quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14103: A minha máquina fotográfica (17): Comprei uma Canon no navio "Timor" e andei com ela muitas vezes no mato... Tirou centenas de fotos e "slides" (que mandava para a Alemanha, para revelar) (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 11, Nova Lamego, Paunca, 1969/1970)



Foto nº 1 > A minha Canon ou parecida... (Foto retirada da Net, com a devida vénia)



Foto nº 2 > Na psico em Paunca


Foto nº 3 > Na suite do Ali Babá em Gabu (Nova Lamego)


Foto nº 4 > Casino, hotel, resort de Contuboel


Foto nº5 > Entrada da Villa Country Club de Canquelifá



Fotos (e legendas): © Abílio Duarte (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Mensagem do Abílio Duarte [, ex-fur mil,CART 11, Nova Lamego, Paunca, 1969/1970,] com data de 20 de dezembro último;


Olá, Luís,

Entrando na tertúlia das máquinas fotográficas (*), não quero deixar de deixar algumas palavras sobre a minha CANON.

Comprei-a a bordo do navio que nos levou á Guiné, o "Timor", e que me acompanhou em toda a comissão, tendo ido muitas vezes para o mato.

Foi a minha 1ª camera, que me despertou muito para a actividade de fotágrafo, e com ela tirei centenas de fotos e slides. Aprendi o que era abertura vs velocidade, grandes planos, campo de profundidade etc.

Era uma máquina bastante resistente e tinha um bom estojo, que a salvou de muitas quedas, e apanhou bastantes chuvadas.Tive-a até bastante tempo depois de regressar, mas um dia caiu e já não teve conserto, para tristeza minha.



O T/T Timor. navio de carga e passageiros, c. 7.7 mil toneladas 
de arqueação bruta e c. 130 m de comprimento, e capacidade 
para um total de 387 passageiros. Armador: 
Companhia Nacional de Navegação, Lisboa 
Fui á Net, e encontrei uma foto da camara,
que envio, assim como outras, que como aquelas
que enviei anteriormente, foram tiradas pela mesma.

Uma coisa que estranhei, quando estava na Guiné, é que quando mandava slides para revelar,  para a Alemanha, nunca me desapareceu nenhum rolo, o que na altura me deixava bastante satisfeito.

Desejo-te umas BOAS FESTAS e FELIZ NATAL, assim como a todos os periquitos desta GRANDE TABANCA.

Só para memória futura, cheguei a Portugal em 22.12.1970, pelo que faz 44 anos que acabei a minha comissão, e o que eu passei para poder 
passar o Natal de 1970, já com a família.

Um Grande Abraço, Abílio Duarte

______

Guiné 63/74 - P14102: Os Nossos Camaradas Guineenses (40): O alf cmd graduado Braima Baldé, da 1ª CCmds Africanos, natural de Bambadinca, e que depois da independência trabalhou para o PAIGC, pode ainda estar vivo... e ser o meu tio (Aladje Mustafá Baldé, estudante guineense no Brasil)



Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010 > Lançamento do livro do Amadú Bailo Djaló, membro da nossa Tabanca Grande, "Comando, Guineense, Português" (Lisboa: Associação dos Comandos, 2010, 229 pp., 150 fotos, preço de capa: 25 €).  Vive hoje em Portugal, na Amadora. Acabou a sua carreira militar como alf comando graduado, na CCAÇ 21, comandada pelo cap cmd grad Djamanca, um dos primeiros camaradas guineenses a ser fuzilado pelo PAIGC. Foi também amigo e camarada do alf cmd graduado Braima Baldé, natural de Bambadinca, e dado como fuzilado pelo PAIGC a seguir à independência.

Foto (e legenda) : © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados

1. Mensagem do nosso leitor Aladje Mustafá Baldé

De: Aladje Mustafa
Data: 25 de dezembro de 2014 às 01:09
Assunto: informação sobre o ex-comando Braima Baldé


Olá, camarada,  meu nome é Aladje Mustafá Baldé, guineense,  estudante no Brasil. Vim te informar de que hoje tive oportunidade de ler o e-mail escrito por sr Serifo Baldé  desde 2008,  perguntando do paradeiro do pai, ex-comando do exército português,   de nome Braima Baldé.(*)

É  para te dizer de que eu tenho um tio meu,  de nome Braima Baldé, ainda de vida,  pertencente ao exército português,  formado em Portugal, ele é natural de Bambadinca. Caso o sr queira,  eu posso lhe passar o contacto dele para você tentar saber se se está  tratando do mesmo Braima. Se salientar que ele também trabalhou com o PAIGC,  depois da independência.


2. Comentário do nosso editor Luís Graça:

Obrigado, amigo Aladje Mustafá pela tua mensagem e interesse pelos conteúdos do nosso blogue. O Braima Baldé de que estamos a falar pode realmente ser o  teu tio, natural de Bambadinca, comando, e que depois da independência terá trabalhado para o PAIGC...  A informação de que tínhamos até agora era a de que ele tinha sido posteriortmente fuzilado, em data e local desconhecidos Como sabes, há informações contraditórias sobre o destino de muitos dos nossos camaradas guineenses, a seguir à independência. Nem todos fugiram, nem todos foram fuzilados...

A ser verdade o que tu nos contas, ficamos muito felizes. e peço-te que confirmes os dados biográficos que apresentamos a seguir. Fala com o teu tio. Em todo o acaso há que ter em conta a mensagem do Sherifo Baldé, que vive em  Portugal, e que nos disse o seguinte, em 6/2/2008:

"Sou o filho do Alferes Cmd Braima Baldé, que infelizmente não tive a felicidade de conhecer devido às vicissitudes da guerra."

Segundo as informações recolhidas pelo nosso blogue, o Braima Baldé  era alferes comando graduado da 1ª Companhia de Comandos Africanos, formados em Fá Mandinga, perto de Bambadinca, na 2ª metade do ano de 1969, e mais tarde integrada nop  Batalhão de Comandos Africanos (BCA). Eu na altura estava em Bambadinca, na CCAÇ 12, uma companhia africana (julho de 1969/março de 1971) e acompanhei a formação da 1ª CCmsd Africanos. Conheci alguns graduados.

Este batalhão (3 companhias) foi formado entre 1969 e 1974, exclusicamente com militares do recrutamento local, ou seja, guineenses. Era uma força de elite, temida pelo PAIGC.  Um dos camaradas do Braima Baldé foi o Amadu Bailo Djaló, futa-fula, hoje com 74 anos, e autor do livro "Guineense, Comando, Português: 1º volume: Comandos Africanos, 1964-1974" (Lisboa,  Associação de Comandos, 2010, 299 pp.)

