sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12659: Notas de leitura (558): "Ideia Geral do Valor Estratégico do Conjunto Guiné-Cabo Verde e da Ilha de São Tomé", por Luís Maria da Câmara Pina (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Agosto de 2013:

Queridos amigos,
Não era sem tempo que se pegasse numa questão ideológica muito cara ao Estado Novo, no aceso da guerra colonial: a luta de Portugal em África era a luta do Ocidente contra a intromissão de Moscovo e companhia.
Esta lição do general Câmara Pina a que aqui se faz referência é um exemplo acabado de uma composição mitológica de que as rotas do Atlântico, vitais para a NATO, tornavam imprescindível o reconhecimento e o apoio declarado do Ocidente ao combate português pelas Áfricas.
A distância das décadas torna claro que qualquer propaganda, por muito bem oleada que seja, é tão precária quanto a consistência ideológica que lhe está por detrás.

Um abraço do
Mário


O valor estratégico do conjunto Guiné-Cabo Verde:
A argumentação do Estado Novo para cativar apoios no Ocidente

Beja Santos

Ninguém ignora que o regime de Salazar e Caetano usaram todos os meios suasórios nos canais da diplomacia para convencer os países ocidentais de que a defesa do Império português era, em primeira instância, a defesa do Ocidente, era um poderoso esteio contra o comunismo e que a independência das parcelas do Império, saldar-se-ia, inexoravelmente, no triunfo do comunismo em África. Além dos canais diplomáticos, procurou sugestionar as elites apoiantes e naturalmente os futuros quadros do regime.

Assim se poderá compreender na íntegra a substância da lição proferida pelo general Câmara Pina no curso de extensão universitária sobre Cabo Verde, Guiné e São Tomé e Príncipe, organizado pelo ISCSPU no ano letivo 1965-1966. Na lógica do oficial general, fazia-se avultar a questão geopolítica para assim se entender uma das leis da expansão dos Estados: todas as vezes que um poder forte consegue instalar-se num território, em posição central, é imperativo para a sua consolidação e segurança que rapidamente conquiste a liberdade da ação na periferia. Dito entre linhas, não bastaria a Moscovo dominar o centro do continente Africano, faltaria ganhar a batalha pelas saídas para o mar, pelos acessos, pelas posições periféricas. E o orador recordou a Conferência de Berlim de 1885, a questão do Congo: quem passasse a dominar o Congo iria dominar a África Negra. Só que, continuou o orador, o acordo a que se chegou na Conferência foi até certo ponto negativo: aceitou-se que um pequeno país, apenas nascido para a independência em 1831, a Bélgica, continuasse com a responsabilidade da administração do Congo, assegurando-se todavia a todas as potências, em igualdade, a liberdade de comércio, a utilização do rio Zaire e outras facilidades de trânsito. Veio à baila a Conferência de Berlim e o Congo para confirmar que a geopolítica é doutrina que rege a expansão de um Estado em confronto com outros Estados. Chegara a hora de entrar na propaganda a sério.

E daqui passou para Cabo Verde, Guiné e São Tomé. Não seria de excluir a hipótese de um ataque ao continente africano a partir de Cabo Verde, Guiné e São Tomé e teceu uma consideração catastrófica: se estas regiões se tornarem bases do inimigo, o Ocidente ameaçado terá que montar uma operação de reconquista ou criar condições para uma defensiva sem espírito de recuo. E para que a assistência ganhasse a perceção desse cenário de desastre, alertou que do Sal a Conacri eram três horas e meia de voo e de Bissau a Dakar uma hora, isto falando de tempos de voo calculados para o avião DC6. O auditório deverá ter ficado paralisado quando o orador prosseguiu com a necessidade de meios aéreos e navais poderosos para combater a virulência de uma intromissão de Moscovo e aliados:
“A hipótese de defesa implicará o apoio logístico e tático das forças terrestres empenhadas na Guiné e a neutralização ou flagelação de objetivos a norte e a sul da província, alguns dos quais são muito mais vulneráveis do que as bases de onde normalmente o adversário atuará.
Cabo Verde e a Guiné apoiam-se mutuamente e poderão conjugar ações. São Tomé integra-se com maior rendimento no sistema angolano e só excecionalmente terá possibilidade de cooperar com Cabo Verde ou Guiné: efetivamente, dista do Sal 9:30h em DC6 e 5:00h em jato, de Bissau 7:00h em DC6 e 3:45h em jato.
É sempre arriscado em questões de estratégia idealizar no espaço conceções vagas e definir abstratamente intenções e missões: de facto, não se prepara a guerra, prepara-se uma guerra. numa dada região, numa dada época, num dado enquadramento.
Mas é legítimo, didaticamente, avançar uma previsão.
A Guiné, além de manter em condições de funcionamento o porto de Bissau e o aeroporto de Bissalanca, terá a preocupação de unir todas as populações que a habitam na reação contra o presumível invasor e aproveitar as diferenças de religião, de costumes, de língua, das suas etnias para defender a manter a integridade do território.
Cabo Verde terá múltiplas missões à sua responsabilidade. As instalações portuárias de que dispõe, o seu magnífico aeroporto, os recursos das diversas ilhas, certa invulnerabilidade, permitem a maior flexibilidade dos meios navais, aéreos e terrestres. Constituirá a principal base de operações para o bloqueio ou para a reconquista de posições do litoral africano”.

