sábado, 14 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12449: O que é que a malta lia, nas horas vagas (17): Jornais, revistas, ordens de serviço, circulares, autos, correspondência, etc (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA da CART 2732, Mansabá, 1970/72)


Como qualquer um, eu lia mais ou menos o que aparecia. Confesso que não me mandavam nada, mas lia aquilo que os outros camaradas me emprestavam.
Diga-se em abono da verdade que passava praticamente todo o tempo que estava no quartel, a ler, porque desde o início da comissão estava "dado" à Secretaria da Companhia, função que mantive mesmo após ter passado a operacional pelo acumular das baixas nos efectivos no pelotão e não só.
Lia Ordens de Serviço, Notas e Circulares, Autos disto e daquilo, etc.
Nas horas vagas, mesmo vagas, tão poucas elas foram, lia o que aparecia, revistas, jornais, livros, etc.
Não posso esquecer a leitura da imensa correspondência que recebia. Acho que posso afirmar, sem faltar à verdade, que era o campeão da 2732. Só me vencia, às vezes, o camarada Branco do Pel Art. A minha noiva escrevia-me seis dias por semana e os meus pais uma a duas vezes. Tinha ainda uma amiga no Algarve (Portimão) e outras familiares que me escreviam regularmente. Ainda trocava correspondência com camaradas em Moçambique e noutros SPMs da Guiné.

Das leituras avulsas, lembro-me de uma notícia incluída naquelas folhas que nos mandavam de Bissau, com notícias de todo o mundo, onde aparecia um tal Vignal (ou Vignale) que tinha protagonizado um assalto ou coisa parecida em França. Claro que naqueles dias fui conotado como parente daquele sujeito nada recomendável.
Outra notícia menos abonatória ao "meu bom nome", esta vinda em revista,  foi o caso de um conhecido jogador de futebol, natural de Matosinhos, por acaso também meu contemporâneo na Escola Industrial, então atleta do clube da águia, que supostamente terá torturado uma mulher da noite lisboeta. - Eh pá, cuidado com os gajos de Matosinhos, diziam-me.

Na foto em cima, tirada de certeza num domingo, estou a ler um livro que fez parte da minha formação escolar, dos quais levei alguns para a Guiné para não esquecer o que tinha aprendido. No caso é o livro de Laboratório de Electricidade (já com capas não originais), do qual os camaradas que passaram pelo Curso de Formação de Montador Electricista, se lembrarão, tinha capas tipo cartolina encarnadas.
Este livro que foi e veio da Guiné comigo, que "resistiu" a imensos ataques ao aquartelamento de Mansabá, acabou por "morrer afogado" em Leça da Palmeira. Passo a explicar.

O escritório onde trabalhava ficava a cerca de 100 metros do mar, separado do areal por uma muralha que, supostamente, nos defenderia do mar em caso extremo.
Num temporal, de intensidade felizmente nunca mais repetido, ocorrido na madrugada do dia 13 de Fevereiro de 1979, o mar, coisa nunca vista até então, galgou toda a praia, saltou a muralha, partiu portas e janelas do edifício, entrou sem pedir licença e mudou o mobiliário da minha sala para as salas contíguas mais recuadas. Por azar meu, a minha secretária que estava situada próximo das janelas por onde a água entrou, partiu-se, sendo despejados todos os meus haveres, entre eles os meus livros técnicos escolares, e entre eles o meu companheiro de comissão de serviço. Nunca mais lhe pus a vista em cima.

Voltando às leituras na Guiné, mal cheguei a Bissau, depois de abandonarmos Mansabá, logo no dia 29 de Fevereiro de 72, comprei um livro, na época um "best-seller", que mais tarde deu origem a um filme, o "Papillon" de Henri Charrière, que, acusado de homicídio, protagonizou uma das mais fantásticas fugas da Guiana Francesa. Viria a falecer a 29 de Julho de 1973, vítima de cancro.

Para provar que além de ler, sabia escrever, anexo foto.

Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732
Mansabá, 1970/72

Mansabá - Arma em repouso porque é hora de escrever à família
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de Dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12447: O que é que a malta lia, nas horas vagas (16): A correspondência que me era enviada, e os autores Ramiro da Fonseca, José Régio, Vergílio Ferreira, etc. (António Eduardo Ferreira)

Guiné 63/74 - P12448: História da CCAÇ 2679 (65): Dia da Raça em Bissau (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 12 de Dezembro de 2013:

Viva, Carlos!

Hoje vou referir-me à minha presença nos festejos militares de um dia de Camões, que se realizaram em Bissau.

Exactamente! Quando o IN mandou uns misseis para a zona da Sacor, felizmente sem terem causado danos, mas dando mostras da nossa vulnerabilidade. Por esta e por outras, muitas vezes convenço-me de que a estratégia do IN não nos queria dizimar, e fazia a guerra quase "doucement".
Mas é só para vos contar os meus episódios, irritantes, de inicio, com laracha e fortuitos acasos, depois, pelo que deixo para outros, ou para outras ocasiões a especulação que possamos fazer sobre uma "guerra amiga", ou "de baixa intensidade".

Lá vai com um abraço para o tabancal e votos de Boas-Festas natalícias
JD


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679

65 - DIA DA RAÇA

Num daqueles primeiros dias daquele longínquo mês de Junho de 1971 o capitão mandou chamar-me ao gabinete. Depois do habituais preparos numa daquelas circunstâncias, que exigia que vestisse os calções que me conferiam alguma dignidade de combatente pela Pátria, dirigi-me ao edifício do comando.

Entrei, e logo ele passou à explicação do chamamento: eu teria que partir para Bissau, a fim de participar nas cerimónias do 10 de Junho. Quase rejubilei. Afinal, a tropa ia conferir-me uma inopinada distinção militar pelos meus desempenhos ao longo da já extensa comissão. Sorri de satisfeito, e perguntei ao capitão se sabia com que medalha ia ser agraciado.

