segunda-feira, 10 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12817 : Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (33): O racismo mal disfarçado na África Lusófona, tão complicado e difícil de contornar como a divisão étnica tradicional

1. Mensagem de António Rosinha [, foto atual à esquerda; fur mil em Angola, 1961/62, topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979/93]: 

Data: 9 de Março de 2014 às 00:11
Assunto: Racismo mal disfarçado na África Lusófona, tão complicado e diíciil de contornar como a divisão étnica tradiicional.

Luís, boa noite e vê se é publicável, caso contrário…cest secção!.

Diz-se que Mandela venceu o apartheid sem expulsão de brancos e asiáticos e "madeirenses",  naturais ou estrangeiros.

Ao contrário, em Angola e ña Guiné Bissau, os partidos de Amílcar Cabral e Lúcio Lara substituíram gente natural e integrada, patriota, pacífica, civilizada e destribalizada,  profissionais de toda a ordem, por cooperantes,  «impróprios e impreparados», do mundo inteiro,  que confundiram países já confusos num continente completamente baralhado.

No Club-K, Angola, de 4 de Março,  respiguei estes trechos (actuais) apenas para ajudar a explicar o quão confusas eram as ideias de Amílcar Cabral e todos os fundadores do MPLA, PAIGC e FRELIMO.

Independentemente das lógicas e boas intenções sobre a Independência e de sair "debaixo do jugo colonial", estes homens esconderam, camuflaram, disfarçaram, esbateram sempre o grande problema do racismo da cor..
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Diz o artigo do stio Club-K.Net ["Racismo e Descriminação: Unitel, Instituições Bancárias e na Ilha do Cabo - Matumona dos Santos"]

"Luanda - A nossa capital tornou-se nos últimos 4 anos a cidade mas racista ou discriminada em África no que tange a critérios de selecção no ingresso de um emprego no nosso mercado de trabalho, nomeadamente no sector privado".

(...) "Não deveríamos permitir [que] esta tamanha retardação chegasse ao nível que hoje tomou (...) Venham, das 17h40 às 18h20 horário de saídas, testemunhar com os vossos próprios olhos, a enorme triste realidade que se vive no complexo da Unitel em Talatona, e procurar compreender, analisar e raciocinar o porquê que na saída de centenas de funcionários de uma Empresa são a maioria, mais de 94%  Mestisços ou Mulatos,  e apenas uns 6% a 5% são negros de cor preta, Porquê ?" (...)

 Ora este raciocínio sobre o Mestiço/Mulato "favorecido" aos olhos de quem tem a "cor preta", é tão antigo em Angola e em todas as ex-colónias portuguesas, que devia ter sido encarado de frente pelos MPLA, FRELIMO e PAIGC, e nunca foi feito, ou por medo, vergonha, ou outro complexo qualquer.

Hoje,  ao fim de todos estes anos de independências , e de tantos assassinatos dentro do PAIGC e do MPLA (27 de Maio e outros casos em Angola, 14 de Novembro, na Guiné) e em que se fala abertamente em divisões tribais e ideológicas, e que se deve falar francamente, cara a cara, e não disfarçadamente, mas raramente ou nunca debatem olhos nos olhos o complexo  puro e duro da diferença de cor.

Esses países foram imensamente prejudicados, com a fuga e abandono por perseguições promovidas pelos próprios partidos, de gente que eram patriotas, dispostos a continuar a viver e trabalhar na sua terra, muitos engenheiros, técnicos, médicos, enfermeiros, agricultores, etc. mas não eram de cor preta.

Os movimentos que se impuseram pelas armas ao exército colonial, aos movimentos adversários e aos povos pacíficos e desarmados, só souberam fazer mesmo a guerra, nunca a paz.

Todos os dirigentes usavam e continuam a usar o discurso das culpas do cólon pela atraso dos "indígenas" em favor dos brancos e mestiços, para justificar as próprias injustiças e incompetências próprias.

Esperemos que nunca os angolanos, moçambicanos e guineenses, venham um dia acusar «cara a cara» a colonização portuguesa por não ter praticado o apartheid. [Há teorias na cabeça de muitos brancos (loirinhos) e pretos pelo mundo fora, que Portugal fez os mulatos porque não tinha capacidade de viver em apartheid).]