Reproduzo, mais uma vez, o depoimento dele sobre o seu camarada Braima Baldé, natural de Bambadinca. Oxalá o Braima Baldé esteja vivo, e seja o teu tio de Bambadinca, e pai do Sherifo Baldé (que vive em Portugal). (**()

3. Depoimento sobre o Alferes Comando Graduado Braima Baldé (, natural de Bambadinca), pelo seu camarada Amadu Bailo Djaló (alferes comando graduado, no BCA, e depois na CCAÇ 21, sediada em Bambadinca, no final da guerra, em 1973/74; futa-fula, nascido  em Bafatá, em 1940) [Depoimento recolhido por Virgínio Brione, Lisboa, Maio de 2009].(*)

(...) Tinham acabado os comandos do CTIG, em finais de Junho de 1966, e regressei à CCS do QG [Quartel General,. em Bissau]. Uns meses mais tarde, fui transferido para Bafatá, para o BCav 757, conhecido pelo “sete de espadas”, comandado pelo tenente-coronel Moura Cardoso. Foi nessa altura que conheci o Braima [Baldé].

O Braima era 1º cabo, tal como eu, embora mais antigo dois anos (incorporação de 1960), pertencia à BAC [Bateria de Artilharia de Campanha]. e estava destacado no esquadrão [de cavalaria] de Bafatá. Não conheço os motivos mas soube que o Braima tinha sido louvado e recebido o prémio Governador da Guiné.

O Braima pertencia à família real do Corubal. A característica mais forte da personalidade dele era ser uma pessoa muito reservada. Quando a gente falava uns com os outros, o Braima podia estar junto de nós, mas era como se não estivesse, especialmente se estivéssemos nas brincadeiras. Nunca ouvi ninguém queixar-se dele.

Em 1969, com a chegada de Spínola, deu-se a formação dos comandos africanos. Primeiro, houve um curso de quadros ministrado em Brá, sob o comando do capitão Barbosa Henriques, de que eu e o Tomás Camará fomos monitores. Foi nessa altura que nos ficámos a conhecer melhor, embora nunca tivéssemos sido amigos íntimos.

Acabado o curso, regressámos às nossas unidades e ficámos a aguardar que nos chamassem para o curso de formação da 1ª CCmds Africanos, da qual, já como furriéis graduados,  fizemos parte.

O Braima [Baldé] foi graduado em 1º sargento. Entrámos juntos, embora em companhias diferentes. 


Fomos a Conacri [op Mar Verde, 22 de novembro de 1970], estivemos em Mansabá a dar o 4º curso de comandos e fomos a Kumbamory [, no Senegal], cada um a comandar o seu grupo. 

Ao Braima calhou-lhe ir no agrupamento onde ia o major Almeida Bruno. Conta-se a história que, nesta operação, o Braima pode ter salvado a vida do major [Almeida] Bruno [, hoje tenente general reformado].

Quando este, de pé, avistou uns militares, chamou-os, julgando que eram nossos. Eram paraquedistas senegaleses. O Braima apercebeu-se, gritou-lhe que se abaixasse, e segundos depois foram alvejados com rajadas.

No regresso, já em Guidajee, o major Bruno [ antes ajudante de campo do Spínola, depois comandante do BCA] tirou os galões de um alferes europeu e colocou-os nos ombros do Braima.

Quando se deu o 25 de Abril,  o PAIGC atribuiu-lhe um cargo numa secretaria em Bambadinca. Não foi só ao Braima, ao alferes Sada Candé, também dos comandos, o PAIGC encarregou-o de uma missão no Senegal.

Tive conhecimento que os dois foram executados, juntamente com muitos outros companheiros nossos, em 1975, em dia e local que desconheço."
_______________


(...) O filho do Braima Baldé (que vive em Vialonga, Alverca) mandou em tempos, ao nosso editor, o seguinte mail:
From: Balde Serifo [mailto:serifo_balde@msn.com ]
Sent: quarta-feira, 6 de Fevereiro de 2008 13:00
To: Luís Graça
Subject: Alferes Cmd Braima Baldé

Antes de mais gostaria de lhe felicitar o seu blogue, que tive a felicidade de conhecer.

Sou o filho do Alferes Cmd Braima Baldé, que infelizmente não tive a felicidade de conhecer devido às vicissitudes da guerra.

Gostaria de saber mais coisas sobre ele no caso de o professor ter privado com ele.

Resido em Lisboa, e o meu email é serifo_balde@msn.com,
Telemóvel: 963312294.

Obrigado por tudo, professor, e agradeço muito a sua compreensão (...)


(**) Último poste da série > 21 de outubro de  2014 > Guiné 673/74 - P13774: Os nossos camaradas guineenses (39): Calaboche Tchuda, apontador de bazuca do 4º pelotão da CCAÇ 13, e prémio Governador Geral...Preso e fuzilado de imediato, quando regressava da sua escola, em Nhacra, depois da independência... (Carlos Fortunato)

Guiné 63/74 - P14101: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (92): O Alfarrabista Eduardo Martinho, amigo de Mário Beja Santos, foi Furriel Miliciano do Pel Rec da CCS do BART 2861, logo camarada do nosso tertuliano Furriel Enfermeiro, Ribatejano e Fadista Armando Pires

1. Todos sabemos da incessante procura de publicações que digam respeito à Guiné por parte do nosso confrade (como ele gosta de dizer) Mário Beja Santos.

No Poste 13954(*) Beja Santos diz-nos:
Subo em direção ao mercado de Santa Clara, começou a chuviscar, abrigo-me na tenda do meu amigo Eduardo Martinho, recebe-me com um sorriso. Combateu na Guiné, conhece o nosso blogue, foi com ele que regateei o livro dedicado a Mário Pinto Andrade. Vai buscar o livro e autoriza que eu reproduza o que achar de mais interessante.

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2. Em conversa telefónica com o editor, Armando Pires refere que o Martinho foi seu camarada em Bissorã, e que se lembra de entrevistar o Mário Beja Santos quando este se preparava para iniciar uma colaboração que se prolongou por anos na então Antena 1.
Dei-lhe o contacto do Mário para que pudessem trocar impressões.
Daí resultou esta troca de mensagens:

De Armando Pires (ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70), em 28 de Novembro de 2014 para Mário Beja Santos:

Meu caro Beja Santos. Camarada.
Acabo de ler no nosso blogue uma nova referência sua ao Alfarrabista Eduardo Martinho, sinalizando, desta vez, ter sido ele combatente na Guiné.
De facto, e já o disse em comentário a um outro post seu, o Martinho foi Furriel Miliciano do Pel Rec na minha Companhia, a CCS do BCAÇ 2861.
Na Guiné sabíamos, conhecíamos, a sua faceta cultural. E dela lhe quero dar como exemplo a foto em anexo. Foi tirada em Bissorã, certamente em Dezembro de 1969.
Aquele que assiste ao trabalho do Martinho, sou eu.
Aceite um forte abraço de camaradagem do Armando Pires

OBS: - Sabia que quando começou a trabalhar na Defesa do Consumidor, a sua primeira entrevista para a rádio - RDP - fui eu que lhe a fiz?

Bissorã, Natal de 1969 - Com o Furriel Martinho que pinta um Presépio


3. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Novembro de 2014 para Armando Pires:

Meu Caro Armando,
Fui hoje de manhã à Feira da Ladra, manhã ensolarada,visitei o estanco do Eduardo Martinho, tinha a prenda de Natal para ele, um opúsculo de António Carreira com cerca de 75 anos e o Roteiro da Guiné, de que sou coautor.