O tipo atirou, que com uma medalha de cortiça, e passou com a mão por baixo do queixo a segurar um sorriso sacana. Depois passou a uma explicação sintética, mas mais circunstanciada, referindo que eu ia a Bissau em representação da companhia.

Rebati logo, então e o pelotão? Quem sairia para o mato com o pessoal? Se para mim era tudo tão difícil por causa do reduzido quadro - eu e o furriel Feliciano Lopes, que viera da 26.ª para o grupo em finais de Março, havia só dois meses, não se encontrava outro pelotão com mais disponibilidade de quadros com vocação representativa?

Pois escusava eu de levantar problemas, já que tinha sido eu o escolhido. Além disso, numa primeira auscultação, ninguém quis tal incumbência, e eu, por ser o mais novo, teria que ir. Alto aí, o mais novo é o Feliciano. Estava bem, mas ele acabara de chegar, e não estava bem integrado no "espírito" da companhia. O diálogo andava neste diapasão, e eu não me safava de uma viagem não desejada. Logo então para representar a companhia. Do que é que isso implicaria? A que é que ficaria obrigado? Grande porra!

Mas ainda estava disposto a lutar pela minha dama, e argumentei que não tinha dinheiro, e ir a Bissau em estado "teso", era uma coisa que nem ao IN se desejava. Mas o capitão mostrou-se generoso, e prontificou-se a emprestar-me a massa. Ainda assim, não haveria um alferes disposto a lá ir? Sempre daria outra dignidade à representação.

Não, nenhum deles podia ou queria desempenhar aquela missão. E os nossos sargentos faziam muita falta na área administrativa para assegurarem que o gamanço não sofreria percalços. Era eu, e pronto!

Um dia qualquer preparei uma trouxa e preparei-me para a coluna que me levaria a Nova Lamego, onde um avião especial aguardava pela malta do leste. Grande festa, imaginei. À última da hora veio um sargento entregar-me uma maleta de madeira com o estandarte da CCaç, e eu já me sentia sacrificado à Martim Moniz.

Em Nova Lamego deixaram-me na pista, onde conheci um feliz contemplado, outro furriel, talvez de Cabuca, Canjadude, ou outro qualquer dos "lodges" que faziam a inveja do AB. Pelo caminho fui dizendo da minha revolta pela deslocação obrigatória, principalmente, porque estava teso e teria que ir para os Adidos, ou coisa parecida. Mas ele retorquiu que conhecia uma pequena pensão perto do Pintosinho, barata, onde poderíamos "acampar".

Dito e feito, para lá nos dirigimos com as maletas. Sem conhecimento do calendário das cerimónias e dos preparativos, no dia seguinte acordámos para o tarde. Comemos, e iniciámos o reconhecimento da cidade, que já assistia aos preparativos. Não falámos com quem quer que fosse, e ao fim da tarde demos conta que na Praça do Império já havia um estrado montado para suas excelências baterem pala à tropa desfilante, e para os discursos da praxe.

No dia seguinte, já não me lembro em que circunstâncias, fomos num automóvel Mercedes, dos velhos, com motorista às ordens, dar uma volta pelos arredores turísticos de Bissau, e desaguámos talvez em Nhacra, num "restaurant trés typique" onde comemos, e bebemos um monte de cervejas. No regresso, com o grupo visivelmente satisfeito, à cautela, saímos do Mercedes numa discreta rua paralela à avenida.

A curiosidade, porém, levou-nos a subi-la até à Praça e, enquanto nos deslocávamos, verificámos os postes engalanados e com altifalantes que, certamente, levariam os sábios discursos ao conhecimento do magote ansioso pelo desfile glorificador. À nossa chegada à Praça demos com muitos militares que ensaiavam a festa, e evidenciavam a preocupação de que nada falhasse. À nossa frente, um sargento do Exército português pegava num balde com cal, onde molhava uma trincha, que usava para fazer linhas equidistantes de marcações no alcatrão para que o pessoal perfilasse nelas. E que bem o fazia!

Ao mesmo tempo, na zona do palco concluíam-se as instalações eléctricas e experimentava-se o sistema sonoro. Entretanto, dois ou três oficiais com espessura de galões amarelos, entre eles o célebre Onze, comandante da Região de Bissau, ou lá o que era, perto de um microfone aberto, deitando um olhar à confusão circundante, abriu os braços e exclamou para os acompanhantes: "isto está uma merda", expressão que se repercutiu pela avenida até à baixa de Bissau. O IN, solidário na incompetência, não aproveitou a fonte.

No dia seguinte, para não darmos barraca, não nos apresentámos com os estandartes para a grandiosa festa da raça. No final fomos inquirir a um camarada que ali tinha exibido com orgulho o símbolo da sua unidade, e nos informou que ao outro dia havia avião de regresso.

Seguiram-se os trâmites do último dia, que, naturalmente, meteram comes e bebes até saciar. No regresso ao quarto fizemos conta a quanto esportulámos durante a missão, e verificámos que a massa sobrante era insuficiente para a conta da pensão.

Mas guerra é guerra, e nós andávamos lá para isso. Constatámos que não nos tínhamos identificado (afinal, naquele tempo, dois amarelejos ainda mereciam confiança), pelo que decidimos pelo óbvio, e procedemos à perigosa retirada estratégica até ao Dakota salvador.
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Notas do editor


Recorte de imprensa > Jornal O Século > s/ data > Notícia da agência noticiosa ANI [de 11 de Junho de 1971], sobre o primeiro ataque do PAIGC a Bissau, com foguetões de 122 mm, em 9 de Junho de 1971.