Só gostava um dia de ver uma explicação descomplexada aos 3 movimentos porque não protegeram nem respeitaram nem cativaram os milhares de mestiços ou brancos naturais de Angola e Guiné principalmente, que iam desde médicos, engenheiros, agricultores e armadores de pesca, mecânicos e electricistas, jornalistas e escritores, músicos e poetas e professores.

Esses movimentos que também promoveram a formação de técnicos e universitários, nem essa gente cativaram e aproveitaram, pois que muitos nem regressaram à Pátria por desincentivo total.

Foi deprimente ver os guineenses do povo, cheios de fome em Bissau, perante milhares de cooperantes vindos desde Moscovo a Quito, passando pela Ucrânia e Chechénia, a dar palmadinhas nas corpulentas costas dos governantes do PAIGC de Luís Cabral e Vasco Cabral.

Claro que o povo não tinha alternativas de fuga como a maioria dos mestiços e brancos que foram para o Brasil, Portugal, França sem passar por Ceuta ou Lampedusa.

De facto não ficaram grandes registos da parte de Portugal nem em Luanda nem em Bissau de grandes cerimónias de arrear e hastear bandeiras no dia da Independência,  devido à guerra que esses movimentos nunca pararam.

Vai levar muitos e muitos anos para um dia recuperar aquela riqueza humana que se perdeu. É uma riqueza humana que não se mede nem por barrís de petróleo nem por troncos de madeira nem por donativos e ajudas de ONG.

O facto de eu nem mencionar o nome de outros movimentos, é pelo facto de ter conhecido um pouco de alguns, e nem me passa pela cabeça terem sido eles a dominar aqueles países. Embora para muitos Retornados como eu, não houvesse qualquer diferença entre uns e outros, o que não é o meu caso.

Se Spínola tem negociado com Marcelo Caetano em 1969/70, a entrega da Guiné a Amílcar Cabral, este não teria morrido mais cedo?

Cumprimentos

Antº Rosinha

__________

Nota do editor:

Últmo poste da série > 26 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12777: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (32): Mário Coluna (1935-2014) na verdadeira nação "Arco-Íris" (Portugal e Ultramar e a sua selecção de futebol)

7 comentários:

J. Gabriel Sacôto M. Fernandes (Ex ALF. MIL. Guiné 64/66) disse...

Rosinha:
100% da mesma opinião.
Porque será que tantos têm dificuldade em ver isto?
Um abraço.
João Sacôto

Anónimo disse...

Caro Rosinha.
E o Brasil da mitológica integracäo?
Uma perspectiva näo de décadas mas de (já) centenas de anos.
Tendo tido oportunidades várias de o percorrer, encontrei "nuances e esbatimentos" obviamente específicos mas,tudo o que referes quanto à África Lusa por lá existe...em grande!
Um abraco do José Belo.

Luís Graça disse...

Rosinha:

1. Eu não gostaria de "contaminar" o nosso blogue com os ecos da atualidade dos países lusófonos... O nosso enfoque principal é a Guiné, que conhecemos antes da independência, entre 1961 e 1974... Mas o tema do "racismo" tem (e deve ter) sempre cabimentoo no nosso blogue... Só pdoemos combater (e prevenir) o que conhecemos...

Mas já que citaste o Clube K, um portal noticioso com "notícias imparciais e balanceadas de Angola" (sic), aqui vai o resto do artigo de opinião (, não é sequer uma peça jornalística ou uma reportagem, assinado por Matomna dos Santos, com data de 4 do corrente, e com mau português, a começar pelo título, "racismo e descriminação" (sic)...

(...) Daí, como Angolanos procurarmos saber qual o real critério ou políticas de selecção e admissão de candidatos da Unitel, isto compete-nos como Angolanos detectar realmente esse fenómeno gravíssimo e vergonhoso ainda mas quando se trata de uma sociedade Africana, até achamos melhor que o próprio sua Excelência o Presidente da República Eng.º José Eduardo dos Santos, na qualidade de pai da Nação também deveria tomar peito directamente desta situação visto que é de extrema gravidade, vergonhosa e humilhante para nós os Angolanos. Também, o próprio Governador de Luanda e as Administrações municipais podem muito bem agirem e tomar medidas contra essa mal que até causa divisionismo na sociedade.

