sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13574: Notas de leitura (629): "Quebo, Nos confins da Guiné", por Rui Alexandrino Ferreira (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Agosto de 2014:

Queridos amigos,
O confrade Rui Alexandrino Ferreira é um sanguíneo, gosta de emoções fortes, arrebata-se, indigna-se, põe tudo na narrativa em que desorienta o leitor que procura em vão a cronologia da comissão, há sempre interferências, há sempre amigos a ser convocados, uma história a ser contada, de quando em vez há uma pontinha de azedume e não esconde que se considera mal tratado no campo das condecorações.
O livro recai sobre si como uma homenagem, é também uma convocatória de amigos. O general Pezarat Correia que com ele acamaradou em Aldeia Formosa dirá mesmo que o autor “aliava ao seu entusiamo contagiante uma notável dose de bom-senso, o que lhe permitiu aplicar a sua coragem, o seu sentido de disciplina, o seu gosto pela decisão, na medida e no sentido convenientes”.

Um abraço do
Mário


"Quebo, nos confins da Guiné", Rui Alexandrino Ferreira

Beja Santos

"Rumo a Fulacunda", de Rui Alexandrino Ferreira, Palimage 2000, é a história de um alferes miliciano natural de Angola que veio combater no Sul da Guiné e deixou um depoimento por sinal bem controverso, a sua recensão está publicada no nosso blogue(*).

Surge agora "Quebo", também editado pela Palimage, são reflexões e divagações de Rui Alexandrino Ferreira enquanto capitão miliciano, de novo na Guiné, desta feita à frente da CCAÇ 18. A obra inclui diferentes depoimentos e talvez valha a pena fazer recurso do que o general Pezarat Correia escreve sobre a região da Aldeia Formosa ou Quebo. Pezarat Correia vem com o BCAÇ 2892, a partir de Novembro de 1969 é aqui oficial de operações. 

Chama-se o sector S-2, este batalhão que se derrama por Nhala, Aldeia Formosa e Buba, estava reforçado com mais três companhias operacionais no setor sob comando do COP 4, disseminadas por Empada, Mampatá, Chamarra e Pate Embaló. É uma força militar de grande significado, a que se juntam um destacamento de fuzileiros especiais, duas companhias de milícias e um grupo de caçadores furtivos. A tarefa prioritária é a contrapenetração dos efetivos do PAIGC provenientes da República Guiné Conacri, estes efetivos usavam os chamados corredores de Missirã, Guileje e Buba para atingirem os seus santuários no Sul e até à região Centro-Leste, designadamente a área do Xitole. 

O general Pezarat Correia sintetiza do seguinte modo:

  “No Sul da Guiné as zonas mais férteis para a agricultura estavam todas nas mãos do PAIGC. Os seus grupos circulavam aí com algum à vontade e tinham bases de apoio aos guerrilheiros, tornando muito mais curtos e menos vulneráveis os troços dos corredores de abastecimento suscetíveis de serem intercetados pela contrapenetração”

Pois é neste ambiente geográfico que em Janeiro de 1971 se integrou a CCAÇ 18 comandada por Rui Alexandrino Ferreira e tece vibrante elogio ao desempenho deste oficial, trata-o como um combatente de eleição, realça o seu relacionamento com oficiais sargentos e praças feito de camaradagem e sem qualquer perda de ascendente para as suas funções de comando.

Rui Alexandrino Ferreira foi comandante de um grupo de combate da CCAÇ 1420 entre 1965 e 1967. Não se ambientou à sua vida numa repartição da fazenda em Sá da Bandeira, aceitou frequentar o curso de oficiais para capitães, temo-lo de novo na Guiné em Agosto de 1970. 

Colocado à chegada na CCAÇ 2586 dela transitou para a CCAÇ 18. Terminará esta segunda comissão em Setembro de 1972. Começou por ir para Pelundo onde fez boas amizades. Feito o IAO em Bolama, rumaram para Buba. Vê-se que é um bom conversador e contador de histórias, é delirante a confrontação entre a mulher de um major e um oficial médico, a senhora resolver ir armada com a pistola do marido para a messe de oficiais intimidando o médico a retirar-se, caso não o fizesse abria fogo.

É pena que o autor tenha entendido dar libre curso aos seus sentimentos relegando para segundo plano o historial da CCAÇ 18 no Quebo, vai divagando e pondo antigos camaradas a depor sobre as suas vivências de tal sorte que se entrecruzam comissões com o 25 de Abril, histórias pessoais com operações, a narrativa de amizades como a que a Rui Alexandrino Ferreira manteve com outro capitão operacional de nome Horácio Malheiro, e assim chegámos a uma noite de atribulada de Natal em que elementos da CCAÇ 18 se envolveram em confronto mortal com militares do BCAÇ 3852. 

Segue-se uma nova leva de depoimentos avulsos, todos rendem homenagem ao capitão Rui, há mesmo quem conte a história da sua vida, depois o autor aproveita para contar histórias mais ou menos pícaras que escaparam ao livro anterior, Rumo a Fulacunda, increpa-se contra a guerra colonial, sem deixar de elogiar a adaptação do militar português, como escreve: 

“E se tivermos em linha de conta que ao longo de treze anos arrastados e uma guerra penosa e dura lutaram os filhos de um povo desamparado e simples, sozinhos contra tudo e contra todos, batendo-se em manifesta inferioridade técnica de meios, dada a rápida evolução que o armamento da guerrilha vinha sofrendo, deixando com o seu valor, o seu imenso poder de adaptação que o seu sentido de desenrascanço, a sua grandeza de alma, incrédulo e estupefato, o mundo inteiro, naquela que terá sido a maior epopeia em África, da era moderna da história de Portugal, que longe de nos envergonhar nos deve encher de orgulho”.


Viseu - RI 14 - 21 de Junho de 2014 -  Lançamento do livro "Quebo, Nos confins da Guiné", de Rui A. Ferreira. O Major-General Pezarat Correia durante a sua intervenção

E ao terminar, um pouco antes de manifestar a sua indignação por não ter sido condecorado com a Torre e Espada, o autor pretende ser esclarecido sobre várias situações e acontecimentos, como enuncia: 

“1 – Estaria a Guiné em condições de se tornar independente? Em caso negativo, porque não se prepararam primeiro os quadros? 2 – Estava a guerra perdida pelos portugueses? 3 – Quem mandou matar Amílcar Cabral? 4 – Foi um êxito ou um desastre a operação Mar Verde? 5 – Quem traiu os majores na chamada “Chacina do chão Manjaco”? 6 – Foi apurado em auto, ou não, a responsabilidade de alguém sobre a tragédia do Corubal onde morreram afogados 47 militares? 7 – Porque não se realizou, relativamente ao abandono de Guileje, o julgamento de Coutinho e Lima? Quais os motivos para uma amnistia tão rápida? Porque não perseguiu o julgamento todo o caminho que lhe faltava? Quem tinha medo que a verdade não correspondesse à sua?”.
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 22 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6448: Notas de leitura (111): Rumo a Fulacunda, de Rui Alexandrino Ferreira (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 1 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13556: Notas de leitura (628): A Tricontinental: Quando Amílcar Cabral se tornou num teórico mundial da revolução (2) (Mário Beja Santos)

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