Imagem digitalizada por © A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados.

Último poste da série de 28 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12096: História da CCAÇ 2679 (64): Comportamentos e decisões determinantes (José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 - P12447: O que é que a malta lia, nas horas vagas (16): A correspondência que me era enviada, e os autores Ramiro da Fonseca, José Régio, Vergílio Ferreira, etc. (António Eduardo Ferreira)

1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, MansamboFá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 12 de Dezembro de 2013:

Amigo Carlos
Antes de mais votos de boa saúde, para ti e restante pessoal, como dizem os mais sensatos, há coisas que só depois de as perdermos sabemos o seu valor, talvez por isso eu agora a valorize tanto.

Falando de momentos de leitura, pela parte que me toca foram poucos, a não ser a muita correspondência que recebia e, como era importante essa leitura… ainda que não raramente chegasse bastante atrasada.

Algumas vezes, recebia também um jornal ligado à igreja que me era enviado por familiares, chamado a Voz do Domingo, de Leiria.

A certa altura, não sei precisar a data, na nossa companhia todos recebemos alguns livros, creio ter sido oferta do Movimento Nacional Feminino, desses apenas recordo o título de três; o Médico em Casa, do Dr. Ramiro da Fonseca, O Vestido Cor de Fogo, de José Régio e, a Aparição, de Vergílio Ferreira, este que comecei a ler num dia à tarde, apenas fiz uma pausa para o jantar, depois continuei noite fora até chegar ao fim. Ainda hoje continua a ser um dos livros que mais gostei de ler.

Estas leituras aconteceram em Mansambo, pois em Cobumba apesar de ter muito tempo disponível, apenas lia a muita correspondência que sempre recebia, no abrigo não havia luz e, todas as noites fazíamos reforço.

Durante o dia a vontade de ler era pouca, mesmo não estando de serviço a maior parte do tempo era passado no mesmo sítio, junto ao abrigo, de preferência de ouvido à escuta. Na zona todos os dias havia “festa” quando o foguetório começava nos primeiros instantes não sabíamos quem eram os contemplados, talvez também por isso, a disponibilidade mental para a leitura não fosse a melhor.

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Notas do editor

Capa do livro Aparição do site da WOOK, com a devida vénia

Último poste da série de 11 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12430: O que é que a malta lia, nas horas vagas (15): Livros oferecidos pelo Movimento Nacional Feminino e os meus livros pessoais, tais como: Seleta Literária, História Universal, Inglês e os Lusíadas (Joaquim Cardoso)

Guiné 63/74 - P12446: Bom ou mau tempo na bolanha (39): Uma simples comparação (Tony Borié)

Trigésimo nono episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.


O Tony, ainda era madrugada, naquele silêncio profundo, que algumas têm em lugares sem muito movimento, abriu o computador, e à sorte deparou com um resumo do que foi a África, muitos anos atrás.
Vinha lá mais ou menos assim em determinada página de uma enciclopédia inglesa.
Tudo começou por volta de 1517. A troca de escravos começou a ser um bom negócio para alguns países da Europa, pelo menos três. Nos séculos dezassete e dezoito, esses países da Europa, (o Tony, não os menciona), criaram-se diversas companhias, que não eram mais do que representantes de alguns governos, (o Tony continua a não nomear), que tomaram conta do negócio de escravos, e era muito simples pois os “chefes” de tribos africanas, principalmente em oeste de África, portanto na costa atlântica, colaboravam, a troco de armas de guerra, licores variados, têxteis de algodão, utensílios em metal e outras bijutarias.


Chamavam-lhe a “primeira perna, de um triângulo de negócio de escravos”, e continuava a ser simples, capturavam as pessoas nas suas aldeias, juntavam-nas em locais junto à costa atlântica, e embarcavam-nas, atravessando o Atlântico, com destino ao “Novo Mundo”, onde alguns, quando encontravam uma oportunidade para se libertar, se atiravam ao mar, em pleno Atlântico, a essa travessia, se chamava a “segunda perna, de um triângulo de negócio de escravos”. A “terceira perna, de um triângulo de negócio de escravos”, era quando chegavam ao Novo Mundo, eram vendidos em hasta pública, para diversas plantações de algodão, tabaco e açúcar. Depois conta a história de alguns países, que deixaram de receber escravos, e começaram a fazer pressão em outros países, para pararem com este negócio, sujo e miserável.


O Tony, longe entrar em comparações, lembra-se, que quando jovem, também vivia alegre, na sua aldeia do vale do Ninho d’Águia, e era um “puto” feliz, conhecia todos os vizinhos, com quem convivia, e que nessa altura feliz da sua vida lhe chamavam-lhe To d’Agar, de onde foi “arrancado”, com a colaboração das autoridades locais, pois de outro modo era única e simplesmente preso, dado como desertor, enxovalhado perante toda a comunidade onde vivia, portanto a todo este processo podia-se chamar a “primeira perna de um triângulo de um negócio, que não sabia se era de escravos”. Juntaram-no a muitos jovens da sua idade, trouxeram-no para a costa do Atlântico, que era a capital, embarcaram-no num porão, sujo, sem qualquer ventilação, acantonado com outros jovens que eram livres nas suas aldeias, de um barco que tinha um nome de uma empresa, mas trabalhava para o Estado, viajou no Atlântico, portanto era a “segunda perna, de um triângulo do negócio, que não sabia se era de escravos”. Desembarcaram-no em África, e a partir daí, não foi mais ele, até lhe trocaram o nome, pois passou a chamarem- lhe “Cifra”, e sempre teve que obedecer a ordens e regulamentos, pois de outro modo era única e simplesmente preso. Portanto seria a “terceira perna de um triângulo, que não sabia se era de escravos”, mas na verdade, embora lhe pagassem um ordenado, que nem para lavar a roupa e alguma bebida e cigarros dava, pois como primeiro cabo, recebia, se não estava enganado 465 escudos mensais, isto em 1964/66. Se algum antigo combatente, souber exactamente o ordenado certo, por favor digam, e ainda deixava metade, para a família em Portugal. Foi “escravo” durante dois anos, mas como o tempo era outro conseguiu fugir, libertar-se, tirar as “algemas”, que era a farda com que andava vestido, para ser reconhecido, não vá ter alguma ideia de querer ser livre, e fugir, ir “no mato”, talvez para dentro de alguma bolanha, portanto, na verdade não era livre, só o foi, mas com algumas restrições, ao fim desses dois anos, e no seu caso continuou a ser perseguido, onde o tal estado que o fez “escravo”, lhe fez a “vida negra”, até emigrar.