"Então, a pergunta que não se quer calar é, então os que não tenham cor, os que não tenham uma aparência física de bonita será que não são Angolanos? Não merecem o emprego? Porque que não tenham prioridade?
"O mesmo fenómeno é tão intensamente frequente nas instituições bancarias privadas em Angola, nomeadamente os Bancos BFA, e BIC, e nas casas de noite na ilha do cabo em Luanda, particularmente no Lookal são Jorge, Jango veleiro, Chill aut e outros, que Vergonha!

"Temos todos nós a necessidade de responsabilidade de acabar com isto já, e urgente!" (...)

2. Comentário de L.G., adicional:

O "racismo" é uum fenómeno complexo, de etiologia multifactorial... Tem a ver antes de mais com "discriminiação" social e económica... É óbvio que as "elites crioulas", em África, estavam, à partida, melhor colocadas para substituir as elites dirigentes colonais, a seguir às "independências", fosse na administração do Estado fosse no setor privado...

Conheço Angola muito superficialmente, pelo que me abstenho de comentar o "comentador"...

Pelo setor que eu conheço melhor -
a saúde - não posso estar de acordo com a opinião expressa acima: felizmente que o grosso do pessoal da saúde formada no pós-independência (médicos, enfermeiros, outros técnicos...) são angolanos, filhos de angolanos...

Por outro lado, é bom não esquecer que no dia 11 de novembro de 1975 estavam no território menos de 3 dezenas de médicos, os que decidiram lá ficar porque achavama que era a sua terra...

Tenho entre eles alguns bons amigos meus, que conheci nestes últimos 20 anos, e que fazem o favor o serem meus amigos (e eu deles) independentemente do "tom" e da "cor" da pele...

Devo acrescentar que munca usei o critério do "fenótipo" para escolher as pessoas de quem gosto...

O José Belo tem razão quando aponta o exemplo do Brasil e do "mito da integração racial"... Basta, de resto, seguir as telenovelas brasileiras...

Atenção: não se deve subvalorizar (nem sobrevalorizar) este tipo de artigos e comentários que começam a aparecer amiudadas vezez na imprensa e nos sítios na Net, de Angola... São sinais à navegação... Revelam, seguramente, algum mal-estar social...

Um kandandu. Luís Graça

Antº Rosinha disse...

Eu quando peguei neste assunto apenas quero marcar a "leviandade" dos dirigentes dos três partidos, MPLA, PAIGC e FRELIMO e compará-los com a atitude e a visão e a grandeza de Nelson Mandela.

Eu não pretendo dar qualquer aula de racismo ou anti-racismo porque racismo para mim é como religião ou futebol, só à mesa do café.

E sobre o Brasil estive já na terra de Caetano Veloso e Chico Buarque e trabalhei na Rocinha, e vi que para eles o «portuga» nem opinião tem porque a cabeça dele só pensa em mulatas e não dá para mais dizem eles.

E como já são grandes que se entendam.

Trabalhei lá 5 anos a seguir ao 26 de Abril e foi porreiro.

Cheguei à conclusão que como emigrantes e colonialistas ninguém nos dá lições, seja na Suiça, Bahía ou em Cabedú.

Luís e José Belo, não estou a discutir o problema insolúvel do racismo, quero apenas denunciar a falta de capacidade de Amílcar Cabral e aquela meia dúzia de dirigentes dos três movimentos "vitoriosos", para fazer qualquer tipo de paz.

E em que o principal problema ao lado do problema tribal, havia este do racismo.

E o fenómeno da mestiçagem lusa nunca foi abordada por eles de uma maneira responsável.

Era de facto um problema diferente de toda a África, assim como a mestiçagem brasileira, e como tal tem que ter uma abordagem própria e ninguém teve nem tem a coragem de Um "Mandela".

O Salazar ao menos teve a coragem de fazer o selo de povoamento de 1 Escudo e de 5 tostões imensamente simbólico.