Informei-o do teu mail, emocionou-se deveras, falou-me nas fotografias que tem, vai filiar-se na nossa tabanca, comprometi-me a ir no próximo sábado lá buscá-las, quis começar a contar as suas histórias em Bissorã, pedi-lhe para as escrever, corro o risco de me tornar em escriba de malta preguiçosa…
Vou pedir ao nosso editor que publique a fotografia, caso não vejas impedimento, é facto que o Eduardo Martinho desenha, ainda hoje o vi a fazer um boneco no livro que ofereci, é um alfarrabista invulgar, vende antiguidades, desenhos e quadros, é dotado de uma grande cultura, é visitado por gente que procura coisas invulgares, como o Jeremy Irons, um dos seus clientes, ali se junta uma tertúlia simpática, sinto-me sempre lá bem, há sempre conversas aliciantes e muita charla sobre autores de todos os géneros.

Devo-lhe bastantes atenções, empresta-me livros e vende-me a preços abordáveis óleos e desenhos, que tanto aprecio.

Agradeço-te a lembrança da entrevista… ainda não desisti de escrever as minhas memórias de 25 anos na rádio.

Aceita o abraço do teu camarada,
Mário

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4. Comentário do editor:

Alguém tem dúvidas de que "O Mundo é Pequeno e que a Nossa Tabanca... é Grande"?
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 28 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13954: Recordações de uma ida à Feira da Ladra: 15 de Novembro (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 3 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13969: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (90): Foto do ferryboat BOR que levou a CART 730, de Bissau para Bolama, um dia depois de desembaracar do T/T Niassa (João Parreira, ex-fur mil op esp e cmd, CART 730 / BART 733, Bissorã, 1964/65; Gr Cmds Fantasmas, CTIG, Brá, 1965/66)

Guiné 63/74 - P14100: In Memoriam (216): Rui Romero (1934-1966), cap mil inf, 1º cmdt da CCAÇ 1565 (1966/68)... Finalmente... a Verdade (Ana Romero)

1. Mensagem da nossa amiga Ana Romero, membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 669 [, foto atual à esquerda]:


Data: 30 de dezembro de 2014 às 19:57

Assunto: Finalmente... a VERDADE

Caros amigos,

Em primeiro lugar desejo-vos uma Boas Festas com tudo de bom.

Tal como tinha comunicado a alguns de vós, ontem desloquei-me ao Arquivo Geral de Exército, a fim de consultar o processo do meu pai. (*)

Confesso que fiquei surpresa, pois nem o meu Cartão de Cidadão
Cap mil inf Rui Romero
((Portalegre, 1934- Jumbebem,1966)
me foi pedido para verificarem quem eu era; apenas no fim da minha visita, solicitaram o meu NIF e a minha morada para envio do recibo relativo as fotocópias que solicitei.

Para surpresa das surpresas, no processo encontrava-se a seguinte documentação:

(i) processo por acidente com arma de fogo, com croqui anexo;

(ii) relatório médico;

(iii) certidão de óbito;

(iv) relatório de autópsia.

Apesar de ser omissa  a palavra suicídio, talvez por proteção da família (para atribuição de pensão!), as descrições parecem-me bastante claras e esclarecedoras.

Com todas as informações que todos vocês me foram facultando, pelas quais vos ficarei eternamente grata, e com a leitura deste processo, neste momento estou esclarecida das circunstâncias que envolveram a morte do meu pai.

Infelizmente não foi possível crescer na sua companhia, não deixando por isso, de estar sempre no meu pensamento.

Talvez um dia, em "outras vidas", nos encontremos!

Uma vez mais, um muito obrigada, do fundo do meu coração, por todo o vosso apoio.

É com muito orgulho que recebi a inscrição de membro nº 669 da Tabanca Grande, blogue que passei a seguir.(**)

Espero que nos possamos encontrar num futuro próximo. (***)

Um grande bem haja para todos e votos de umas excelentes entradas em 2015.

Beijo grande,
Ana Romero
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(**) Vd. poste de 14 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13734: Tabanca Grande (448): Ana Romero, filha do cap mil inf Rui Romero (Portalegre, 1934 - Jumbembem, 1966)

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14099: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XIX: agosto de 1973: (i) ataque de 45 minutos á embarcação civil "Chegada"; (ii) crescente pressão sobre o IN das africanas CCAÇ 12 e 21; e (iii) aumento de 15% sobre os ordenados e pensões da tropa africana



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) >  9 de Fevereiro de 1970 > Op Boga Destemida,  com  violenta emboscada do IN em Gundagué Beafada, às 13h, de que resultariam uma série de baixas entre as NT (CART 2520, Pel Caç Nat 63 e CCAÇ 12)... A helievacuação dos feridos dar-se-ia já em Madina Colhido...

Foto: © Arlindo Roda   (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > Carta do Xime (1961) (Escala 1/50 mil) > Detalçhes: posição relativa do Xime, na margem esquerda do Rio Geba Estreito e da península Foz do Corubal/Poindom/Ponta do Inglês.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)











BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) : História da Unidade, cap II, pp., 64/66


1. Continuação da publicação da História do BART 3873 (que esteve colocado na zona leste, no Setor L1, Bambadinca, 1972/74), a partir de cópia digitalizada da História da Unidade, em formato pdf, gentilmente disponibilizada pelo António Duarte (*)

[António Duarte, ex-fur mil da CART 3493, a Companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e não como voluntário, como por lapso incialmente indicamos); economista, bancário reformado, formador; foto atual à esquerda].


O destaque do mês de agosto de 1973 (pp. 64/66) vai para:

(i) pressão do IN sobre o tráfego fluvial, com mais um ataque (com RPG 7 e armas automáticas durante 45 minutos!)  a uma embarcação civil (o barco "Chegada"), no Rio Geba Estreito, em São Belchior, de que resultaram dois feridos graves entre os passageiros militares (um deles, alferes miliciano) e cinco feridos ligeiros civos;

(ii) cinco baixas mortais infligidas ao IN pela CCAÇ 12 em Madina Colhido,

(iii) sediada em Bambadinca, a CCAÇ 21, comandada pelo ten grad comando Djamanca, e inteiramente composta por praças e quadros guineenses, é um elemento de pressão constante, temido pelo IN;

(iv) aumento de 15% sobre os ordenados e pensões da tropa africana.

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Guiné 63/74 - P14098: In memoriam (215): José Alberto Morais da Silva (1941-2014), cor pilav ref, ex-cmdt da esquadra 121 (Fiat G91), BA12, Bissalanca, 1970/72

Segundo notícia da agência Lusa, citando fonte da Associação dos Oficiais das Forças Armadas (AOFA), morreu ontem em Lisboa, aos 73 anos, José Alberto Morais da Silva, cor pilav ref, que fez uma comissão no CTIG, em 1970/72, na antiga BA nº 12 em Bissalanca, onde foi comandante da Esquadra 121, dos Fiat G91.

Foi Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA), de 12 de março de 1975 a 9 de janeiro de 1977.

