segunda-feira, 14 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12980: Manuscrito(s) (Luís Graça (25): Revisitar Bissau, cidade da I República, pela mão de Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura e urbanismo da época colonial (Parte II): o Pavilhão de Tisiologia, mais tarde HM 241


Guiné > Bissau >  s/d > O antigo Pavilhão de Tisiologia, desenhado pelos arquitectos Licínio Cruz e Mário Oliveira, do Gabinete de Urbanização do Ultramar, Projeto de 1951/53. Passará a Hospital Militar, o HM 241, com o início da guerra, em 1963, Foto comprada na Feira da Ladra, pelo nosso infatigável Mário Beja Santos.

Foto: © Mário Beja Santos (2013). Todos os direitos reservados.


Guiné > Bissau > HM 241 > 1970 > Varanda do Hospital Militar de Bissau. Foto do álbum de Elias dos Anjos Rodrigues, ex-soldado atirador do 3.º pelotão (, comandado pelo alf mil Ravasco), da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72). O Elias mora em Vale de Anta, Chaves. Foi gravemente ferido em 10 de Agosto de 1970, numa mina A/C na região de Jifim.

Cortesia do blogue CCAÇ 2700 - Dulombi (1970/72), criado (em 2007) pelo nosso grã-tabanqueiro Fernando Barata. Foto reproduzida com a devida vénia.

Foto: © Elias Anjos Rodrigues (2012). Todos os direitos reservados.



Guiné > Bissau > 1972 > O edifício do Hospital Militar, o HM 241... Os horrores da guerra (os mutilados, os politraumatizados, os feridos graves...) eram ali despejados todos os dias, de helicóptero... Foto do Carlos Américo Rosa Cardoso que pertenceu aos Serviços de Saúde Militar, com o posto de 1º Cabo Radiologista.

Foto: © Carlos Américo Rosa Cardoso (2007). Todos os direitos reservados



Guiné- Bissau > Bissau > Novembro 2000 > Antigo Hospital Militar de Bissau, HM 241, num processo já de degradação irreversível...

Foto: © Albano Costa (2005). Todos os direitos reservados


1. Manuscrito(s), por Luís Graça

Nota de leitura >  Ana Vaz Milheiro – 2011: Guiné-Bissau. Lisboa, Circo de ideias, 2012, 52 pp. (Viagens, 5)

Parte II   

Recorde-se o que já dissemos em poste anterior sobre esta brochura da investigadora e professora do ISCTE -IUL, Ana Vaz Milheiro.

Este livrinho, profusamente ilustrado com fotografias da autora, a cores, resulta de uma singular viagem à Guiné-Bissau, de 2 arquitetos (entre as quais a autora) e de 1 sociólogo (Eduardo Costa Dias, nosso grã-tabanqueiro),  durante 10 dias, de 2 a 10 de outubro de 2011.

Com a promoção de Bissau a capital da colónia, em 1941, em plena II Guerra Mundial e em plena batalha do Atlântico, dificultando as ligações marítimas da Metrópole com as colónias africanas, agravam-se os problemas de habitação. A procura é maior do que  a oferta.

Em, 1944 chega finalmente a Bissau  uma "Brigada de construção de moradias", sob a cehefia do arq Paulo Cunha. E com ele vêm mais um arquiteto adjunto, um construtor, um desenhador, 5 carpinteiros e 8 pedreiros. Vão ser construídas casas de 3 tipologias. Por exemplo, as de 2 pisos custavam o triplo do seu valor em Lisboa. O que seria explicado por Ana Vaz Milheiros,  por 3 ordens de fatores: (i) escassez de materiais; (ii)  atrasos nas remessas financeiras da metrópole; e (iii)  falta de qualificação da mão de obra local. 

O trabalho da Brigada (1944-46) é objeto de críticas de um lado e outro. Mas, de entre os eliogios, destacam-se: (i) o desenho inovador dos projetos, superando o tradicional bangalô tropical; (ii) as preocupações de ordem estéstica que passam também a ser tidas em conta  pelos promotores imobiliários, públicos e privados; e (iii)  a atenção que é dada às condições locais de clima, luz e calor.

A volumetria de Bissau resulta em grande parte deste "padrão unifamiliar, impresso pelos projetos residenciais da Brigada", marcando a sua escala, e "contribuindo para acentuar uma fisionomia de tipo Garden City [,Cidade Jardim,] que continua a qualificar o actual ambiente urbano" e que remonta à I República (p, 12).


Do Pavihão de Tisiologia (1951-53) ao Hospital Militar 241 (a partir de 1963), com assinatura de um lourinhanense, o arq Lucínio Guia da Cruz

O antigo hospital militar, o HM 241, é hoje uma triste ruína.  Mas já fora um Pavilhão de Tisiologia, do   Hospital de Bissau  (hoje, Hospital Nacional Simão Mendes).

Localizava-se fora do perímetro urbano, a cerca de 6 km do centro. Tem risco dos arquitectos Lucínio Cruz e Mário Oliveira, ambos do Gabinete de Urbanizações do Ultramar. Data de 1951-1953. A sua localização fora da cidade, e longe do seu  buliço, obedecia às concepções higiossanitárias da época, ou sejam, as da luta antituberculose (que, na metrópole, impunham a localização dos sanatórios em altitude ou nas zonas marítimas, com "bons ares"). (A tísica, ou tuberculose pulmonar, ainda era então um grave problema de saúde pública, tranto noa metrópole como nos trópicos).