Tony Borie, 2013
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12406: Bom ou mau tempo na bolanha (38): Um silêncio abandonado (Tony Borié)

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12445: Boas Festas (2013/14) (6): José Martins, José Rodrigues, José Santos, Joaquim Mexia Alves e Ernestino Caniço





1. Em mensagem do dia 9 de Dezembro de 2013, o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos os seus votos de Feliz Natal

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2. Mensagem do nosso camarada matosinhense José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72) com data de 10 de Dezembro de 2013:

Caros Editores do Blogue
Caros Camaradas ex-combatentes da Guiné
O “Postal” que agora vos dirijo, enviei-o à minha família quando estava na Guiné no ano de 1971, provavelmente por estas altura do ano e a propósito da quadra natalícia que se aproximava.
Apesar da simplicidade dos meios e do resultado final, atrevo-me a usar esta “obra prima” para enviar a esta Grande Família do Blogue os meus mais calorosos votos de Festas Felizes.

FELIZ NATAL E PRÓSPERO ANO NOVO, PARTICULARMENTE GENEROSO EM SAÚDE PARA TODOS OS CAMARADAS

José Martins Rodrigues
CART 2716
XITOLE, 1970/72


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3. Mensagem do nosso camarada José Santos (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 3326, Mampatá e Quinhamel, 1971/73), com data de 11 de Dezembro de 2013:

FELIZ NATAL E UM 2014 RECHEADO DE TUDO BOM

JOSÉ SANTOS



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4. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves (ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73),  com data de hoje, 13 de Dezembro de 2013:

Meus camarigos
aqui vão os meus:

Votos de Natal e Ano Novo para a Tabanca Grande

Que a paz esteja contigo
No amor e sem quezília
Um feliz Natal, camarigo
Para ti e tua família.

E passados sete dias
Os votos que eu renovo
De boas novas e alegrias
Trazidas p’lo Ano Novo.

Joaquim Mexia Alves
Monte Real, 13 de Dezembro de 2013

Um abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves

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5. Mensagem do nosso camarada Ernestino Caniço (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208, MansabáMansoa e Bissau, 1970/72), com data de hoje, 13 de Dezembro de 2013:

Amigo Carlos
Anexo os meus votos de Boas Festas para todo o pessoal da Tabanca.
Não sei fazer de outra maneira.

Um abraço
Ernestino Caniço


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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12440: Boas Festas (2013/14) (5): De Macau, com saúde, paz e amor, os ingredientes para a felicidade (Virgílio Valente, ex-alf mil, CCAÇ 4142, Gampará, 1972/74)

Guiné 63/74 - P12444: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (9): Aerogramas para a Lili (2)

ÚLTIMAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 9 

Por Armor Pires Mota (ex-Alf Mil da CCAV 488/BCAV 490, Bissau e Jumbembem, 1963/65)

Aerogramas para a Lili (2)


Foto: Belarmino Sardinha - Editado por CV


“Jumbembem, 6 de Janeiro de 1965
Querida Lili:
(…)
Há notícias que varam uma pessoa e a deixam bloqueada. Esta que soube ontem à tardinha é uma delas. Ontem tropas do nosso Batalhão foram fazer uma operação, uns por terra, outros de barco. No barco pequeno que ia atrelado a outro maior, que o rebocava, a grande velocidade, seguiam 22 homens. Perto do sítio, marcado para desembarque, o barco começou a desequilibrar-se e virou-se. Resultado: oito mortos. Não sabiam nadar, o rio era fundo e, além disso, com o material de guerra que levavam… Tudo isto dói. Num momento, tantas famílias de luto. A guerra é horrível, Lili, terrível, só o diabo a poderia inventar. Mas por quê e para quê os homens se odeiam? Só para fazeres uma pequena ideia do que é a guerra, repara só nestes dados. O meu batalhão (600 homens) já tem 16 mortos e muito perto de 150 feridos, alguns deles irrecuperáveis. E era o mundo tão belo se todos se dessem bem e vivessem em paz. Olha, minha Lili, reza por mim. Só com a ajuda de Deus podemos vencer e só por Deus podemos regressar à terra.
Olha, hoje baptizou-se um soldado negro do meu pelotão. Gostaria de ser o seu padrinho, mas como o capitão também gostava, dei-lhe a preferência. É um moço esperto, inteligente, que quer ir para paraquedista. Eu já lhe disse que, se fosse para Tancos (Santa Margarida), gostaria que ele fosse a minha casa”.

