terça-feira, 4 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13845: In Memoriam (201): Coronel Piloto Aviador Manuel Bessa Rodrigues Azevedo (1938-2014): "Blé, eu sei que, lá por onde andas, estás em boa companhia, com os amigos pilotaços Brito, Moura Pinto, Mantovani, Gil e as enfermeiras Manuela e Piedade" (António NMartins de Matos, ten gen pilav). …


Cor pilav Manuel Bessa Rodrigues de Azevedo (1938-2014)


1. Mensagem do nosso camarada da FAP e membro da Tabanca Grande António Martins de Matos

Data: 3 de Novembro de 2014 às 23:42
Assunto: Coronel Piloto Aviador Manuel Bessa


A notícia apanhou-me de surpresa, … morreu o "Blé" [, no passado dia 30 de outubro; tinha 76 anos].

O "Blé" era o Coronel Piloto Aviador Manuel Bessa Rodrigues de Azevedo, amigo de longa data e companheiro de muitas das missões mais arriscadas que executei na Guiné.

Para a maior parte dos militares que combateram no Ultramar o seu nome não deve dizer nada de especial e no entanto alguns devem tê-lo visto em voos picados, alguns dos que regressaram à Metrópole sãos e salvos certamente a ele o devem.

Eis a sua história da Guiné:

Quando em Abril de 1973 o aparecimento repentino dos Strelas produziram os efeitos que são do conhecimento geral, constatou-se que apenas restavam 4 pilotos aptos a voar o FIAT-G91, 2 na Esquadra 121-Tigres e outros 2 com o estatuto de "adidos", o Comandante da Zona Aérea e o Comandante da Base, ambos Coronéis.

Pelas suas funções, estes últimos apenas podiam participar em voos pré-planeados, não assegurando as missões de pedidos de apoio aéreo.

Nesta situação de emergência, a solução encontrada pelo Estado Maior para minorar a escassez de pessoal foi nomear 2 pilotos da Base de Monte Real para um destacamento imediato e de 2 meses.
O então Cap Pilav Bessa foi um dos escolhidos, tinha regressado de uma comissão em Moçambique, estava qualificado em FIAT G-91 mas nunca tinha estado na Guiné.

Um segundo piloto foi igualmente nomeado mas …. nunca chegou a aparecer.

No meio de toda aquela situação crítica em que nos encontrávamos,  ainda havia um pouco de "humor" que nos fazia sorrir e avançar no dia-a-dia, os 2 pilotos da Esquadra (o Pipoca e o Batata) foram esperar o "Blé" ao aeroporto de Bissau mesmo à porta do Boeing da FAP:  eu levava um "braço ao peito", o outro piloto tinha a "cabeça entrapada", logo lhe dissemos que a guerra não podia esperar, havia um alerta imediato para sair e naquele momento nós estávamos inoperacionais, tinha que ser ele a efectuar a missão.

Completamente atrapalhado,  ainda balbuciou algumas desculpas, não conhecia o terreno, logo lhe aprontei um mapa, a missão era lá para o Leste, "vais sempre a direito, não há nada que enganar", não tinha capacete, demos-lhe um (que nem lhe servia…), …..

Passado o efeito desta praxadela com muitas risadas e palavrões à mistura, logo nos dias seguintes o "Blé" passou a acompanhar-nos em todas as missões, sempre a número 2 não fosse o caso de se perder, ainda estávamos na época seca e de visibilidade reduzida, depois de largarmos o nosso armamento era só dizer-lhe onde ele devia largar a sua carga, mais à frente, atrás, direita, esquerda, aos poucos lá se foi começando a ambientar com o território, com as manobras anti-míssil e com o armamento (bem diferente do que tinha usado em Moçambique).

Foi assim que, apenas chegado a terras da Guiné, logo o "Blé" executou missões em todos os locais onde a intervenção dos FIAT-G91 foi solicitada, no Guidaje, Cufeu, Choquemone, Cantanhês, Guileje, Gadamael,…

Foi ele que inúmeras vezes me protegeu a retaguarda…

Foi ele que me alertou de 2 dos mísseis com que o PAIGC me quis presentear…

Foi ele um dos que presenciou (ao vivo) os acontecimentos de Guileje, até ficou registado num livro que escreveram sob o tema.

Foi ele que, com o seu espírito alegre e brincalhão, transformou os nossos jantares até então tristes e monótonos,  em alegres cavaqueiras, capazes de nos fazer esquecer todos os maus momentos daquela época.

