quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13563: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (6): De Swanage para Faringdon, de Dorset para Oxford

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Julho de 2014:

Queridos amigos,
Nunca se esqueçam do que José Saramago escreveu em “A viagem a Portugal”: a viagem nunca acaba, o viajante é que se tem que afoitar à estação do ano, à luz do dia, passear-se com calor ou com frio, o espaço e o tempo acolhem-nos consoante estas dimensões do mês, da manhã, da tarde ou da noite.
É esta a grande prerrogativa da viagem, por mil vezes que visite aquele local há sempre diferenças, nuances, imprevistos. Aqui o imprevisto foi a falta de bateria.
Espero que gostem destas imagens de um Maio em sítios pouco usuais no turismo de massas.
Tive grandes alegrias e uma das maiores é oferecer-vos estas imagens, os olhos da minha sensibilidade.

Um abraço do
Mário


Biblioteca em férias (6)

De Swanage para Faringdon, de Dorset para Oxford 

Beja Santos 

À partida para Swanage em comboio ronceiro, veio a chuva, coisas do tempo inglês. Houvera um almoço regalado em casa do historiador Ben Buxton, um estudioso que mantém uma curiosidade exemplar por mundos em extinção, dedicou vários livros às gentes das ilhas Hébridas, gente desalojada que fugiu da vida inclemente, gente que lutou pelos direitos humanos e que sofreu muito. E fomos por ali fora, desculpem esta imagem pintalgada pela chuva, os jovens acenaram quando passámos, fica bem registar esta alegria espontânea com os passageiros desconhecidos, numa estação em nenhures. A seguir veio o bom tempo, acreditem ou não, apanhei esta estação seca, toda composta, exibindo malas do passado. A linha funciona porque há uma associação de voluntários que cuidam de tudo, digam o que disser a Grã-Bretanha do respeito pelos valores patrimoniais identitários é uma coisa muito séria.



Ainda é possível fazer certos filmes porque existem comboios de antanho, vejam como esta locomotiva está bem conservada, as carruagens estão bem decoradas, viaja-se festivamente entre os séculos XIX e XXI. Os ingleses sentem-se orgulhosos e os viajantes como eu regozijam pelo respeito a património nacional. A brincar, a brincar, eles foram obreiros da nossa civilização, tratam discreta e polidamente de manter esse passado.


Não é só na Feira da Ladra que busco papéis velhos, imagens apetecíveis para os meus devaneios. Numa dessas estações onde deixam revistas velhas, que cada um pode levar e, querendo, deixar uma pequena moeda para uma obra de ajuda humanitária, apanhei esta imagem, para mim é um testemunho eloquente desse povo a quem coube na rifa somar triunfos e ter praticamente o século XIX por sua conta. Olhem para esta satisfação, para esta exuberância:


Pronto, estamos em Swanage, mas muito longe da época balnear, deixou de chover mas o céu não esta simpático, há luz suficiente para captar um dos ângulos da baía, é tudo espaçoso, dá para perceber que este verde é eterno, foi a vontade de Deus.


Voltámos a Faringdon, esta é a velha town hall, foi pena o inábil fotógrafo não ter apanhado o topo do telhado, mas dá para perceber que é um belo edifício e bem circundado. Ainda hoje ostenta o nome de cidade com mercado, no passado tinha estrada para Londres, ali perto há monumentos de grande valor: o Vale do Cavalo Branco, uma preciosidade da Pré-História, Buscot Park, onde há uma casa opulenta em cujos salões um dos gigantes da pintura Pré-Rafaelita, Burne-Johns, deixou um obra surpreendente, espero que gostem:


O salão de Buscot House, com as pinturas de Burne-Johns

Esta é a porta principal da igreja de Todos os Santos, de Faringdon, templo anglicano. O mais importante está aqui, a pujança do tempo, o testemunho medieval, esta porta, acreditem, está datada do século XIV, é magnificente, carvalho um tanto carcomido e as ferragens são assombrosas. Só por esta porta vale a pena vir conhecer Faringdon.


O último passeio na região foi a Burford, é uma localidade que não falho quando visito o condado de Oxford. Muito bem preservada, tem vários ingredientes que me atraem como o mel atrai as abelhas: as lojas de velharias, é possível comprar por meia libra uma belíssima fotografia do século XIX; a igreja matriz tem vitrais genuínos, dá para perguntar como escaparam à fúria da Reforma, tal como a estatuária dos santos. Tive sorte no dia e na hora quando captei esta imagem, céu azul e nuvens em viagem, a seguir vim até à rua principal, vejam os cuidados com a arquitetura.

Havia muito mais a dizer, estes passeios de Maio prolongaram-se, a seguir viajou-se a Bath, aí descobri que a câmara me atraiçoava, a bateria descarregara, esquecera em Lisboa. Assim ficaram memórias na minha cabeça, de Bath até Derby, passando por Illum Hall e mesmo Ashbourne. Peço perdão pela minha aselhice. Como é velho e relho dizer-se, a viagem nunca acaba, o viajante é que tem que voltar. Voltarei quando se proporcionar. Com a promessa de que estarei em Inglaterra em Julho. Como irei contar. Estejam bem, fiquem à espera de notícias.


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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13537: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (5): De Oxfordshire para Derbyshire: os primeiros dias

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