quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14048: Conto de Natal (19): Uma viagem a outros Natais (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 17 de Dezembro de 2014:

Este texto não será ainda a estória dessas viagens de lazer, de prazer, relaxamento, pelos vales, planícies, montanhas, florestas, muitas vezes refletidos em grandes lagos ou grandes rios onde espelham o seu encanto e a beleza.

Terá sido nessas viagens e passeios pela natureza onde as paisagens que nos encantam se duplicam nas águas límpidas e transparentes, onde Narciso se apaixonou pela sua própria imagem.
Não será também a estória das viagens pelas maravilhas construídas pelas mãos hábeis de tantos artífices e artistas que povoam as cidades da terra.
Pela mente todos os dias viajamos, de corpo e alma de vez em quando.

Hoje a minha viagem de menino leva-me à igreja de Brunhoso.
Próximo do local onde assistia com a família masculina (as mulheres ficavam separadas, atrás dos homens, talvez para não haver lugar a troca de olhares sensuais e pecaminosos) a todas as cerimónias religiosas, havia um altar, com um Menino Jesus, quase todo nu, somente com um pano a tapar-lhe o sexo.

Dentre todos os santos que povoavam os altares da igreja sempre achei muita graça a esse menino, pois parecia-me mais humano do que todos os outros santos adultos que, por vezes muito bem vestidos e enfatuados duma forma antiga, pareciam olhar mais para o alto do que para as pessoas.

Esse menino parecia um outro como eu quando ainda o era, e que estaria disposto a brincar comigo e com os da minha idade. Na Missa do Galo, no Natal, esse menino descia do seu pedestal e o padre dava a beijar os pés dele a toda a gente. Hoje raramente vou à missa mas confesso camaradas que ainda sinto muita ternura por esse menino de barro.

Brunhoso, nesse tempo, tinha poucas árvores de fruta e as laranjeiras não cresciam lá, queimadas pelas geadas, em minha casa como na maioria apreciávamos muito a fruta, que não sendo de colheita própria, raramente se comprava. O meu pai que eu julgava muito sovina, depois da Missa do Galo, todos os anos invariavelmente, comprava o grande cesto de fruta que era leiloado pelos rapazes no adro da igreja, que continha sobretudo laranjas.

Para mim e os meus irmãos era quase um milagre do Menino Jesus, saber que esse grande cabaz de laranjas ia para nossa casa.
Muito obrigado pai por tantos milagres.

Portugal > Bragança > Mogadouro > Brunhoso > Terra com história, património e gente de carácter. Foto de Aníbal Gonçalves, grande divulgador da sua região, em particular o nordeste transmontano. Professor, alia a fotografia ao geocaching.  É natural de Bragança, vive em Vila Flor. Tem página no Facebook. Cortesia da sua  página dedicada a Brunhoso.

Os meus Natais na Guiné foram dias como os outros, no quartel ou no mato, tanto em Buba em 1970 como em Mansabá em 1971. Que me recorde, não houve bacalhau nem rabanadas nem outro petisco da quadra natalícia.

Porque eu sempre associei o Natal ao frio e por vezes à neve, deixei passar o Natal sem nostalgia, porque estava enfeitiçado pelo calor e pelo cheiro quente da terra africana e nesse tempo nunca imaginei um Menino Jesus negro.
Na Guiné vivi em terras de muçulmanos e por outro lado andava desinteressado de manifestações religiosas de qualquer crença.

" Decididamente é difícil pensar que não é Natal", como diz o nosso poeta e comandante Luís Graça.

Este texto que evoca o Natal, dedico-o a ele pela dedicação e trabalho que diariamente desenvolve pela manutenção e vitalidade do blogue, ao meu camarada de Mansabá e quase vizinho actual, Carlos Vinhal igualmente um grande obreiro e sacrificado do blogue.

Os outros camaradas que me desculpem mas vou dedicá-lo também a outros dois camaradas:
Ao camarada Jorge Picado, mais velho e sereno do que eu, que também esteve em Mansabá, e que aprendi a apreciar por conhecimento pessoal e pela bonomia que transmite nas palavras que escreve.
Ao amigo José Luís Fernandes, pela autenticidade, humanidade e profundidade de tudo o que já escreveu no blogue e pela ausência já tão longa, com que nos penaliza e que espero não se prolongue muito mais.

A todos os camaradas desejo um Bom Natal e um Bom Ano.
A todos um grande abraço
Francisco Baptista
____________

Nota do editor

Último poste da série de 25 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12504: Conto de Natal (18): "Uma Luz de Natal no alto do Monte", por Adriano Miranda Lima - Cor Inf Ref

6 comentários:

Anónimo disse...

Caro Francisco Baptista,
Pela parte que me toca agradeço os teus votos de Boas Festas. Retribuo.
No teu comentário importa realçar a bela homenagem que fazes ao teu pai julgado sovina que acabava sempre por fazer um milagre, o Milagre das Laranjas.
Para nós, militares na Guiné, o tal Menino Preto era milagroso quando nos presenteava com o seu dia em Paz.
Abraço transatlântico.
José Câmara

Anónimo disse...