Segundo os dados biográficos fornecidos à Lusa pela FAP (e outras fontes disponíveis na Net), o antigo CEMFA:

(i) nasceu em Lisboa, a 21 de setembro de 1941;

(ii) tirou o curso de pilotagem aeronáutica da Academia Militar em 1960;

(iii) esteve colocado, entre 1963 e 1969, na base aérea n.º 1 (Sintra) e na já extinta base aérea n.º 2 (Ota);

(iv) frequentou o "Curso Geral de Guerra Aérea", já no ano de1974, na  extinta Escola Superior da Força Aérea;

(v) a seguir ao 25 de abril, esteve ligado ao “Grupo dos Nove”, tendo desempenhado importante papel, como CEMFA, nos acontecimentos do 25 de novembro:

(vi) em julho de 1976, e na sua qualidade de CEMFA, participou igualmente na iniciativa que levou à libertação de 23 militares portugueses e de 562 civis, oriundos de Timor Leste;

(vii) graduado em general, saiu do cargo de CEMFA com o posto de tenente coronel, sendo louvado pelo então presidente da República e CEMGFA, gen Ramalho Eanes (DR nº 285, de 12/12/1977);

(viii) foi promovido a coronel a 1982; passou  à reserva 10 anos depois e à reforma em 1997.

O blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné apresenta,  à família enlutada e aos camaradas da FAP que com ele privaram,  os seus votos de pesar. ´

Segundo informação do blogue Especialistas da BA 12 (Guiné, 1965/674), o corpo estará em câmara ardente a partir das 17 horas de hoje na Igreja de S. João de Brito, em Lisboa e o funeral realiza-se amanhã pelas 14h00.

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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14053: In Memoriam (214): Ana Paula G. Pires Dias (1962-2014): Homenagem e agradecimento (Armando Pires, jornalista reformado da Antena 1; ex-fur mil enf, CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/71)

Guiné 63/74 - P14097: Fotos à procura de... uma legenda (50): Fotos de António Fernandes Abreu, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71 (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 19 de Dezembro de 2014:


Olá Carlos, boa noite!
Acabo de receber estes retratos do António Fernandes Abreu, distinto furriel miliciano da minha Companhia, a intrépida CCaç 2679, que nunca virou as costas, nem ao inimigo, nem às bajudas.

Aliás, sobre esta vertente, o dito militar revelou muito aprumo nas suas escolhas e referências, fazendo frequentes demonstrações de boteré, e registando testemunhos para recordar mais tarde.

Deixo à tua consideração sobre a possibilidade de as publicares. Porque me sugerem excelentes postais natalícios, aproveito para te desejar Boas-Festas e melhor Ano Novo do que prevejo, votos extensivos ao tabancal.

Com um abraço
JD






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Comentário do editor:

Fotos sem legenda quase sempre não dizem nada.
Serão de Bajocunda? Que representam? Em que data?
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14071: Fotos à procura de ... uma legenda (49): a escolinha do nosso tempo e a Carta de Portugal Insular e Ultramarino (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P14096: Blogpoesia (399): "Eu e a Mina", de Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art.ª, Minas e Armadilhas da CART 1659

1. Em mensagem do dia 23 de Dezembro de 2014, o nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), enviou-nos este poema intitulado Eu e a Mina.

Caros Camaradas
Envio aquilo que denomino por “poésia” – e não poesia – porque não tenho pretensões em ser poeta. Gostaria de saber a vossa opinião.

Um Bom Natal e um Feliz Ano de 2015
Mário Vitorino Gaspar(a)


Eu e a Mina

Mário Vitorino Gaspar

De Gadamael Porto a picar,
até Guileje, “o corredor da morte”,
para emboscada montar.
A vontade é mais forte.
Picar, o perigo ameaça,
A CART 1659 é heroína.
Vencerá com raça.
Gritaram: - Mina, mina!

Rebentá-la? Deu-me na tola
a mina levantar.
Não vou dar à sola?
E se estoirar?
Estou sereno!
A vida é uma flor,
Vou ser seu amigo pleno.
Voz do interior:

– São irmãos. Dá-lhe um beijo!
Minha mente esvaziou.
Anestesiado, tudo claro e vejo
a mina a sorrir. Me mirou.
– Queres-me enganar?
Eu e ela, só os dois,
Vamos então conversar?
– A guerra continua. E depois?

Estendi os braços,
fazer as pazes?
Fiquei de olhos límpidos e baços,
a vida estava para os audazes,
Se não te conseguir desmontar:
– Meu amor, minha rica menina,
Vais de certeza me matar!
Minha querida mina!

Mirei-a, sem ódios e enganos,
a mina grata pela nossa amizade, afinal,
feita para matar e com planos
é um ser simples e banal,
arma mortífera e traiçoeira. Foi uma fada.
Cheirei-a, vi-lhe nos olhos a morte. Sei!
Livrei-me de uma grande alhada.
Mas nunca a gozei.


(a) - Ex-Furriel Miliciano – Atirador e com a Especialidade de Minas e Armadilhas – sempre dei o meu contributo, no período da minha comissão, de corpo aberto, especificamente para com os engenhos explosivos. Podendo dizer com respeito por estes e amor. Conseguia dominar-me e entrar num outro mundo. Anestesiado – posso dizê-lo – tudo era mais claro do que nunca, e atento sempre ao mínimo pormenor. Atingia o auge nestas circunstâncias.
Passava-se o mesmo nas Operações.
Numa primeira fase quando em contacto com o adversário, o coração acelera e volta em um, dois ou três segundos à tal situação.
Sei que hoje se pode explicar – pelo menos nos saltos de paraquedas através de um aparelho que os “páras” conhecem – mas que ignoro o nome. Penso, e sei que é um assunto que deveria ser estudado que o “Herói não existe, o heroísmo – se existisse era filho do medo – portanto para mim não existem heróis”.
De certo uns se distinguiram, mas fruto do que acabo de afirmar.

Lisboa, 23 de Dezembro de 2014
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14090: Blogpoesia (398): O Natal Segundo Jesus Cristo (Edgar Mata / Belarmino Sardinha)

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14095: Notas de leitura (662): Eu e a minha burra, sozinhos, mais a nossa própria sombra... Recordações da infância (Fernando Sousa, natural de Penedono, autor de "Quatro Rios e um destino")


Penedono > Castelo de Penedono >  28/12/2011. Vídeo (0' 35''). Homenagem ao nosso camarada Fernando de Jesus Sousa, natural de Bebeses, Penedono



Penedono > Castelo e Pelourinho de Penedono  > 28/12/2011 >  Visita que fiz às Terras do Demo há três natais atrás... (LG)


(...) Celebrada como uma das mais belas vilas de Portugal, assim como o seu airoso e esbelto castelo pentagonal (ou hexagonal imperfeito ?), erigido em data bem anterior ao dealbar da Nacionalidade, o é entre os seus pares, mantem inalterado o perfil medievo do seu centro histórico, já que as obras de restauro e edificações ulteriores, incluindo as mais recentes, têm, como ponto de honra, respeitar escrupulosamente o traço arquitectónico e o material granítico da região, nele se integrando de forma coerente e harmoniosa.