- Blé, eu sei que, lá por onde andas, estás em boa companhia, com os amigos pilotaços Brito, Moura Pinto, Mantovani, Gil e as enfermeiras Manuela e Piedade. … Um dia, os do grupo que ainda estamos cá "em baixo", vamos visitar-te. Vamos recordar todas aquelas aventuras, desventuras e travessuras que fizemos! Prepara-te, vai ser uma festa de arromba!!!! (*)

Até sempre,  companheiro! (**)

António Martins de Matos [ex-ten pilav, BA 12, Bisslanca, 1972/74]

_____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13815: In Memoriam (201): Bruna Durães (26/3/2003 - 28/10/2014), a neta mais velha do nosso querido amigo e camarada Benjamim Durães, ex-fur mil op esp. CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)... O corpo estará ao fim da tarde em câmara ardente, na capela do Socorro, junto ao Mosteiro de Jesus, em Setúbal. O funeral será amanhã às 11h.

(**) Vd. aqui a sua biografia na página da Associação de Combatentes de Avintes > 31 de Outubro de 2014 > BLÉ - aqueles que da lei da morte se vão libertando

(i) Nasceu no lugar de Montes, freguesia de Olalhas, concelho de Tomar, distrito de Santarém, a 21 de Junho de 1938:

(ii) O "nickbname" Blé foi-lhe pela mana, ligeiramente mais velha;.

(iii) Por volta dos cinco anos, os pais, professores do ensino primário, mudaram-se para Avintes, concelho de Vila Nova de Gaia;

(iv) Depois do liceu no Porto, frequentoui a Academia Milita em Lisboa onde tirou o curso de aeronáutica;

(v) Foi escolhido para integrar o grupo dos Falcões, elite dos pilotos da FAP,  localizado na Base Aérea de Monte Real, voando então no F-86 Sabre, caça supersónico, monolugar e monomotor, avião da Nato;

(vi) Com a giuerra do do Ultramar, teve de mudar para o Fiat G 91, "similar ao Sabre mas não tão bom":

(vii) A sua primeira comissão foi no Norte de Moçambique, seguindo-se a Guiné e depois Angola; estava destacado em Cabinda quando ocorreu o 25 de Abril.

Para saber mais clicar aqui


18 comentários:

Hélder Valério disse...

Caros camaradas
Caro AMMatos

Mais uma notícia de amigo, companheiro, camarada, que 'parte' cumprindo a derradeira missão neste mundo.

Já devíamos estar habituados. Isto é recorrente. E, sabemos, inevitável. Mas, a verdade, é que dá-nos sempre a sensação de 'perda'. Para nós, em geral, a de que 'mais um dos nossos' que se vai. Para aqueles que de mais perto lidaram, é certamente um pedaço da sua própria história de vida que se esfuma.

Não será tanto assim enquanto houver quem de nós tenha lembrança e, tal como o AMMatos o faz aqui, lhe presta uma pública homenagem.

Ao seu estilo, recordando o Homem, descrevendo as circunstâncias, no mínimo não habituais, com que se tornou 'camarada da Guiné', os episódios divertidos para amenizar a tensão e dureza dos tempos, tal como a praxe descrita, a acção em missão, etc.

Então, parafraseando a frase do António M. Matos, a fazer lembrar a mesma em castelhano, também digo:
Até sempre, companheiro!

Hélder S.

Anónimo disse...

Mais um dos "nossos"que parte...

As minhas condolências à família..e aos seus amigos.

C.Martins

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
Não conheci o "Blé", mas se voou em Sabre, antes da guerra, conheci um amigo dele...
Aqui fica o meu lamento. Somos cada vez menos e só nos resta fazer ao máximo de barulho para que nos ouçam.
Um Ab.
António J. P. Costa

admor disse...

A cada dia que passa ficamos cada vez mais pobres e desamparados, mas não nos resta outra alternativa, até irmos nós engrossar o Batalhão lá de cima.

Que o nosso camarada descanse em paz.

Condolências à família e aos amigos.

Adriano Moreira

Joaquim Mexia Alves disse...

Foi com tristeza que li esta notícia.

O Bessa foi um bom amigo que conheci ainda em Monte Real nos meus tempos de adolescente, e depois vim a reencontrar em Luanda, em 74/75.

Muitas vezes tivemos grandes noitadas e o Bessa era um companheiro alegre bem disposto e com grande humor.

Infelizmente alguns, (demasiados),dos meus assíduos companheiros da Forças Aérea dessas noites de Luanda já partiram.

O Bessa, o Luís Quintanilha, O Lavrador, o David ....

Se não estou em erro, o Bessa propôs-se e terá trazido para a Metrópole um DC 4 (ou seria DC 6), que ainda havia por Angola, tendo como fim o Museu da Força Aérea.

Os camarigos da Força Aérea poderão ou não confirmar isto mesmo.