[Os oito mortos integravam o Pelotão de Morteiros 980 do Batalhão, constituído por 33 homens, comandado pelo alferes de infantaria José Pedro Cruz. Iam participar na operação “Panóplia”, dia 5 de Janeiro de 1965, que se realizava na península de Sambuiá, entre o rio do mesmo nome e o rio Talicó. Os soldados embarcaram em dois barcos de borracha da Marinha, carregados com todo o material bélico. Um transportava 25 soldados, mais o comandante, rebocado pela LFG Orion, tal como acontecia com o outro, por um cabo de aço que ia ligar pela parte debaixo aos barcos, amarrado a um ferro existente no fundo do barcos. O desembarque estava previsto que fosse feito próximo do objectivo e junto do rio Cacheu. Só que aconteceu o imprevisto, o cabo partiu-se. A solução encontrada foi que os soldados suportassem nas mãos um cabo mais forte. Só que a ondulação, provocada pela Orion, fazia entrar água pela proa. Os homens tinham sido avisados de que, em caso de emergência, o cabo deveria ser solto de imediao. Foram ainda avisados que o barco de borracha tinha a tendência para baixar a proa, havendo a conveniência em se chegarem mais à ré. Só que, recomeçada a marcha, a ondulação, provocada pela Orion fazia entrar água pela proa. Foi nesse momento que alguns homens que iam na ré, assustados, se haviam de levantar. O alferes ainda os mandou sentar, mas o barco já se achava desequilbrado de um dos lados, acabando por afundar-se. Como alguns não sabiam nadar, rapidamente o pânico se instalou. Foi enorme. O alferes nadou para junto do barco e colocou-o direito, içando-se de seguida. Então, já auxiliado por um soldado, ajudaram outros camaradas a subir para dentro, mas nem todos vieram à tona da água, um única vez. Talvez o peso do material bélico tenha concorrido para tal desfecho. Entre estes oito mortos, dois sabiam nadar, mas também não foram felizes. Repescados todos os que foi o possível salvar desta enorme tragédia (dois dos que se salvaram não tinham largado o cabo), foram levados para a Orion e começaram as buscas em todos os sentidos, mas o que se recolheu então foi apenas algum material que ficara a boiar.
Vítimas desta tragédia, que vitimou tantos quantos os soldados a batalha do Como, eram dois primeiros cabos e os restantes 6 eram soldados. Foi uma madrugada negra na vida do Batalhão].


“Jumbembem, 11 de Janeiro de 1965
Querida Lili:
(….)
Tivemos um fim de ano muito triste, más saídas. Nessa maldita estrada [Canjambari] que dá tantas dores de cabeça à malta, houve mais porrada. É certo quando lá vamos. Houve vários feridos e um Fula, o guia, morreu no helicóptero a caminho do hospital. A mulher que vive aqui connosco, caiu em lágrimas, quando viu o marido na maca. Tive pena sobretudo do filho que chora que nem um louco. São os horrores de uma guerra que não perdoa a ninguém. O homem andava com azar, havia sido ferido aqui há tempos. Azarento e triste fim de ano. Os chefes até parece que têm gosto em fazer estas coisas nestes dias…”

Jumbembem, Janeiro de 1965 - Meninas limpando, aos sábados, a "parada" da CCAV 488
Foto: © Armor Pires Mota (2013). Todos os direitos reservados

“Jumbembem, 30 de Janeiro de 1965
Querida Lili:
(…)
Depois de acordar e ler o que me dizias, não mais adormeci. Estava nervoso, não devido às tuas palavras, mas porque, às 3 horas, tinha que sair para uma operação. Por Deus, correu muito bem, apesar do tiroteio de parte a parte. Queimámos uma aldeia muito grande, montes de arroz e milho e mataram-se os gados todos. Quando estava quase tudo pronto, “os tiços” deram-nos combate violento, instalados na orla do mato. Não sei nem como nem porquê, a malta irritou-se com aquilo e alguns começaram a gritar: “vamos a eles!” Pois, não queiras saber. Levaram uma surra e foram obrigados a fugir, à medida que os perseguíamos, ficando alguns no terreno. Enfim, foi um pé de lume e uma coragem de nos atirarmos a eles, o que poderia ter dado mau resultado, pois foi quase por inconsciência, que nunca vi. Claro, ao fim e ao cabo, ficámos todos partidos, pois fazer 16 kms a pé já não é para nós que estamos fartos disto. Tivemos um ferido que seguiu dali mesmo para o hospital num helicóptero que foi buscá-lo”.


“Jumbembem, 11 de Março de 1965
Querida Lili:
(….)
Estive a arranjar a trouxa para ir até Bissau. Arrumei tudo o que tinha para arrumar e pus abaixo as velhas barbas (até fiquei uma rapazinho!).
Até que enfim, Lili, vou até Bissau. Custou, mas agora parece que é mesmo verdade, se, à última hora, não houver nenhum contratempo. Deus queira que não. Vou amanhã para Farim de onde irei, no sábado, de avião para a capital. Mas, para despedida, ainda esta manhã, tive mais uma operação. Por sinal. correu muito bem. Aconteceu uma coisa que que há muito já não acontecia, não houve tiros. Eles que “brinquem” com os macacos, mas connosco não, estamos fartos. Isto está cada vez pior por toda a província, à beira do precipício.
Agora, começou o azar a bater à porta dos alferes. Há dias, com o intervalo apenas de um dia, morreram dois no sul, um dos quais já tinha 22 meses de missão cumprida. Como vês, as balas não escolhem postos nem tempo de comissão”.