Aquela gente contra quem lutei ao lado de sobas e mulatos, nunca encararam os problemas sem ser de dedo no gatilho.

Mandela usou o gatilho, mas mais a cabeça.

Não discuto "racismo" porque é muito complicado.

Só condeno sempre a falta de lógica e visão daqueles movimentos e já agora de Mugabe, tudo oposto ao que alcança Mandela.



Anónimo disse...

Em vez de se falar de racismo melhor seria falar de estupidez humana.

É evidente que os ditos "movimentos de libertação" não tinham quadros para poderem não só assumir a governação como manter uma sociedade civil a funcionar em pleno.

Também não interessava a nós "colon" que o "indígena" fosse culto..os que o eram na grande maioria assumiram as direcções dos ditos "movimentos".

Em politica mesmo em democracia os que exercem o poder têm a tendência em "eliminar ou excluir os que podem fazer "sombra" rodeando-se de medíocres e ou bajuladores.

Os que assumiram o poder foram e são piores que os antigos "colon".

Mandela só houve um pelas qualidades politicas e humanas que tinha e mesmo assim só conseguiu pela autoridade moral que tinha..Mugabes..é o que mais há.

Quem continua a levar nas "trombas" é como sempre o "zé povinho"..cá e por esse mundo fora.

Assiste-se nomeadamente em África a uma "rapinagem" pela China sem pudor e sem qualquer moral ou ética obviamente consentida pelas ditas "elites"...

O que é que se pode fazer..responda quem souber.

C.Martins

Anónimo disse...

PS

A propósito de "mestiçagem"

Nós "tugas" nunca fomos propriamente branquinhos "cor de leite"..talvez por isso com a testosterona em alta e com o calor dos trópicos..não queríamos saber da "catinga"..pele sedosa e mama firme bastava..e pimba.

Sabendo-se que branco com preta ou vice-versa..dá 50% de mulatos,25% de brancos meio escuros, que é o que nós somos, e 25% de pretos..logo saíram os ditos "mulatos" em diferentes tonalidades..o resto é treta.

C.Martins

JD disse...

Kanarradas,
Eis um texto, e dois comentários, que me parecem interpretar muito bem a questão do racismo subsequente às independências dos territórios africanos, e à distinção/comparação com o caso sul-africano.
O racismo depois das independência, subsume-se com os mistérios do poder, com o medo e a tentação para reprimir. E porquê? Eu acho que tem que ver com a impreparação das novas nacionalidades, que de territórios e sociedades ricas e em expansão (conforme os casos angolano, moçambicano e rodesiano, já que a Guiné constituíu um caso muito especial), onde praticamente (ambos os contendores)se investiu exclusivamente na guerra.
Assim, obtidas as independências(por oferta e/ou abandono), sucederam-se dois factores principais para as nóveis sociedades: a ruptura rude com o passado dito colonial, implicou a fuga de capitais e pesoas que possuíam a capacidade para manter a funcionalidade do Estado, por um lado, e mostrou que além da incapacidade para a governação, os novos senhores divididos em movimentos, trataram de resolver os problemas (nacionais) pela força das armas, com uma selvajaria superior à que empregaram nas lutas emancipalistas. Neste aspecto, porém, há ainda que levar em conta os "apoios" que recebiam das potências interessadas nos processos, tanto pelo acesso a recursos, como pela marcação territorial no âmbito da guerra fria, do que resultava lixar-se o mexilhão.
Naturalmente que essas questões "políticas" deviam ser camufladas para serem inintelígiveis, e o argumento racista, misturado com a ganância e a inveja do poder, foram formas directas ou indirectas para se escudarem posições autiritárias e de absurdo.
Com Mandela foi tudo diferente. Desde logo, o país desenvolvido e com mais escolaridade, capitais próprios, avanço tecnológico, capacidade económica e perspectiva de futuro, onde grande parte da população vive agregada e tem sonhos próprios de realização pessoal. Depois, deve ter-se em conta a forma de harmonização encontrada pelos litigantes, que foi inclusiva e valorativa. Por fim, mas não menos importante, nenhuma das frentes da guerra fria teve alguma predominância evidente sobre a sociedade sul-africana.
Abrassos
JD