A última vez que falei com ele, era Comandante do Hospital da Força Aérea, salvo o erro.

Que descanse em paz.

Um abraço ao António Matos e a todos quantos tiveram a alegria de privar com o Bessa.
Joaquim

Anónimo disse...

Embora não o conhecendo, nada invalida que sinta o pesar de mais um camarada que parte.

Para a família enlutada os meus sentimentos.
BS

Luís Graça disse...

Eis que diz o resto a resenha biográfica feita pela página dos Combatentes de Avintes, que foi a segunda terra do nosso camarada Manuel Bessa (1938-2014).

Para família mais próxima, para os amigos e camaradas da Guiné, e para a grande família da FAP... Ficamos todos mais pobres e sós, com a perda deste deste nosso camarada que, aos comandos do subsónico Fiat G-91, nos céus da Guiné, em condições dramáticas, num período de grande incerteza e de angústia, soube ser um bravo e competente piloto, um grande português e, pelo testemunho do António Martins de Matos, um grande companheiro, um grande camarada!

Os meus votos pessoais de solidariedade na dor pela perda do Manuel Bessa (que pessoalmente não conheci, nem isso é relevante na nossa comunidade virtual de antigos combatentes)...

Eis então aqui o seu percurso do Manuel Bessa, após o regresso de Angola (sua última comnissão), a seguir ao 25 de abril:

(...) "Regressado do Ultramar, voltou para Monte Real, mas não por muito tempo.

Foi então colocado no Estado-Maior da Força Aérea a chefia a Repartição de Segurança de Voo e Investigação de Acidentes, pois tinha frequentado um curso de formação nessa matéria no estrangeiro.

Mais tarde foi transferido para os Açores, onde ocupou o cargo de Conselheiro Aeronáutico do Comandante-Chefe, e onde permaneceu cerca de quatro anos.

De regresso ao Continente foi promovido a Coronel e iniciou nova etapa, o comando de Base Aérea, tendo começado pela Base Aérea nº 3 em Tancos e depois a Base Aérea do Lumiar em Lisboa, tendo sido ainda Chefe de Divisão no Estado-Maior da Força Aérea.

Findas estas missões iniciou outras muito diferentes, pois foi convidado e aceitou o cargo de Adido de Defesa Aeronáutica junto das Embaixadas de Portugal em Paris, Bruxelas e Luxemburgo, com residência em Paris. Neste cargo permaneceu cerca de quatro anos.
~
Quando voltou, foi surpreendido com o convite para presidir ao Tribunal Militar da Força Aérea, onde lhe coube a responsabilidade de presidir a um colectivo de três juízes e que julgavam exclusivamente infracções e crimes de natureza militar.

O edifício onde funcionava este tribunal é um palácio grandioso que pertenceu aos Condes de Avintes. Embora esta não fosse a área da sua formação, conseguiu “levar a carta a Garcia” com estudo e a ajuda dos seus companheiros juízes. Também desempenhou esta tarefa durante quatro anos e, como entretanto completou os 60 anos, passou á Reserva, o que em termos militares, corresponde à Pré-Reforma.

Foi louvado e condecorado após 39 anos de serviço activo na Força Aérea."

Fonte: Combatentes de Avintes

http://combatentesdeavintes.blogspot.pt/2014/10/ble-aqueles-que-da-morte-se-vao.html

ana oliveira disse...

Camarada e amigo António M. Matos:

As tuas palavras sobre esse teu amigo e camarada de todos nós, Manuel Bessa que nos deixou, foram para mim que nunca conheci ninguém da Força Aerea, além dum amigo da adolescência que foi piloto miliciano de helicópteros em Moçambique, um grande elogio de vida e uma despedida sentida, de um heroi que fica para outro que parte.
Eu era da tropa de quadricula, (ou macaca) de infantaria. Estive em Buba desde Março de 1970 a Setembro de 1971. Nesse período eramos bombardeados pelo Nino Vieira cerca de uma vez por mês. Normalmende o ataque era depois das 5 horas qundo os fiates já não podiam descolar. Houve um dia que se enganaram e fizeram o ataque demasiado cedo. Chamámos a aviação e presencieu e os outros camaradas o espetáculo dos fiates a fazer voo picado sobre o monte em frente, do outro lado do Grande Buba.
No dia seguinte fomos lá e vimos sinais de sangue no chão e nos arbustos.
Quando o camarada Manuel Bessa Rodrigues vai para a Guiné,já com a ameaça dos misseis estrela, tal como tu, que já lá estavas,o risco de vida é muitas vezes acrescido.
Não só para vós como para os operacionais em terra que quando feridos sabem que as hipóteses de evacuação se tornam muito mais dificeis.
Para lá daquilo que te possa parecer redundante quero manifestar a minha admiração por ti e por este camarada falecido, terá ganhado asas para outro voo.
Gostaria também que transmitisses à família dele os meus sentidos pêsames e o apreço que tenho por ele, ao ler o teu testemunho. Na terra, nos mares ou nos céus, um camarada é sempre leal e as suas palavras são sempre fiéis aos seus sentimentos.
Um grande abraço

Francisco Baptista

antonio graça de abreu disse...