[Em 21 de Novembro já estava eu a contar ir a Bissau tratar da saúde e aliviar as tensões no início de 1965. Para ir à consulta era necessário o médico fazer uma proposta, que teria de ir ao hospital, a fim de ser assinada, autorizada e marcada a data. Mas a assinatura levava por vezes três meses. A minha estava a atingir esse tempo. Era compreensível. O hospital era tão pequeno e tão poucos os médicos que os doentes não eram atendidos, quando deveriam ser, excepto, claro, se estivessem em perigo de vida. Primeiro, estavam os feridos graves e os mais ligeiros, que chegavam de toda a parte. Outra razão que não me havia permitido ir em Novembro, é que o capitão Arrabaça regressava de novo ao hospital e, além disso, andava lá em tratamento outro alferes, dizia eu noutro aerograma de 21 de Novembro de 1964. O remédio era esperar e, como por Deus, não estava assim tão abalado na saúde e não podia inventar doença grave para demorar por lá mais tempo…
Como o capitão Arrabaça havia sido hospitalizado, nos meados de Outubro, tinha mais trabalho: tinha que sair quando calhava o meu pelotão ter de ir para o mato, para a porrada, e tinha que sair, quando saíam os outros dois, como comandante de companhia interino. A porta da guerra ainda estava longe de ser fechada e ainda não tínhamos destruído aos terroristas os planos da pólvora…]

[Noutro aerograma, datado de 13 de Março de 1965, escrevia à Lili a dizer que “a primeira bicharada” já havia desaparecido com o tratamento, mas havia feito mais uma análise e acusava outra espécie menos perigosa e em menor quantidade. Deveria desaparecer. Mesmo assim, não eram tão resistentes, obedeciam à medicação. Dava ainda a notícia do que o nosso conterrâneo Manuel Quintas havia sido operado a um quisto sem importância, enquanto o Victor Santos, ferido numa perna, já tinha tido alta. Disse-me que ia fazer ronha, que não podia andar muito bem. Já tinha uma recordação. Também aguardava pelo conterrâneo, João Barreiras, que enconrei da guerra do Como e me havia dito que vinha passar um mês a Bissau.]


“Hospital Militar, 7 de Abril de 1965
Querida Lili:
(…)
Sabes, já comprei o meu “folar” para os soldados do meu pelotão: vinho do Porto, bolos, amêndoas, que já mandei para o mato. Assim, sempre se lembrarão que, no dia 18, é Dia de Páscoa. Além disso, na minha ausência, tem-se portado à altura, apanhando em combate mais material aos terroristas. Coitados, estão sempre à espera que eu vá… Confesso que tenho saudades dos moços (não da porrada, claro), mas também para ser franco, prefiro estar longe, em Bissau. Aquilo lá está muito mau, péssimo. O médico escreveu-me hoje. Estão muito desanimados. Não sei se já te disse, mas dos três moços feridos, um [negro] foi sepultado na quarta-feira e há outro que está mesmo muito mal".

[Nesta altura, o meu grupo de combate que era de 40 homens, desses apenas vinte estavam válidos, operacionais. Quem comandava o pelotão era um furriel, o único que então tinha dos quatro que inicialemte me pertenciam. Apesar disso e de não ter havido feridos, as operações continuavam].


“Bula, 22 de Julho de 1965
Querida Lili:
(…)
Como já deves ter reparado – e já deves saber pelo Quintas [Manuel Pires de Oliveira] – encontro-me, de novo, no mato. Isto “até ao lavar dos cestos é vindima”, diz-se na nossa terra. Isto é guerra e está tudo dito. Estou certo de que só estou seguro, quando puser o pé em casa. Também é verdade que não me pertencia estar aqui, pois sou o mais antigo alferes ao serviço da companhia. Mas já te digo os motivos. Não vim para lamber as botas a alguém, detesto ser ”engraxador”; não vim porque goste da guerra, detesto a guerra e os seus efeitos, mas vim por estas razões: 1) tinham que vir soldados do meu pelotão e sempre gostei de os acompanhar; 2) porque, devido ao que te contei, não suporto homens com duas caras; 3) porque o lugar onde estamos é razoável. O quartel fica numa vila, Bula. Há tanta diferença entre este e o de Jumbembem…
Isto aqui é quase uma “cidade”. Até se pode sair do arame farpado e dar um passeio, coisa que nunca me aconteceu. O trabalho é que é um pouco chato, porque, noite sim, noite não, temos de guardar um cais. Dormir, não se dorme. Depois, há a praga infernal dos mosquitos e, para refrescar, a chuva. É uma noite perdida. Também dia sim, dia não, lá passamos um dia inteiro a ver chegar e partir embarcações. Só custa menos, porque ora pescamos, ora caçamos ou dormimos… Também veio comigo, voluntário, um colega, o alferes Bretão. Por isso, querida, não te preocupes. A zona onde trabalho, é calmíssima, comparada com as zonas onde tenho estado. Imagina tu que até tem ruas iluminadas…”

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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12432: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (8): Aerogramas para a Lili (1)

Guiné 63/74 - P12443: Notas de leitura (543): "Guiné - Guerra e Poesia - Canjadude e Bolama", de José Martins Gago (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Julho de 2013:

Queridos amigos,
Se há domínio na literatura de guerra onde se encontra a singularidade do confessional é o diário.
José Martins Gago traz uma especificidade: o dia-a-dia, a rotina, os acontecimentos fatídicos, o retrato ao espelho, a observação do meio, cultiva a sinceridade que por vezes arrepia. Há para ali imenso sofrimento físico, cedo irrompem as perturbações gástricas que só são tratadas convenientemente no final da comissão. Chega a pisar uma mina, vê o rebentamento de uma GMC, vive os seus dias da ira. Dedica-se a uma horta, deslumbra-se com o Corubal.
O homem soldado é por vezes mais forte que o disciplinado contra-guerrilheiro e dá-nos a saber que poeta e lemos toda a sua poesia, desse tempo.
Recomendo José Martins Gago, um abraço do
Mário


O diário de Canjadude e Bolama, por José Martins Gago (1)

Beja Santos

Nisto de surpresas diaristas, podemos estar certos e seguros que elas podem chegar a qualquer momento, o alforge dos diários de guerra parece ainda ter muitos papéis íntimos que nos chegam repentinamente às mãos. É o caso de “Guiné, Guerra e Poesia”, Canjadude e Bolama”, Chiado Editora, 2012.