São arquitectos de regime, conservadores, mas com qualidade técnica e conhecimento da realidade local. Curiosamente, fico a agora a saber que o meu conterrâneo e vizinho arq Lucínio Cruz, já falecido, tem obra vária, edificada em  Bissau e outras partes do império. Por ex., a Estação Metereológica, em Bissau, também é dele (1952), bem como o edifício dos CTT (1950, alterado). Também fez o projeto para a Câmara Municipal de Bissau (1948, não construído). E, já agora: a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (1952-58), o Departamento de Física e Química da FCT/UC (1956-1975), parte do projeto da nova Cidade Universitária de Coimbra, exemplo acabado da arquitetura estadonovista.

Tem também, o arq Licínio Cruz, obra espalhada por outros sítios, incluindo a sua terra natal (n. 1914 e faleceu em finais de 1990 ou princípios de 2000). Inclusive o prédio, onde tenho um apartamento, na Rua da Misericórida, Lourinhã,  foi desenhado por ele. Ao que soube, na altura, terá posto termo à vida, na presença na sua última companheira, de origem africana. Foi presidente da Câmara Municipal da Lourinhã (1969-74) e provedor da Misericórdia local, no pós-25 de abril. Também era conhecido por Licínio Guia da Cruz. Lamentavelmente não encontro, na Net,  uma simples nota biográfica sobre ele, contrariamente ao seu colega Mário Oliveira (1914-2013), "o arquiteto que morreu duas vezes", no dizer de Ana Vaz Milheiro, que também é jornalista do Público.

(...) "O desaparecimento do arquitecto Mário de Oliveira, que morreu na terça-feira [, 17/12/2013,]no Hospital de Vila Real, equivale a uma segunda morte. A primeira ter-se-á dado simbolicamente, quando, nos anos de 1980, decidiu retirar-se voluntariamente da vida pública e exilar-se no Hotel Mira Corgo, em Trás-os-Montes, para pintar.

A sua actividade ao serviço do Ministério do Ultramar e o esquecimento a que Mário de Oliveira e os seus colegas arquitectos estiveram votados durante os anos que se seguiram ao 25 de Abril talvez tenham, em parte, justificado a opção. (...)

"Quanto às ruínas do velho Pavilhão de Tisiologia, estas parecem desmentir  rumores que as descrevem como mal construídas e com problemas estruturais graves (...). O estado ruinoso é já  uma realidade pós-colonial" (p. 16).

Na prática isto é uma elogio a dois dos arquitectos que fizeram carreira no Gabinete de Urbanização Colonial (1944-51), e depois Gabinete de Urbanização do Ultramar (1951-57) e por fim Direcção de Serviços de Urbanização e Habitação da Direcção Geral de Obras Públicas e Comunicações do Ministério do Ultramar (1957-74).

Estes e outros são homens, hoje  injustamente esquecidos. Tal como a arquitetura que deixamos na Guiné-Bissau

O Pavilhão de Tisiologia (que com o início da guerra colonial em 1963 vai transformar-se em Hospital Militar 241, dramaticamente familiar a muitos de nós, e tornar-se um dos melhores de África, nomeadamente ao nível  da cirurgia ortopédica. É um edifício público, tal como outros da época, que seguia a "cartilha estadonovista" da arquitetura colonial: (i) funcionalidade, (ii) resistência; e (iii) adaptação ao clima...

Já em artigo publicado, em 2009, na revista brasileira "on line" Arquitectura e Urbanismo, do mestrado de arquitectura e urbanismo, da Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo, Ana Vaz Milheiro e Eduardo Costa Dias chamavam a atenção para o facto de  "o trabalho do Gabinete de Urbanização Colonial – um organismo central dependente  do Ministério das Colónias, criado em 1944 e exclusivamente dedicado à execução de projectos  de arquitectura e de urbanismo para as colónias, nunca foi objecto de uma investigação monográfica, embora surja parcialmente citado em algumas investigações sobre arquitectura portuguesa em  África"... Os autores, neste artigo, elegem a cidade de de Bissau, capital da Guiné Portuguesa a partir de 1941, como um caso de estudo demonstrativo dos diferentes papéis que o Gabinete assume ao longo das suas  três décadas de existência".... Assim, e como "primeira etapa da análise dos princípios de actuação dos arquitectos  ao serviço do Gabinete e da cultura de projecto seguida, procura-se aqui conhecer a extensão dos  projectos efectivamente realizados, a datação de edifícios e a identificação algumas autorias assim  como verificar o estado de conservação em que este património actualmente se encontra"...







Gabinetes de arquitetura e urbanismo coloniais (1944-1974) > Bissau > Lista de obras (feitas e por fazer) e respetivos arquitetos 






Fonte: Milheiro, Ana Vaz, e Dias, Eduardo Costa - A Arquitectura em Bissau e os Gabinetes de Urbanização colonial (1944-1974). usjt - arq urb , nº 2, 2009 (2º semestre), pp.80-114 [ Disponível aqui em pdf ]

(Continua)

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