Penedono, concelho do distrito de Viseu
com cerca de 133 km2 e menos de 3 mil
habitantes (censo de 2011). Um dos mais antigos
de Portugal: o seu foral remonta a 1055.
Fonte: Wikipedia
Para além do seu altivo pelourinho de gaiola, fronteiro ao Castelo, com a qual delineia uma perspectiva estética de rara elegância, Penedono exibe, ainda, um património de atractivos múltiplos, consignado nas suas seculares igrejas e capelas, recheadas de arte sacra nas suas expressões plásticas e de paramentaria, a que se junta o austero e majestoso Solar dos Freixos, há poucos anos recuperado para acolher, condigna e funcionalmente, os Paços do Concelho e outros serviços da administração pública central e local.

Rezam a tradição e as crónicas que, aqui, teve berço Álvaro Gonçalves Coutinho, o insigne "Magriço", passado à imortalidade por Camões no canto VI dos "Lusíadas", quando o vate descreve e enaltece, ao ritmo épico dos decassílabos, o seu protagonismo exemplar de valentia e cavalheirismo na façanha, ímpar, cometida à frente dos denominados "Doze de Inglaterra", em chãos estranhos e longínquos da loira Albion. (...) 

(Excerto de belíssimo texto de Rui Ferreira Bastos > Penedono e o seu concelho, inserido no sítio da Câmara Municipal de Penedono)


Foto e vídeo: © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados.

1. Pequeno excerto do livro "Quatro rios e um destino" (Lisboa, Chiado Editora, 2014) (*), enviado pelo autor, o nosso camarada Fernando Sousa, no passado dia 28. 

O livro, de 302 pp. pode ser adquirido diretamente ao autor, através do email: fernandodjsousa@gmail.com 



Recorde-se  alguns dados biográficos do Fernando Sousa:

(i) nasceu a 24/12/1948, na véspera de Natal (daí chamar-se Fernando de Jesus...);

(ii) terra natal: Bebeses, freguesia de Póvoa de Penela, concelho de Penedono, distrito de Viseu;

(iii) esteve no TO da Guiné, como 1º cabo at inf, na CCAÇ 6 (Bedanda, 1969/71);

(iv) foi gravement6e ferido por uma mina A/P em julho de 1971;

(v) é DFA (Deficiente das Forças Armadas);

(vi) está escrever um segundo livro.


Excerto, do livro "Quatro Rios e um Destino"  (Capítulo 1 - A minha infância),  pp. 28-30. 


(...) Eu tinha apenas dez anos, para ser confrontado com uma escolha que jamais poderia recusar. Era uma ordem para cumprir, tinha que ser levada a sério, no sentido de moldar todo o meu corpo ao trabalho.  De tanto cavar, gastei essa enxada em pouco tempo e depressa foi substituída por outra ainda maior.

Capa do livro do Fernando Sousa
Voltando à minha companheira inseparável, a simpática burra, com ela percorria várias aldeias, umas mais próximas, outras a distâncias de vinte quilómetros, atravessando ribeiras e o rio Torto, subindo montes, descendo a vales bem profundos, indo mesmo até ao limiar das margens do rio Douro. Partia de manhã bem cedo, para regressar quase de noite por autênticas veredas, que essa burra conhecia bem melhor que eu, porque comecei com apenas nove ou dez anos. Era ela que me conduzia a mim,   por aqueles trilhos.

Foram muitas as viagens, porque a minha mãe, Ilda da Soledade Moutinho, era uma excelente tecedeira, excelente mestra que deu formação a algumas raparigas daquela região. Primava nos trabalhos de tecelagem e, como tal, por aqueles arredores tinha sempre muito trabalho. Era este o seu ganha-pão, era eu o seu mensageiro, o seu encarregado de negócios, o seu transportador eficaz que, de forma abnegada, levava a obra feita e, no regresso, trazia os materiais para novos trabalhos e indicações de como as clientes queriam o novo trabalho feito.

Quantas vezes, faltei à escola para executar estas tarefas! Quantas vezes, ao serão, à luz da velha candeia a azeite, e mais tarde, a petróleo, ajudei a minha mãe a urdir a lã, a desfiar o linho ou a estopa e fazer os novelos na dobadoura, preparar o tear para ao outro dia começar nova obra. Era assim naquela casa. Tudo vinha do trabalho árduo, que executávamos com alegria!

Com esta companheira, autêntico burro de carga, passei noites inteiras a transportar molhos de centeio, do local onde era cultivado, a que chamávamos Cales. Meu pai carregava a burra, que, depois, eu conduzia até à eira, local próximo da povoação, onde seria malhado. A minha mãe descarregava. Neste trajecto, um ponto distante do outro quatro a cinco quilómetros.

Este era um trabalho que tinha de ser executado de noite, porque, se fosse de dia, com o calor, o grão saltava da espiga, tornando inútil todo o trabalho.

Cabia-me a mim, sozinho com a pobre burra, naquelas noites de lua cheia, noites em que o luar tinha mais esplendor, iluminando o céu e a terra, luar que construía segredos debaixo da ramagem de cada árvore, que parecia mexer-se à medida que me aproximava ou uma aragem suavemente e muito ao de leve lhe tocava, como que reflectindo movimento a coisas estáticas, saltando-me aos olhos apenas as imagens quase todas assombrosas, deixando transparecer imagens fantasmagóricas, aterradoras, imagens de todas as formas e feitios, consoante a minha imaginação e os medos deste grande homem com sete, oito e nove anos as interpretavam. Sombras essas que deixavam em mim a sensação de que me seguiam os passos e, no regresso, ali se mantinham quietas e firmes, esperando a minha passagem, para me aterrorizarem.

Panorâmica de Bebeses. Cortesia da
 junta de freguesia de Póvoa de Penela,
Penedono
Nesses trajectos, durante toda a noite, era frequente cruzar-me com aves nocturnas que por ali abundavam, tais como noitibós, mochos, as grandes corujas e morcegos. Nestas idas e vindas, o silêncio da noite era apenas interrompido pelo latir de raposas, pelo ladrar de cães nos povoados, que, pela distância, mal se conseguiam vislumbrar, e pelo barulho destas frágeis sombras em andamento constante e contínuo, levantando o pó do chão, fazendo a terra gemer sempre que estas duas sombras o pisavam.

As idas e vindas sucediam-se à medida e do tamanho da noite, daquelas noites quentes do mês de Julho, atravessando pinhais, soutos de castanheiros e tantas outras árvores mais. Eu e a burra, sozinhos, mais a nossa própria sombra, subindo o monte e descendo ao vale profundo, atravessando a ribeira despida de água, apenas com o reflexo das suas próprias sombras nas correntes da minha imaginação, sempre caminhando até o dia nascer.

Com o nascer do sol chegava a hora de ir dormir, dar descanso ao corpo deste menino homem e sossegar o meu frágil cérebro. Tentar compreender e interiorizar que, naquela noite, não houve nada mais que umas inofensivas sombras, às quais a minha imaginação dava demasiada importância.
Tinha que crescer desta forma e interiorizar, porque era assim e foi desta forma, ao longo de séculos, que os meus antepassados por aquelas paragens se fizeram homens valentes, sem medos para enfrentarem aqueles e outros fantasmas criados apenas na imaginação, em que todos os seres são férteis.