José Martins Gago comandou um pelotão da CCAÇ 5, sediado em Canjadude, no exato momento em que, após a retirada de Beli, Cheche e Madina do Boé, o PAIGC ganhou espaço de manobra e começou a aproximar-se dos destacamentos mais próximos, Cabuca e Canjadude.

Fez em Mafra a recruta e a especialidade, seguiu para a Carregueira, onde deu instrução, quando já julgava não ser mobilizado notificaram-no para a rendição individual. No Cais da Rocha do Conde de Óbidos, embarcou no Alfredo da Silva. Confessa que esteve indeciso sobre a publicação do seu diário, considerou que devia expurgar o registo das informações que acumulou em cadernos de apontamentos e nos aerogramas que enviou à mulher, retirando-lhe referências muito pessoais. Depois tomou a decisão de dar a este livro a forma de um diário para que presentes e vindouros tenham acesso ao dia-a-dia de uma comissão na Guiné, entre 1969 e 1971.

É a observação pessoal que vai pesar neste livro de mais de 650 páginas. José Martins Gago vai passar a sua comissão a falar de perturbações gástricas, má convivência com a comida do rancho, com o excesso de trabalho que envolve abertura de valas, inventário da cantina, patrulhamentos incessantes, o envio diário de aerogramas para a mulher, faz poemas, tem que recorrer a sedativos para dormir, cultiva extremosamente uma horta. Antes de partir, foi até à Feira da Ladra onde comprou uma farda já coçada, não queria fazer o número do periquito pronto a debutar em Canjadude, onde chega no fim de Março de 1969.

Canjadude é constituído por uma tabanca Mandinga e pelo quartel assim formado: “Um barracão onde dormem alguns dos graduados, uma espécie de barraca que serve de messe, uma parte para soldados e uma cantina para oficiais e sargentos e por quatro abrigos subterrâneos ainda não acabados e por isso não habitados; falta arranjar o seu interior que está imundo de sujidade de toda a espécie”, ali perto corre o rio Nhanhasse, ali perto fica a fonte. Logo lhe chamou a atenção a horta, encontrou pimentos, melancias, salsa e abóboras. E escreveu o comentário: “Tudo estava muito pobremente tratado e cheio de ervas. Via-se que ninguém ali percebia do assunto e seria algo a que deitaria mão logo que me fosse oportuno” e acrescenta: “A terra era boa, nutritiva e arenosa com humidade suficiente para possibilitar o desenvolvimento rápido das plantas. Mas muito mais se pode fazer e sem dúvida se fará, quando eu estiver mais apto a contribuir com o meu trabalho de iniciativa".

Sabe que a missão é a defesa deste território até ao rio Corubal, não está disposto a facilitar absolutamente nada no aspeto da segurança operacional. A partir de 25 de Março, e com raras exceções, consagra-se de alma e coração à escrita. No primeiro dia diz que descansou à sombra de uma frondosa mangueira, tirou algumas fotografias para mandar à mulher, arranjou lavadeira e tece a primeira das muitíssimas críticas que irá fazer à comida. Ao jantar, foi servido um esparguete que, “com tanta gordura que deixava a boca a saber a toicinho, mas não fiquei sabendo se era toicinho, se azeite ou óleo, mas lá comi depois de lhe ter acrescentado água". No dia seguinte, mais considerações sobre a comida: “Comi chouriço que tinha trazido, com ovos mexidos e depois um prato de arroz bem atestado com bastante carne de vaca, que se estivesse bem confecionado seria um repasto, mas mesmo assim não lhe perdoei”.

Segue-se a primeira coluna a Nova Lamego, fala dos seus soldados e de aspetos da vida social. Entrou no ramerrão, voltou a espreitar a horta, faz propósitos de alterar a cozinha e os menus. A segurança do quartel preocupa-o, Canjadude é agora o quartel mais a sul, não tem ilusões contra o avanço do PAIGC. No fim do mês já fez patrulhas e descobriu a sede, o cansaço, os pés cheios de bolhas. Tal é o sofrimento que um dos soldados se ofereceu para lhe levar a espingarda. Um mal nunca vem só, ouve-se um grande alarido e os soldados gritam: baguera! baguera!, surgira um ataque de abelhas.
Começa a estudar os colegas, começa pelo Sousa: “É um doce de pessoa mas não nasceu para fazer guerras ou sequer vivê-las. É um espírito dedicado à música, com uma sensibilidade acima da violência. Não devia ter sido colocado nesta especialidade e só a ausência de preocupação com a vida alheia permitiu que o tivessem aqui colocado”. Impressionou-o tanto o cantil que lhe dedicou um poema. É muito interveniente, descobre que os seus soldados não sabem preparar a cal, lá foi ensiná-los e explica: “Por sorte sei como se fazem todos estes trabalhos, na província e no Alentejo especialmente toda a gente caia as casas uma vez por ano, normalmente no Outono e eu sempre convivi com esta e outras realidades, que agora me estão sendo úteis”.

No interior do quartel, procurar dar vazão às múltiplas tarefas. Em Abril, vai em coluna até Bambadinca buscar as provisões, os soldados protestam por descarregar do barco e carregar as viaturas, e com o estômago a bater horas. Descreve ao detalhe o fadário das colunas até ao Gabu, a porção da estrada que se pica. É manifestamente religioso. Sucedem-se os patrulhamentos e a vigilância à volta do quartel. Em Abril, já anda a plantar couves na horta: “Estou a tornar-me um autêntico cavador, um bom comerciante e um aprendiz de advogado, além de guerrilheiro”. Está sempre irrequieto, tenta fazer uma fisga para ir aos pássaros mas não conseguiu arranjar a forqueta. Descobre a alegria da chegada do correio. E a 13 de Abril começam os problemas do estômago que o acompanharão toda a comissão.

