quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13790: Fotos à procura de... uma legenda (40): Ainda a foto do Jorge Araújo... Xime, almoço de Natal de 1972... (Luís Graça / Sousa de Castro)


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > Almoço de Natal de 1972 > O cmdt do BART 3873, ten cor  António Tiago Martins, mais a esposa, sentados à mesa do comadpo da CART 3494 (à sua direita do ten cor Tiago Martins, o cap mil Luciano Costa). De costas, em primeiro plano, o alf mil Serradas Pereira. (*)

Foto: © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]



Luís Graça [ex-fur mil, CCAÇ 12, Contubnoel e Bambadinca, mai 69 / mar 71; grã-tabanqueiro nº 1, por antiguidade...] (**)


Vê-se que a senhora tem um ar digno.
E um porte sereno.
Está familiarizada com o meio castrense.
É a única mulher num grupo de homens, militares,
numa companhia, em pleno  mato.
Traja à civil.
É a única pessoa civil.
Só me lembro de ter visto uma mulher,  de camuflado,
à parte as enfermeiras paraquedistas:
a Helena,
a mulher do meu camarada, alferes Carlão
do 2º Gr Comb  da CCAÇ 12.
De camuflado, e de sapatos altos, vermelhos,
numa coluna que partia para o Saltinho.
No alto de uma Berliet,
e escoltada pelo capelão, o Puim.

Familiarizada, digo eu...
mas, reparando bem,
com um ar ligeiramente ausente,
entre o doce e o nostálgico,
ouvindo distraidamente pedaços de conversas,
ou talvez pensando na famíla
que deixou na metrópole,
os filhos, ainda a estudar,,,
Ou talvez não,
talvez estivesse apenas compenetrada
do seu papel de esposa do comanddante.

De que falarão os militares,
em seu redor,
oficiais e cavalheiros ?
Ninguém se interroga sobre o fim da guerra,
ali, naquele fim do mundo,
só interessava o dia, a hora, o momento.
É Natal, paz aos homens de boa vontade,
terá brindado o comandante,
Os do mato, esses, não ouvirão, os votos dos tugas.
Ou só ouvirão, mais logo, o trovão do obus,
ao deitar.
Para espantar diabos e irãs,
acocorados no alto dos poilões e bissilões.
Metia respeitinho o obus...

Veio para ficar a guerra,
a guerra dos cem anos,
n inguém diz mas pensa
Vai a camiho dos doze,
primeiro Angola, depois a Índia,
depois a Guiné, depois Moçambique...
E ainda faltará muito para acabar.
Que não acabe, ao menos,
o fiel amigo,
nas próximas festas do Natal e Ano Novo,
daqui a um ano, eem 1973.

Bambadinca está habituada a acolher mulheres,
de militares.
Conheci algumas no meu tempo.
A vida de um comandante de batalhão no TO da Guiné
era dura no tempo de Spínola.
Era preciso mostrar serviço,
ser líder,
ser comandante,
fazer roncos,
ganhar a iniciativa ao IN
que, contrariamente a Deus,
já não está em toda a parte.
Pode-se ganhar a guerra militarmente,
e perdê-la politicamente.
E o que pensará o general,
dando passos à volta no salão grande
do seu palácio.

Não conheci a malta do BART 3873 (1972/74).
Regressei a casa em março de 1971.
Muito menos conheci o ten cor António Tiago Martins,
que nasceu em 1919
e que irá morrrer v in te anos depois
deste almoço de Natal no Xime,
Dizem-me que  a malta do batalhão tinha,
algum apreço e estima por ele.
A esposa parece-me bastante mais nova do que ele;
irá morrer em 2011,
vimte anos depois do marido,
e muito provavelmente com oitentas e tais.
Nesta altura. em Dezembro de 1972, poderia ter 40 e poucos anos.
As mulheres enganam,
as fotos das mulheres ainda mais.

Devia acompanhar o marido nas andanças pelo império,
da Índia a Moçambique,
de Angola à Guiné.
Bambadinca era um pequeno oásis.
O quartel estava bem situado,
num pequeno promontório,
sobranceiro à grande bolanha de Bambadinca.
Só no tempo do BCAÇ 2852 (1968/70)
é que tinha sido atacado,
em 28 de maio de 1969,
um data com algum simbolismo
para os homens e mulheres do Estado Novo.
Depois disso, em junho,
houve (ou terá havido) uma flagelação,
de que não rezam as crónicas,
mas falam os cronistas.
Com a chegada da CCAÇ 12,
em julho de 1969,
o PAIGC não arriscou mais aproximar-se de Bambadinca.
Os fulas defendiam bem o seu chão.

Bambadinca tinha boas instalações
para os sargentos e oficiais.
Não havia falta de géneros.
Não se comia caviar, mas havia leitão.
E carne de vaca com relativa fartura.
E géneros frescos.
A 30 km, por estrada asfaltada
chegava-se a Bafatá,
a 2ª cidade da Guiné,
a princesa do Geba,
onde já havia um cheirinho de civilização:
aeródromo onde aterrava o NordAtlas,
hospital, cinema, piscina, restaurantes,
bom comércio, gentes várias, e até diversão
para os solteiros.
Era sede de concelho e sede do CAOP 2,
o coração do chão fula…
Mais a nordeste ficava Nova Lamego,
também acessível por estrada asfaltada.

