sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14019: Memórias de Gabú (José Saúde) (48): Natal de 1973, em Gabu



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua fabulosa série.

As minhas memórias de Gabu

Natal de 1973, em Gabu

Festa no quartel

Diz o poeta, e expele com garra o cantor, que o “Natal é sempre que o homem quiser”. Partilho com os camaradas esse velho dito que se propagou numa sociedade cristã que sempre soube honrar a festa natalícia no mais recôndito lugar deste pequeno país à beira plantado.

Rebobino a fita da longa metragem da vida e recordo com saudade o Natal na minha querida Aldeia Nova de São Bento. O frenesim de uma criança que não conseguia dormir, perspetivando a eventual descida pela chaminé do imaginado Menino Jesus.

Antes, porém, numa atitude de pura inocência, lá colocava os sapatinhos ao canto da chaminé, onde um lume enorme consumia noite fora as chamas que aqueciam o sonhado Menino. E eu, ingenuamente, acreditava no palavreado da minha saudosa mãe que pintava o quadro com o rigor que a noite fria então aconselhava.

O tempo passou e o Natal, festa de família, determinou outras presunções a um jovem que continuou a aceitar a velha opinião que a quadra natalícia, era, afinal, uma tradição que se haveria de manter.

E é nessa viagem alucinante com a qual me deparei ao longo dos anos, que dei por mim a festejar o Natal de 1973 na Guiné, Gabu.

Recorro às minhas memórias e deixo expresso no nosso blogue mais um texto deste velho combatente.

“A noite da consoada de 1973, quente e de luar, deixou-me imensas recordações. Lá longe, num outro ambiente completamente antagónico, a família juntava-se à volta de uma lareira e cumpria a tradição. Era a noite do Menino.

Em Nova Lamego a festa era outra. A malta não se deliciava com as filhoses da avó, não comia o ensopado do galo à meia-noite, não sujava os lábios com os finos chocolates, tão-pouco contemplava as prendas deixados no sapatinho pelo Menino Jesus a um canto da chaminé, enfim, uma série de tradições que, na altura, se protelavam no tempo.

Na região de Gabu o Natal desse ano, já longínquo, foi inteiramente adverso àquele que marcou a minha juventude. Recordo que os momentos de festa nos palcos de guerra deixavam antever, e sempre, preocupações acrescidas.

Fazendo jus ao calor que se fazia sentir por aquelas bandas de África, resolvi dar treta à malta com momentos de atração teatral, recordando com ênfase o momento vivido. Ah, naquele instante já me sentia atraído pelas gotas de whisky que baldavam o meu corpo e me atacavam as pernas.

O Natal sempre se apresentou para mim como um momento nostálgico que curto com um místico de eterna saudade e de sentimentos múltiplos que muito me ajudaram a entender a filosofia da vida. Recordo os velhos tempos da minha aldeia. As noites infinitas, e chuvosas, de natais passadas a apanhar o calor do lume feito no chão. Diz o poeta que “Natal é sempre quando o homem quiser”. É verdade. Partilho por inteiro esta tamanha convicção. Na Guiné, aliás, como em qualquer outra parte do Mundo Cristão, nós vivemos o Natal de acordo com o ambiente em que fomos criados. É herança de gerações.

A noite de 24 para 25 de Dezembro em Nova Lamego esteve ao rubro. Alguém (eu, particularmente) acicatou a malta e toca a lembrar a rapaziada que o tempo, aclamado de divino, proporcionava momentos de laser. De relaxe puro. Procurei a indumentária que julguei apropriada, escrevi dizeres equacionados com a época vivida e toca a alegrar os camaradas de armas.

Escusado será dizer que a noite foi regada com uma mistura de álcool que me levou para a cama completamente toldado. Mas a noite da Consoada foi passada com euforia, confesso. Uma achega: uma Ballantines velha – 12 anos - custava naquela época 40 escudos, se a memória não me falha. O seu beber era divinal. Aliás, a destilação do precioso líquido era feita em pleno coração da Escócia, comentava-se. 

No dia 25, dia de Natal, o 2º Sargento da nossa messe, de nome Martins, creio, um alentejano de Elvas, brindou-nos com um almoço reforçado e a malta divertiu-se à brava.

Momentos imperdíveis que jamais esqueceremos e passados em pleno palco de guerra. 


POSTAL ALUSIVO
 ALMOÇO MELHORADO E REFORÇADO
 O 2º SARGENTO MARTINS, RESPONSÁVEL PELA GESTÃO DA MESSE
EU DISCURSANDO ÀS TROPAS

Um abraço camaradas, 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 



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