É surpreendente como se pretende cativar o auditório iludindo, de facto, a natureza da guerra que se estava a travar na Guiné, não há uma menção sequer ao posicionamento já instalado do PAIGC, evidentemente com o suporte de Conacri e ainda tímido, à data, por parte de Dakar. O discurso é todo ele centrado em repelir um invasor instalado no continente. Mas a argumentação prossegue, insinua-se que as bases das Canárias são fundamentais para a operacionalidade da NATO, entre Cabo Verde e a Madeira, e atira-se para a assistência o valor estratégico da região que o PAIGC pretende libertar:
“A nossa linha de comunicações interessa muito vivamente a aliança militar do mundo ocidental. Na hipótese de ser fechado o canal de Suez, por acidente ou por acinte, ela constitui a única possibilidade de apoiar com eficácia a navegação para o Índico e para o extremo Oriente. Na roda de África, a estratégia do Ocidente só pode confiar nas bases portuguesas”. E para que não houvesse ilusões quanto ao malabarismo propagandístico, o orador questionou:
“Em face dos ataques terroristas contra os territórios portugueses tão consentidos por parte da opinião pública ocidental e até por vezes apoiados por algumas das suas poderosas organizações: estas bases tão importantes no futuro para a aliança militar do Ocidente – estarão elas mais seguras em outras mãos que não a dos portugueses?”.

A oração de sapiência caminhava para o fim, faltava ainda dizer que o limite da área da NATO devia ser repensado contando com as bases portuguesas, fundamentais para as missões de vigilância no Atlântico Sul e de proteção à navegação Europa-África que, asseverou o orador, passa em grande parte entre a Guiné e Cabo Verde. Acresce que a unidade nacional da Guiné era dada pelo português. Acontecia haver nativos que por pré-disposição racial ou por demonstração de virilidade eram atraídos por engajadores e conduzidos para campos de instrução estrangeiros. A batalha de terrorismo só poderia ser ganha, por um lado, pela ação militar, mas o resultado fundamental era a disseminação da língua portuguesa. Felizmente que os EUA já falavam na segurança global, havia de ter esperança que a análise estratégica de Cabo Verde, Guiné e São Tomé, no quadro de uma guerra Leste-Oeste só teria verdadeiramente sentido se fosse integrada no conceito geral da estratégia e da geopolítica da Nação Portuguesa. A panaceia estava à vista, como rematou o general Câmara Pina: “Os Açores e a Madeira aparecem-nos como sentinelas atlânticas avançadas, a metrópole, juntamente com uma Espanha amiga, a estabelecer a ligação dos aliados na América com os aliados na Europa e a colaborar na vigilâncias nas saídas do mediterrâneo e o rosário completo das bases portuguesas a rodear a África, com uma ponta atirada para a Oceânia, para a China e, querendo Deus, para Goa”.

Os ventos da História foram totalmente insensíveis ao chamamento estratégico do Estado Novo, Salazar também não tinha ilusões, por último ainda se agarrou à quimera de que o Império subsistiria depois da guerra entre os EUA e a URSS, que ele dava como praticamente certa, em data próxima
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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12644: Notas de leitura (557): "Rosas da Liberdade", por Manuel da Costa (Mário Beja Santos)

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