Realço, neste texto que é quase um conto, o leilão do cesto das laranjas, tradição de Brunhoso. E como era deslumbrante e mágico aquele cesto de fruta!
Para mim e meus irmãos, o cheiro das rabanadas que iam saindo da frigideira e que perfumava toda a grande cozinha naquele dia transformada num autêntico salão de festas da família, ainda hoje recordo, sem deixar de evocar os meus avós, a minha tia, o meu pai e, no centro de tudo, a minha mãe, sempre paciente e providencial.
Um abração.
carvalho de Mampatá.

Anónimo disse...

Caro FRancisco,
De realçar o orgulho que sentes pelo teu pai, o sovina, assim julgado, que ano após ano conseguia o Milagre das Laranjas.
Nas aldeias o nascimento do Menino era diferente, adaptava-se ao meio. O que não era diferente era a alegria que os meninos e as meninas sentiam quando recebiam o seu presente, mesmo que fosse uma simples laranja...
Grande abraço,
José

Anónimo disse...



Meu amigo Carvalho:

Gondomar aqui tão perto do Porto, onde vivo por alguns conhecimentos e vivencias achei que era uma terrra um pouco urbana mas também muito rural, pela sua economia e meios de sustento. No passado da histórias das nossas vidas havia muita actividde agrária tanto a 30 quilómetros do Porto como duzentos. As marcas que o tempo deixou no nosso rosto e nas nossas mãos com mais rugas ou menos, a cor da pele mais alva ou trigueira ou queimada , o olhar vago ou cintilante, o falar mais simples e espontâneo ou mais exercitado e dificil denunciam as nossas origens.
Somos camponeses, citadinos ou pescadores, outras vezes uma mistura. Como eu, a viver na cidade há longos anos e com bons amigos por cá, mas sempre a sonhar com as origens.
Amigo António Carvalho, tu , tal como o teu irmâo Manuel, que eu também prezo muito, não passas de um camponês de Gondomar, que tal como ele,que por razões de família tendes de viajar muitas vezes por Trás-Os-Montes, ficastes encantados ao ver que as vossas colinas e montes de Gondomar se desdobravam por imensos montes e vales dessas terras mais longinquas.
A alma transmontana já morreu ou estará a definhar, os tempos são outros, sobre isso falarei um dia, mas vós sois uns felizardos porque para além de terdes gozado toda a beleza desses montes que se desdobram em montanhas por largos horizontes, ainda conhecestes o carácter desses velhos transmontanos que se definiam pela palavra dada, Jesus Cristo dizia que a palavra era o Verbo. Sobre isso nada mais posso acrescentar.
Sobre o amigo José, que não posso identificar só por esse nome, até poderá ser Manuel, João ou Maria , até poderá ser ou não transmontano. Respondo que ao longo da vida , nós os filhos vamos dando "nomes" aos nossos pais, nem sempre os mais corretos. Uma criança ou um adolescente nunca é um bom juíz. Quando falo da sovinice do meu pai, não estou falar do que penso hoje dele.
De qualquer modo achei interessante o comentário como apelo à boa moral e à consciência. Para o José ou para a Maria, um grande abraço.
Para o António e para o Manuel, esses amigos gondomarenses, mais transmontanos do que muitos nascidos lá, o meu grande abraço.

Francisco Baptista

Anónimo disse...

Meu caro Francisco acredita que eu, aqui, no outro lado do oceano Atlântico senti as tuas palavras como uma grande homenagem ao teu pai. A intenção primária na demarcação da palavra sovina foi para chamar a atenção dos tempos que muitas vezes leváamos para compreender o grande amor e sacrifíci que os nossos pais sentiam e faziam por nós.
Não conheço Brunhoso, mas estarei sempre ligado a esta tua linda terra que visito muitas vezes através deste grande mundo virtual.Conheces as razões: o teu Francisco Magalhães e o Joaquim Augusto Fermento.
A ti e a aos amigos que nos lêem peço desculpa pela minha falta de cuidado ao assinar-me apenas por
José ....Câmara

Anónimo disse...

Amigo José Câmara!

Não fiquei zangado com o comentário, apenas fiquei um pouco intrigado por não reconhecer um José entre tantos, para mais este José não falava açoreano, nem americano.
Gostei mais quando depois te pude identificar porque tu és dos bons homens grandes que convivem nesta tabanca.
Aproveito para denunciar um erro do meu comentário anterior e pedir desculpa por ele a todos os camaradas.
"Jesus Cristo dizia que a palavra era o Verbo" asneira minha, Ele nunca disse isso. A Biblia é que diz "No príncipio era o Verbo"

José nos Açores ou nos States desejo-te um Bom Natal para ti e para toda a tua família.

Um grande abraço

Francisco Baptista