Guardo estas e outras recordações dessa infância, dessas passagens que nesse tempo eram tidas como normais, porque era assim que os homens por lá nascidos e criados se formavam, enfrentando os seus próprios medos, superando-os, ou aprendendo a viver com eles. (...)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de novembro de  2014 > Guiné 63/74 - P13923: Notas de leitura (652): “Quatro Rios e um Destino”, por Fernando Sousa, Chiado Editora, 2014 (Mário Beja Santos)

(...) É um livro, a vários tipos, raro. Raro pela confidência, raro pelo filtro que o autor se impõe quanto ao sujeito da memória: a infância, a recruta, a especialidade que culmina, praticamente, com a convocatória para a guerra.Não se sabe porquê, desembarca em Luanda e é direcionado, de supetão, para a Guiné, viaja até Bedanda.

Não se perde em considerandos nem faz crónica da guerra, regista estimas e chega depois a hora do sinistro que o transfigurou, até hoje. Impressiona quando escreve sobre os guineenses, captou-lhes a ternura, o gosto pela música, a afabilidade.

Temos aqui um livro que é também um grito de revolta, é alguém que superou o pesadelo e não o esconde. É um livro raro, encontrou um caminho inesperado depois da agonia de se ver sem duas pernas, venceu o destino. (...)

(**) Último poste da série > 29 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14093: Notas de leitura (661): “Guiné 1966, reportagens da época”, edição de autor de Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14094: Agenda cultural (367): José Eduardo Reis Oliveira (JERO) apresentou no passado dia 9 de Novembro o seu livro "Família Coelho", o resultado da pesquisa das suas raízes

Sabendo que o nosso camarada e amigo JERO tinha lançado no passado dia 9 de Novembro um livro dedicado aos seus antepassados, a "Família Coelho", incentivei-o a falar dele na Tabanca Grande. Com a modéstia que lhe é reconhecida, a custo anuiu dizendo que se tratou de um projecto pessoal, logo desinteressante para as demais pessoas. Disse-lhe que não pensasse assim e que não podia privar a Tabanca de pelo menos uma pequena notícia.

Assim, hoje vamos dedicar este Poste às notícias e comentários alusivos à apresentação do livro e, proximamente, publicaremos um texto desse livro sobre o Avô Porraditas.







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Notas do editor

JERO, ou José Eduardo Reis Oliveira, foi Fur Mil Enf.º da CCAÇ 675, (Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66) e autor de, entre outros livros, "Golpes de Mão's - Memórias de Guerra", Edição de Autor, 2009, com prefácio do TGeneral Alípio Tomé Pinto.

Último poste da série de 28 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14089: Agenda cultural (370): Apresentação do livro "O Concelho de Fafe e a Guerra Colonial", levado a efeito no passado dia 12 de Dezembro de 2014, na Sala Manoel de Oliveira, em Fafe (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14093: Notas de leitura (661): “Guiné 1966, reportagens da época”, edição de autor de Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Dezembro de 2014:

Queridos amigos,
O autor adverte-nos que não o move a intenção literária, quer que o leitor tome nota do que guardou nos seus apontamentos diários, em linguagem do tempo. Daí resulta uma leitura bem diferente das obras do estilo memorial, são pedaços de diário, é um jovem que se vê estar dotado de sólida formação moral, atento às prosápias de uma certa hierarquia militar, atento aos sofrimentos dos seus homens e que desabafa com os seus papéis depois de voltar de Beli e de Madina de Boé, aqueles pontos do mapa cujo abastecimento eram uma empreitada temível, com mortos e feridos em minas e emboscadas.
E ele pergunta à folha de papel: e para quê?
E depois desta itinerância pelo Leste, embarca para o Norte, vamos vê-lo a seguir como comandante em Guidage.

Um abraço do
Mário


A Guiné em 1966 aos olhos de Domingos Gonçalves

Beja Santos

Quando estive em Fafe, em 12 de Dezembro último, para participar no lançamento da obra coletiva “Fafe e a guerra colonial”, conheci o nosso camarada Domingos Gonçalves [foto à direita], tomei a liberdade de lhe pedir os seus escritos sobre a Guiné. Já chegaram, quero-vos dar conta do que eles encerram. O camarada Domingos Gonçalves nasceu em Serafão, Fafe, em 1942. Frequentou os estudos preparatórios no colégio dos Padres Capuchinhos e licenciou-se em Filosofia pela Universidade Católica Portuguesa. Cumpriu o serviço militar de Maio de 1966 a Janeiro de 1968, em três volumes, baseando-se em apontamentos quase diários, descreve algumas das suas experiências. Avisa logo que não pretende colocar nas nossas mãos uma peça literária quer dar-nos um testemunho dos seus registos da época, tal qual.

O primeiro volume intitula-se “Guiné 1966, reportagens da época”, é uma edição de autor sem data. Tudo começa por um reencontro da malta da CCAÇ n.º 1546, e ele abre assim as hostilidades: “Compareceu o comandante do batalhão, alquebrado pelos anos, mas cheio ainda, de lucidez e vivacidade. Homem de ação, dinâmico e generoso, sabia merecer o respeito de todos os que dele dependiam. Compareceu o comandante da companhia, o homem que todos detestavam. Foi, enquanto comandante, uma pessoa em cuja alma a generosidade e o humanismo não tinham lugar. Porém, nada cura melhor que o tempo. Trinta anos foram suficientes para desfazer ressentimentos e apagar da memória a lembrança dos atos mais mesquinhos. Sem mágoa e sem desejos de vingança, na hora do reencontro, todos lhe estenderam a mão”.

Chegam à Guiné a 12 de Maio, do Uíge passaram para a Bor, rumo a Bambadinca, vão atormentados pela sede, chegaram ao destino já alta noite. Espojaram-se pelo chão, só na manhã seguinte é que haveria transporte para Nova Lamego. Feita a viagem, foram encaminhados para Piche, ali acantonam. A 21, escreve: “Dois pelotões da minha companhia abandonaram Piche, rumo a Nova Lamego, ali irão permanecer alguns meses”. Ele também devia seguir para Nova Lamego. Mas vemo-lo logo em Buruntuma, onde ele escreve a 26: “Piquei a estrada de Buruntuma a Caium, escoltei uma coluna de viaturas até Camajábá”. E habitua-se ao troar da artilharia entre Buruntuma e a Guiné Conacri. Chega uma DO 27, ao procurar aterrar foi alvejada com rajadas de armas automáticas, foi necessário chamar os Fiat. Comentará mais tarde: “Os ataques que sofremos tinham sido obra das tropas regulares da Guiné Conacri, aquarteladas em Kadica. Mas o preço que pagaram foi bastante caro. Grande parte das suas instalações ficaram arrasadas pelo fogo dos nossos morteiros”.