O Xime era porto fluvial
e porta de entrada na zona leste.
Quem não passou pelo Xime,
dos militares que foram para o leste ?
Do Xime até Bissau, havia a grande “autoestrada” do Rio Geba.
Em Bissau apanhava-se o barco ou o avião
para casa,
o doce lar,
a verdadeira pátria, mátria, fátria.
Tinha heliporto,, o Xime.
E distava 10/12 km da estrada, nova, asfaltada,
construída pela TECNIL.
A meio do percurso havia o destacamentoo do Rio Udunduma.
um "resort" melhorado no tempo da CART 3494,
Além disso, havia a companhia de milícias do Xime,
espalhada pelo subsetor:
Amedalai, Taibatá, Dembataco, Enxalé,
outros pontos da curta geografia da malta.
E havia 3 obuses 10.5 do 20º Pel Art,
além de um esquadrão de morteiro 81.

O risco de emboscada, no troço Bambadinca-Xime,
era maior, sobretudo na zona de Ponta Coli,
de má memória.
Mas o tenente coronel, por certo,
que não foi no seu jipe
dar um passeio até ao Xime
no dia de Natal,
mais a sua corajosa e dedicada esposa.
Além da escolta, deve ter tido segurança,
montada pela malta da CCAÇ 12 e da CART 3494.

Mesmo assim, tiro o quico ao tenente coronel e à esposa…
A malta da CART 3494 terá gostado
e ter-se-á sentido importante.
Às vezes a arte de comandar também está
nos detalhes,


Sousa de Castro   [ex-1º Cabo Radiotelegrafista,
 CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74;
grã-tabanqueiro nº 2, por ordem de chegada]


No meu tempo, 1972/74, não era só a mulher
do comandante  Tiago Martins
que habitava em Bambadinca,
Havia outras senhoras de oficiais
e creio também de sargentos
que viviam com os maridos.
Quando iamos a Bambadinca ironizavamos com a situação,
era bom olharmos para aquela brancura
no meio de tantos negros.
Naturalmente que a segurança para aquelas deslocações
não era descurada.
Na Ponta-Coli a segurança regressava ao quartel no fim da tarde
e voltava de manhã.
Curiosamente o meu natal de 72 foi passado em Bambadinca
e o de 73 em Mansambo,
 o de 71 foi passado a navegar.
Portanto, para o BART 3873 foram três natais fora.
Tenho uma ou dus fotos do natal em Bambadinca.
Em Mansambo, se a memória não me atraiçoa,
 foi passado nos seus abrigos.
Acho, não havia refeitório,
no Xime sim, havia refeitório,
Acho que era servido dois turnos.
Acho.

____________

Notas do editor:

(*) vd. poste de 10 de outubro de 2014 > Guiné 63/734 - P13715: Fotos à procura de... uma legenda (37): D. Idalina Carvalho Pereira Martins, esposa do cmdt do BART 3873, ten cor Tiago Martins, no almoço de Natal de 1972, no Xime, o quartel do setor L1 mais atacado e flagelado (Jorge Araújo, ex-fur mil, op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)

(**) Último poste da série > 16 de outubro de  2014 > Guiné 63/734 - P13744: Fotos à procura de... uma legenda (39): Um poço à beira da estrada Nova Lamego-Bafatá, maio de 1970... Esta foto do Valdemar Queiroz faz-me recordar o caso de um furriel que na zona de Madina, em certa ocasião, vencido pela sede, oferecia sete contos (!) por um copo de água!... (Domingos Gonçalves, ex-alf mil, CCAÇ 1546, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)

3 comentários:

anónimUM disse...

É assim (ou foi) para alguns ... apenas para alguns. Já que a sua maioria dos militares portugueses, esses sim, na suma maioria, apenas comiam almoço e jantar um prato de vianda (diga-se arroz), com uma fatia de marmelada na borda do prato. Pois, muitos dos meus "CAMARADAS" foram para a Guiné passar féria, enquanto outros, deixaram toda uma via "boa" que entretanto tiveram, para que aqueles outros "sub-fulanos" se regalaram à custa do "mexilhão".

anónimUM disse...

Que fique claro. Foi assim mesmo
Nuno Soares da Silva - 2ª CCAÇ/BAÇ4512

https://cart3494guine.blogspot.com/ disse...

Quero dizer ao Nuno Silva que pelo facto do CMDT se deslocar ao Xime para passar o Natal, foi mais para moralizar as tropas que estavam com o moral em baixa, devido à situação existente no quartel. O Xime não foi Pera doce para ninguém que por lá passou, para além de vários contactos com o IN no terreno, 17 ataques ao quartel em 12 ou 13 meses, dois dos quais com misseis, vários feridos graves e ligeiros e mortos em combate. Também tal como tu e teus camaradas, comemos muita bianda, carne da vaca por vezes sem saber o estado em que estava, eram compradas e abatidas no quartel, também pão fraco com marmelada na borda do prato. Quanto a passar férias!... Depende do ponto de vista de cada um, eu por exemplo, estava mentalizado que, pelo menos 19 meses, (que foi o tempo que os nossos antecessores passaram), tinha de passar, daí até chegar aos 27 meses é que mais custou, mas enfim... Como em tudo na vida uns encacham melhor as situações deque outros.