Paz à sua alma, mais um dos nossos melhores que partiu. É a vida, é a morte.
Estes pilotos sempre me mereceram um enorme respeito, pela sua coragem e dedicação no apoio a todos nós, cá em baixo, no mato. Depois dos Strela, arriscavam a vida todos os dias, voaram e bombardearam como nunca.
Por isso, às vezes ainda me insurjo
quando surgem neste blogue umas luminárias a defender que depois dos Strela, deixámos de ter apoio aéreo e por isso perdemos a guerra.

Descansa em paz, meu amigo.

António Graça de Abreu

António J. P. Costa disse...

Oh AGA insurge-te à vontade, mas aproveitar um "In Memoriam" é mau gosto.
Não há nenhum filósofo "Xinês" que tenha dito algo parecido.
Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

"A despedida é um momento que ocorre no presente, onde lembramos o passado e não queremos saber como será o futuro"
André de Moraes

Gratidão por Gadamael...
Bernardo

Anónimo disse...

Quando um de nós parte os que ficam dão um praço em frente.
Directamente não necessitei dos nossos bravos pilotos, mas vi-os passar tantas vezes sobre o Destacamento São João. Alguém precisou e eles lá estavam.
Os meus respeitos.
José Câmara

antonio graça de abreu disse...

Ao António José Pereira da Costa

Mau gosto, para não dizer algo muito pior, é não honrar o excepcional labor dos nossos pilotos, 73/74, na Guiné.
Temos tido muito disso no blogue, sob o disfarce da guerra militarmente perdida. O AJPCosta sabe.
Só isto.

Abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

A guerra estava politicamente perdida e o António Graça de Abreu, mais bem informado e viajado do que eu, que não passo de um provinciano por nascimento e vocação, julgo que sabe muito bem isso.
Não é por isso que eu não deixarei de dar valor aos camaradas, uns vivos outros já falecidos, que mesmo remando contra a marcha da história, lutaram como heróis, pelos ideias de um grande império português em que acreditaram. Ou embora não acreditando, aceitaram essa missão como um compromisso e um dever.

Um grande abraço

Francisco Baptista

Anónimo disse...

A guerra estava politicamente perdida e o António Graça de Abreu, mais bem informado e viajado do que eu, que não passo de um provinciano por nascimento e vocação, julgo que sabe muito bem isso.
Não é por isso que eu não deixarei de dar valor aos camaradas, uns vivos outros já falecidos, que mesmo remando contra a marcha da história, lutaram como heróis, pelos ideias de um grande império português em que acreditaram. Ou embora não acreditando, aceitaram essa missão como um compromisso e um dever.

Um grande abraço

Francisco Baptista

antonio graça de abreu disse...

Pois é, a guerra estava politicamente perdida desde o primeiro dia. Nunca disse o contrário. Os ventos da História, as independência dos povos colonizados, a cegueira anti-colonialista aí conduziriam.

Mas em termos militares, não houve nenhuma derrota. Até Abril de 1974 sempre fomos mais fortes, em termos militares,do que o PAIGG. Para o que contribuiu, e muito,a nossa excepcional Força Aérea. Daí a minha homenagem aos camaradas mortos, a minha gratidão a essa gente boa, sem meter a política pelo meio.
Mas há gente que não entebnde, ou pretende continuar a não entender.

Abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

arYBufaAntonio Graça, palavras para quê?Eles não desistem tenho para mim que de tanto repetirem o mesmo,já acreditam no que dizem.O pior é quererem forçar os outros a segui-los
Carlos Gaspar ex-FAP

Anónimo disse...



Admiro o António Graça pelo seu brilhantismo intelectual e até pelas suas convicções mesmo quando discordantes das minhas, que o podem ter levado a insurgir-se com alguma veemência, contra alguns comentários com que não concordava.
Não sou amigo do António Graça, nem o conheço pessoalmente mas o Carlos Gaspar se é amigo dele não devia fazer comentários que além de confusos, nada dizem, nada esclarecem, além de retratarem algum palavreado politico que ouvimos no dia a dia nos media.
Há amigos que nos fazem mais mal do que os inimigos!
Um abraço a todos

Francisco Baptista