No início de Junho abandonam Buruntuma, regressam a Nova Lamego, a CCAÇ 1546 irá escoltar uma coluna de reabastecimento a Beli, no regresso sofrerão duas emboscadas; mais tarde haverá uma coluna de reabastecimento a Madina de Boé. Dias depois, seguem rumo ao Che-Che, escoltando uma coluna que vai até Beli, atravessaram o rio Corubal, pernoitaram na outra margem. Estamos no dia 10: “A poucos metros do cruzamento da estrada de Madina de Boé uma viatura fez explodir uma mina. O condutor quebrou uma perna e tivemos mais dois feridos ligeiros”. Só na manhã seguinte seguem para Beli: “A meio do percurso, uma viatura acionou outra mina-anticarro e verificaram-se mais dois feridos. Em Sutumaca rebentou outra mina anticarro e tivemos mais alguns feridos. Desta fez a viatura danificada ficou abandonada no local”. Mais adiante haverá uma emboscada, com mortos e feridos. E assim chegaram a Beli, que ele descreve: “Era uma pequena povoação perdida a Leste de Boé, isolada do resto do mundo durante a época das chuvas, guarnecida por um pelotão de atiradores de infantaria, homens que nunca entenderão a causa pela qual durante meses lá tiveram que permanecer esquecidos”. Voltam a atravessar o rio Corubal, uma viatura foi parar ao fundo do rio. A 20, estão já em preparativos para o reabastecimento Madina de Boé onde está a companhia n.º 1516 e ele comenta nas suas notas: “Um nome que apenas faz lembrar, a quem o escuta, o sofrimento de um grupo de homens valerosos que, estoicamente, ali vão permanecendo”. Tudo correu bem durante a ida e a volta.

No início de Junho estão de novo a caminho do Che-Che, procedem a um patrulhamento, nada a assinalar. Nas suas notas vai comentando o comportamento da seleção portuguesa no campeonato do mundo de futebol, Portugal vence a Hungria, a Bulgária e depois a Coreia do Norte. A 25, estão novamente de rumo a Piche, vão à terra dos Bucurés. Vaza nos seus apontamentos as suas inquietações e as dos outros, o alcoolismo está a trepar, os soldados da 1546 começam a dar sinais visíveis de desgaste. E voltam ao Che-Che, e ele escreve: “Entre Madina e o Che-Che detetámos três minas anticarro. Duas, convencionais, levantaram-se. Uma, de caixa em madeira, de modelo desconhecido, fez-se explodir no local. Ao atravessar novamente o Corubal, nova viatura caiu ao rio". Redobram as censuras ao comportamento do capitão, certa vez para castigar o cozinheiro levou-o no jipe e largou-o a cerca de vinte quilómetros de distância, na estrada de Sonaco. Toda a companhia protestou, houve zaragata brava, foram buscar o pobre do cozinheiro. No dia 21 de Setembro, vemo-lo em Farim, vem em serviço enquanto a companhia seguiu para o Enxalé onde vai efetuar a operação “Girandola”. A 11 de Outubro, deslocam-se para o Enxalé, é a operação “Granizo”, sem resultados, regressam a Nova Lamego, e depois são enviados para Fá, patrulham Mero, uma tabanca Balanta junto da margem esquerda do Geba, e no fim do mês seguem de novo para o Enxalé, novamente sem resultados. E seguem para o Xitoli, juntamente com tropas do Xime. Trata-se de uma operação até Galo Corubal, os guerrilheiros não ofereceram resistência, as nossas tropas incendiaram o acampamento e capturaram algum material, o regresso foi cansativo mas sem problemas. No fim de Novembro, saem de Fá e vão numa operação até Porto Gole. Seguem pela estrada entre Porto Gole e Mansoa, ficamos sem saber onde era o objetivo, entraram na base dos guerrilheiros à hora do almoço, foi um sucesso, capturaram algum armamento. Vai registando nos seus apontamentos alguns acidentes, coisas estúpidas e desgastantes. E em meados de Dezembro vão até ao Buruntoni, na região do Xime, voltaram a apanhá-los de surpresa, era a hora do almoço, entraram na maior surpresa na base da guerrilha, apanharam nove armas e incendiaram tudo. Com inocência, escreve: “O Buruntoni, enquanto mito, deixava de existir”. E seguem para Bissau, têm outro destino para cumprir depois daquela itinerância estranhíssima na região de Nova Lamego. Vão ficar instalados na fortaleza, passam o Natal em Bissau e no dia 26 seguem na LDG Alfange até Farim.

Estamos no dia 31, e ele escreve: “Estou convencido de que esta guerra em que andamos metidos dificilmente terá uma solução militar”. Assim chega ao termo o primeiro volume de apontamentos de Domingos Gonçalves da CCAÇ 1546 que, conjuntamente com as CCAÇs 1547 e 1548, pertencia ao BCAÇ 1887. Não há uma explicação sobre esta errância, sete meses na pura intervenção, desligados das outras companhias, não há uma só palavra sobre a sede do batalhão. O jovem Domingos Gonçalves é profundamente crítico da hierarquia e há uma virtude que ninguém lhe pode tirar: é praticamente um cronista anónimo, só lá para meio das suas notas é que sabemos que é alferes, isso tem a ver com os valores e princípios que defende, vemo-lo igualmente crítico perante o alcoolismo e a existência daqueles quartéis no Boé que eram meros destacamentos sem população, sacrificados à plena liberdade de ação dos guerrilheiros.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14082: Notas de leitura (660): “Crepúsculo de Sangue”, de Nelson Leal, Lugar da Palavra Editora, 2013 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14092: Convívios (647): A Tabanca de Bedanda na sede nacional da ADFA, em Lisboa, Av Padre Cruz, no passado dia 18, a convite do Fernando de Jesus Sousa, autor de "Quatro Rios e um Destino” (Chiado Editora, 2014)


Lisboa >  Av Padre Cruz > ADFA > 18 de dezembro de 2014 > Convívio da Tabanca de Bedanda > Fernando Jesus e Beja Santos


 Lisboa >  Av Padre Cruz > ADFA > 18 de dezembro de 2014 > Convívio da Tabanca de Bedanda > Renato Vieira de Sousa (cor ref, antigo cmdt da CCAÇ 5), e o "Salazar" (alcunha do Eduardo Cesário Rodrigues, que também passou pela CCAÇ 6)


 Lisboa >  Av Padre Cruz > ADFA > 18 de dezembro de 2014 > Convívio da Tabanca de Bedanda >  Beja Santos com os bedandenses João Martins e José Vermelho



Lisboa >  Av Padre Cruz > ADFA > 18 de dezembro de 2014 > Convívio da Tabanca de Bedanda >  O Manuel Lema Santos e o Fernando de Jesus Sousa


Lisboa >  Av Padre Cruz > ADFA > 18 de dezembro de 2014 > Convívio da Tabanca de Bedanda >  O Rui Santos e o Carlos Jesus Pinto



Lisboa >  Av Padre Cruz > ADFA > 18 de dezembro de 2014 > Convívio da Tabanca de Bedanda >  O Carlos Alberto de Jesus Pinto, nosso grã-tabanqueiro desde 12 de outubro de 2011  (foi 1.º  cabo condutor apontador Daimler do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa, 1969/71;  nunca esteve em Bedanda,  mas foi "adotado" pelos bendandenses).




