domingo, 24 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14655: Libertando-me (Tony Borié) (18): Os carapaus em molho de escabeche da Ti'Glória

Décimo oitavo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.




Os carapaus em molho de escabeche, da Ti’Glória!

Estavam lá num “mosqueiro”, que era um pequeno armário, com duas portas com rede na frente, para se manterem livres dos insectos, principalmente moscas, num canto da taberna, um pouco acima da “cartola de cinco almudes”, que era uma pipa pequena, a quem a Ti’Glória pedia muitas vezes ao nosso pai Tónio, dizendo: ...vê se arranjas um tempo para vir aqui “encanteirar a cartola.” - que era mudar a pequena pipa, o que a mãe Joana, “torcia o nariz”, e não gostava, pois na sua mente, pensava que o pai Tónio, não ia só lá “encanteirar a cartola".

Bem, vamos em frente, os carapaus que estavam no referido “mosqueiro”, às vezes dias, quanto mais tempo melhor, eram fritos em azeite verde, temperados com vinagre, sal e pimenta, umas folhas de árvore de louro, cebola, e às vezes até com pimentos verdes, tudo frutos da quinta do pai da Ti’Glória, a quem nós, entre outras coisas, tínhamos por tarefa verificar e ir avisá-la, quando o seu pai, que era o maior lavrador da aldeia, deixava a samarra, com pele de raposa na gola, pendurada em alguma árvore, ou no muro do poço, que por lá existia, porque nesse momento a Ti’Glória, lá ia muito sorrateiramente aliviar a grossa carteira de algumas notas do banco de Portugal.

Os carapaus deviam de vir da lota da cidade de Aveiro, ou talvez de Matosinhos, mas quem os lá vinha trazer era um peixeiro de Mourisca do Vouga, numa carroça puxada por um “macho”, que devia de ser um cavalo arraçado de burro, ou vice-versa.

A Ti”Glória era para nós uma segunda mãe Joana, nós andávamos por ali, limpávamos a frente da taverna de qualquer lixo, como cápsulas das garrafas de laranjada, latas vazias das sardinhas de conserva, até garrafas vazias de pirolitos, e claro, restos de “piriscas” de cigarros, não deixávamos encostar as bicicletas à porta da taverna, às vezes os clientes mais rudes ofereciam logo uma “lambada”, mas tudo passava, porque sabíamos que ao fim do dia a Ti’Glória nos dava um maravilhoso pitéu, que era um papo-seco com cinco ou seis figos secos dentro.

Bons tempos e, talvez esses figos, ou esses “carapaus fritos em molho de escabeche nos tivessem dado vitaminas para vivermos até aos dias de hoje, neste mundo moderno, onde não existem mais tavernas.

O que é isso tavernas?

Hoje são restaurantes típicos, tudo confeccionado de acordo com as novas leis de consumo, um prato de carapaus deve de ter lá tudo, menos carapaus.

Vamos a um desses mercados modernos, que chamam muito pomposamente “Shopping Center”, depois das pessoas andarem de loja em loja, a verem, a gastarem o que têm e que não têm, já um pouco cansados, deparam com uma área muito grande, para as pessoas comerem e, o que existe lá, a começar pelos equipamentos dos empregados, feitos com material reciclado, de cores berrantes, feitas à base chumbo, a comida é, Tacos e Enxiladas, do México; Pizza, da Italia; Hamburgueres, não sei de que país; Souvlaki ou Gyros, da Grécia; Kung Pao Chicken, que é uma espécie de galinha frita com mel, da China, e mais um sem número de comida, nada feito na altura, tudo vem da arca frigorífica, feita de acordo com as tais novas regras, com químicas e conservantes, onde as batatas fritas, se espera dois minutos, ficam rijas, parecendo pequenas peças de plástico.

Que saudades temos dos “carapaus fritos em molho de escabeche” da Ti’Glória, da “cartola de cinco almudes” de onde tirava o vinho, por meio de uma torneira de madeira, que por sinal “chiava”, ou seja, fazia um pequeno ruído ao abrir e fechar, servindo os clientes por uma “picheira” de barro vermelho, que nunca tinha sido lavada, era “enchaugalhada” ou seja balançada com uma pequena porção de vinho, que era única e simplesmente jogado no chão, num canto da taverna.

