blogue... Mas, como ele é um histórico da Tabanca Grande, e está "jubilado" como editor, a seu pedido e por razões de, na altura, saúde, muitos grã.tabanqueiros, os entrados nos últimos anos,nunca tinham tido o prazer e o privilégio de ler a sua prosa...

Em boa hora o Vb acedeu à minha insistência para publicar esta série "Guiné, ir e voltar". Era um crime de lesa-memória deixarmos "perder" estes escritos do seu blogue original ("Tantas Vidas") que ele decidiu retirar da web... Ganham agora novo fôlego, brilho e grandeza nos "céus" da Tabanca Grande!...

Julgo que não exagero, mas os escritos do Vb, até pelo seu intimismo e pela qualidade literária, são do melhor que tenho lido sobre o "pequeno mundo de Brá" (e da sua extensão, Bissau) dos anos 65/66... Há aqui "short stories" que são de antologia, a da "assédio" à Clara é um deles que eu elejo já!... O Vb não pode faltar numa futura antologia sobvre o sexo em tempo de guerra... O "conto" da Clara é erotismo em estado puro...

Parabéns, Vb. Agradeço também às tuas filhas (e seguramente à Irene) por te terem posto a escrever sobre estas tuas "Tantas" [outras] Vidas" que os nossos filhso e as maês dos nossos filhos também gostam de conhecer... Sem essas "outras vidas" não seríamos exatamente as pessoas que somos hoje e que eles/elas amam (ou amaram)...

É verdade que já nessa época dos teus verdes anos tu não eras um gajo qualquer, eram um "senhor gajo"...

Bom continuação da escrita... Ando a ler-te da frente para trás, "à procuar do tempo perdido"... Parabéns também ao teu dedicadissimo editor, o Carlos Vinhal, que não nos deixar respirar...