Lisboa >  Av Padre Cruz > ADFA > 18 de dezembro de 2014 > Convívio da Tabanca de Bedanda > Em primeiro plano, o reaparecido Joaquim Pinto Carvalho e o seu vizinho do Cadaval, o Belarmino Sardinha. Entrre os dois, em segundo plano o Carlos Alberto de Jesus Pinto.


Lisboa >  Av Padre Cruz > ADFA > 18 de dezembro de 2014 > Convívio da Tabanca de Bedanda > O Joaquim Pinto Carvalho com o chapéu do saudoso Tony Teixeira (1948-2013)


Lisboa >  Av Padre Cruz > ADFA > 18 de dezembro de 2014 > Convívio da Tabanca de Bedanda >  o Rui Santos, o "nosso mais velho", foi quem se ofereceu para receber a massa do almoço, 7 euros por cabeça... Os galináceos, caseiros, criados pelo Fernando Jesus em Palmeira, foram oferecidos por ele,,,


Lisboa >  Av Padre Cruz > ADFA > 18 de dezembro de 2014 > Convívio da Tabanca de Bedanda > O Beja Santos, o Luís Nabais (que já integrou em tempos os órgãos sociais da ADFA)  e, se a memória me não falha, o José Manuel Farinho Lopes, que integra  os atuais corpos sociais da ADFA como secretário do Conselho Fiscal Nacional


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. O pretexto foi um livro e uns galináceos, caseiros... O autor do livro e o criador dos galináceos é o nosso camarada Fernando de Jesus Sousa (ex-1º cabo at inf, Bedanda, 1970/71, DFA).(*)

 Além dos camaradas que aparecem nas fotos, lembro-me ainda do Hugo Moura Ferreira, que chegou atrasado, bem como o João António Carapau (médico reformado).

Estiveram presentes no almoço o José Eduardo Gaspar Arruda, presidente da direcção nacional da ADFA,  e o Manuel Lopes Dias, 2º vice presidente da direção nacional, além da jornalista Isabel Tavares e de um repórter fotográfico do jornal "i" que estavam a fazer um reportagem sobre a ADFA e os seus 40 anos de existência. (**)

Eu e o Beja Santos fomos gentilmente convidados pelo Fernando de Jesus Sousa (que teve
referências elogiosas ao nosso blogue, de que ele, de resto, é membro efetivo).

Uma das ideias discutidas, durante o almoço, foi a possibilidade de utilização das excelentes instalações da  sede da ADFA para próximos convivios da malta da Guiné, em especial dos que vivem na região da Grande Lisboa e se sentam à sombra do poilão da Tabanca Grande.

Tive oportunidade de conhecer dois camaradas que são habitués da sede da ADFA,  o Luís Nabais e o Carmo Vicente.





Vídeo (2' 55''), alojado em You Tube > Luís Graça

Fernando de Jesus Sousa, no uso da palavra. O pretexto foi o lançamento, recente, do seu livro  “Quatro Rios e um Destino” (Lisboa, Chiado Editora, 2014).

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 12 de dezembro de  2014 > Guiné 63/74 - P14014: Convívios (646): Magusto do Combatente no Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, dia 29 de Novembro de 2014 (Armando Costa / Abel Santos / Carlos Vinhal)

(**) Vd. no jornal i "on line" > 25 de dezembro de 2014 > Deficientes de guerra. A realidade que alguns preferiam esconder, por Isabel Tavares

Alguns excertos (com a devida vénia):

(,,,) São 13 mil só na Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA). E não estão lá todos. Estima-se que tenham ficado 30 mil feridos em combate. E mais 40 a 50 mil homens afectados por stresse de guerra. Tantas décadas depois continuam a chegar à instituição processos e pedidos de ajuda para qualificar combatentes da guerra colonial como deficientes das Forças Armadas. Gente à procura de uma pensão, de uma vida mais digna, se não para si, pelo menos para os seus. O Estado atrasa-se na qualificação e as indemnizações materiais teimam em não chegar. (...).

(...) Na ADFA quase todos são voluntários. Mas mais nunca é de mais e aqui é fácil entender porquê. Embora a maioria tenha aprendido a ser tão autónoma quanto possível, há coisas que um cego ou um tetraplégico não conseguem fazer, como cortar um bife, levantar uma colher, um garfo ou uma chávena de café "com cheirinho". São gente que aprendeu a depender da boa vontade dos outros. (...)


(...) No entanto, continuam a existir realidades que ultrapassam a ficção. As próteses dos deficientes militares, grande parte pernas e olhos, são compradas através da central de compras públicas do Estado. Ou seja, uma perna ou um olho, que qualquer técnico acredita que deveriam ser tratados como uma impressão digital, exigem o lançamento de um concurso público. Das três casas candidatas, ganha a que oferecer o preço mais baixo. Já houve resultados desastrosos. Um militar recebeu um olho tamanho standard, metido à força dentro da órbita. A operação valeu-lhe uma valente infecção e um internamento que só por sorte não teve consequências mais graves. Mas não foi caso único.


Outro militar contou que está à espera de uma perna há mais de um ano. As próteses, que podem custar, em média, 7 mil euros, têm de ser trocadas de dois em dois anos e muitas vezes têm de ser afinadas. Este engenheiro de 75 anos não quis ser identificado porque há amigos e familiares que até hoje não sabem que não tem um dos membros inferiores. Foi sempre seguido pela mesma casa, porque se trata de um processo "um bocadinho cirúrgico". No seu caso, um desgaste de cinco milímetros estava a provocar-lhe graves problemas de coluna e também na perna boa. Acontece além disso que a prótese que está a usar era a mais barata do concurso e não a feita na casa que sempre o seguiu e já conhece o seu corpo de cor. "Isto não é a mesma coisa que comprar arroz e batatas", diz. As consequências não se fizeram esperar: dores agudas e coxear como nunca.

Este problema ainda não está completamente sanado e é apenas um dos que o ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, se comprometeu a resolver definitivamente. Outro tem a ver com a requalificação do estatuto de deficiente das Forças Armadas, nomeadamente naquilo que são os afectados pelo stresse pós-traumático. "Os afectados pelo stresse pós-traumático ficaram esquecidos, mas a verdade é que eclodiu na nossa cabeça algo muito estranho", diz José Arruda. Este algo muito estranho pode levar à depressão e pode levar a matar. Ou apenas a discussões que fazem voar próteses e impropérios até à chegada da GNR, como aconteceu há uns anos na sede da ADFA. Mas nessa altura eram todos bons rapazes. (...)

(...) E o calvário continua, num tempo que devia, mais que nunca, ser de afecto. Não os deixaram ser miúdos e "agora vamos mais a funerais". No tempo que sobra é preciso ir a juntas médicas, procurar testemunhas do tempo da guerra, fazer requisições para o Ministério da Defesa, ir a médicos, psicólogos, psiquiatras, advogados, Segurança Social. Como no campo de batalha, cada um encontra a sua estratégia de sobrevivência. José Arruda, cego, amputado, corre com a sua personal trainer e, diz quem já viu, ninguém o apanha. Corre porquê? "Corro para ter alento."