A nossa esposa e companheira, quer ir a Portugal, mais propriamente ao Santuário de Fátima, “cumprir uma promessa”, nós, não sabemos de que é a “promessa”, já a mãe Joana, cinquenta anos atrás, tinha feito também uma promessa de ir ao Santuário de Fátima agradecer a dádiva de o filho ter regressado vivo da guerra do Ultramar, é uma fé e, principalmente nós, os emigrantes, ainda vivemos um pouco da fé, talvez a vamos acompanhar, temos saudades entre outras coisas, dos “carapaus fritos em molho de escabeche”, iguais aos que a saudosa Ti’Glória fazia.

Tony Borie, Maio de 2015.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14624: Libertando-me (Tony Borié) (17): Fisherman’s Wharf, o Cais dos Pescadores de S. Francisco

4 comentários:

paulo santiago disse...

Tony
Penso que estás a referir-te à TiGlória do Xaréu,ali junto do rio a caminho de Paredes.Era uma taverna à antiga,mas o vinho era bom,e ela era uma grande cozinheira.Amanhã é feriado cá na nossa terra.Aparece.
Abraço
P.Santiago

Anónimo disse...

Tony

Não deixes de visitar este cantinho, pois os carapaus de escabeche ou umas enguias ainda são feitas como antigamente e nem as espinhas escapam, desde que tenham uns dias de "feitura".

Nem calculas como me relembraste as latas de 5 litros bem soldadas que me mandavam de vez em quando para a Guiné, com enguias de escabeche ou rojões em banha. No dia que chegavam, marchavam logo bem regadas a vinho branco ou cerveja, conforme o local do repasto.

É o São Geraldo na tua terra, como diz o Paulo e o dia do pessoal de Ílhavo lá ir cumprir as promessas e acabar na Festa de Vagos.
Felizmente que os coelhos ainda não conseguiram acabar com estas tradições...

Abraços

JPicado



Hélder Valério disse...

Tony, grande Tony

Com que então a "aguçar o apetite" da tua esposa com esses pitéus?

Pois se a Fé ou a simples curiosidade a faz ir a Fátima e tu também poderás aproveitar, façam depois a peregrinação "profana" pelo que Portugal (ainda) é inigualável: as paisagens, a gastronomia, a luminosidade.

Comam os "carapaus de escabeche" mas também "choco frito" e outros petiscos de marisco, peixe, carne e doces que aí, tenho a certeza, tornarão essa viagem inesquecível.

abraço.
Hélder S.

Tony Borie disse...

Olá companheiros.
Os vossos comentários fazem-me crescer água na boca!.
Estou em Nova Jersey, mais perto de Portugal, pois aqui, pelo menos nas cidades de Newark e Elizabeth, existe muito de Portugal, devem ser mesmo umas das cidades mais portuguesas, fora de Portugal!.
O Paulo, refere-se à Ti'Glória do Xaréu, que conheci muito bem, pois a sua taverna, inicialmente pertencia à senhora Auzenda, mãe do Alípio Vidal, que emigrou e morreu no Brazil, era meu tio, pois casou com a minha tia Amantina, irmã do meu pai Tónio, era na beira do rio, ao lado do cais dos pescadores!. A minha Ti'Glória, era na saída da vila, ao norte, junto da estrada número 1, na aldeia da Alagôa, e era filha do Ti'Manel Lagareiro, o maior lavrador lá da Alagôa, pois até tinha vacas à renda, a meias!.
Jorge, lembro-me muito bem das latas de cinco litros, que o latoeiro fechava com solda de estanho, retirando todo o ar, conservando-se assim a comida, pronta até a atravessar o mar!.
As enguias eram um pitéu assombroso!.
São Geraldo, São Geraldo!
Hélder, chocos fritos, creio que nunca comi, mas tinha um companheiro na tropa, aí na Trafaria, que era oriundo de Setúbal, onde fui um fim de semana para casa dele, onde comemos salmonetes, que eu não sabia o que era e, TTnunca mais me esqueci!.
Um abraço a todos,
Tony Borie.