Cabuca é entretanto flagelada. Estende-se invulgarmente no seu diário de 14 de Abril, se é verdade que se está na última fase da guerra de guerrilhas é de admitir uma maior frontalidade nos combates, é premonitório: “Mas tudo pode mudar de um momento para o outro, basta que as forças IN arranjem maneira de dominar o ar, ou impedir o nosso domínio e a guerra para nós estará perdida. Terminarão as evacuações dos feridos, o que levará a mais mortes, ficarão impossibilitadas as represálias em combate e até os reabastecimentos será irremediavelmente afetados. Será o fim!”.
Num patrulhamento vão até ao rio Corubal, onde antes estava o destacamento do Cheche, deslumbra-se com o rio, a magnífica paisagem, o facto de ser uma região de rara frescura. Já não vive incomodado com a rotina, quando não tem coluna ou patrulhamento dedica-se à limpeza do quartel, combate a imundice, faz exercícios de fogo real. Regista os rebentamentos sucessivos em Dara e Fassilima, o primeiro perto de Nova Lamego o segundo a vinte quilómetros de Canjadude, pelas suas contas é este o próximo aquartelamento a ser flagelado. O que o preocupa mais são as precárias instalações de defesa.

Em fins de Abril, num patrulhamento, vai até Canjadude Delta, uma tabanca queimada, quase se cruzam com uma patrulha IN, esta resolveu não dar luta. Regista no seu diário o prazer de chefiar os seus homens: “Dá gosto andar com eles, somos um grupo coeso, formamos uma peça única”. E escreve entusiasmado: “Eu não queria louvores, queria sim um grupo de combate senhor da guerra, que eu pudesse conduzir no mato com a segurança e a certeza de que minimizaria sempre o número de baixas no nosso grupo e infligiria o máximo de perdas ao inimigo. Eu não queria ser o melhor operacional da Guiné, mas queria ter razões para não me sentir um falhado, que morre e deixa morrer aqueles que dependem de si”.
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12417: Notas de leitura (542): "Na Nha Manera Di Odja", de Fernando Antunes (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12442: Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte VI): A alegria das primeiras chuvadas...



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 1A > "Alegria das primeiras chuvas" (...)



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 1 > " (...) Depois de 7/8 meses a vermos o céu sempre igual e a atmosfera amarelada com as poeiras vindas do deserto, os primeiros pingos grossos de chuva eram celebrados com grande alívio por nós e contagiante alegria pela criançada que aproveitavam as poças de água para se refrescarem, brincarem e encharcarem os adultos incautos"…


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 2A >"Jogatana de futebol" (...) .



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 2 > "(...) . Mesmo em cenário de guerra havia disposição para 'jogatanas' de futebol. Este campo foi construído durante período que vivi em Fulacunda. Havia ainda um outro campo térreo, que na época das chuvas ficava impraticável para futebol."



 Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 3A> "Dia de Caranaval em Fulacunda" (...)



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 3 > (...) "Não sendo propriamente uma tradição, neste dia quase todos se divertiam mais. Havia batuque.

 

Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 3 > "Os meus 24 anos"...


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 3 A >  "Os meus 24 anos foram assim comemorados. Muita união e camaradagem. Apesar de a adega não estar muito apetrechada, quando alguém fazia anos fazíamos questão de fazer a respetiva festa. Nesta minha festa, até velas aniversariantes tive o prazer de apagar. Como chegaram aquelas velas a Fulacunda é o que o meu amigo Cerqueira me está tentando explicar, apesar de o meu ar incrédulo"…

Fotos (e legendas): © Jorge Pinto (2013). Todos os direitos reservados. [Edição; L.G.]


1. Continuação da publicação das Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte VI)

Chegamos ao fim de um primeiro lote de fotos do tempo de Fulacunda (1972/74)... Mas o nosso camarada Jorge Pinto promete continuar a satisfazer a curiosidade de uns (que pouco ou nada sabiam de Fulacunda) e mitigar a saudade de outros (que passaram por estas terras da Região de Quíabar, "chão beafada"). 

Diz-nos ele: "No final do ano [de 2013] espero poder enviar mais fotos especialmente relacionadas com o fim da guerra colonial em Fulacunda."

[Foto atual do Jorge Pinto, à direita]

Guiné 63/74 - P12441: O nosso livro de visitas (172): Pedido de informação de Djarga Seidi, guineense da diáspora, com esclarecimento prestado pelo nosso colaborador José Martins


Guiné > Zona leste > Setembro de 1968 > Foto nº 99/199 do álbum do João  > "Os meus camaradas, alferes de cavalaria" [ possivelmente da CCAV 1662, sendo o jipe com o canhão s/r também possivelmente do Pel Can s/r 1200] (*). O nosso camarada João Martins terá conhecido em Piche o tal "alferes Canhão" que o nosso leitor Djarga Seidi anda à procura.

Foto (e legenda): © João José Alves Martins (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. (Foto editada  por L.G.)


1. Mensagem do nosso leitor Djarga Seidi, guineense da diáspora:

De: seidi djarga 
Data: 8 de Dezembro de 2013 às 20:25
Assunto: felicitação


Exmo. Senhor Luis Graça,

Na minha qualidade de Guineense que vive atualmente em Portugal já há poucos anos, aproveito esta oportunidade para vos felicitar pelo blog sobre histórias e atualidades da Guiné-Bissau, que penso ser um bom contributo para se conhecer uma boa parte da história do nosso pais assim como atividades que levam acabo em prol das populações.

Com muito gosto que desejaria encontrar com o Senhor.

Peço,  caso seja possivel, ajudar localisar dois amigos meus,  ex-Oficiais do Exército Colonial,  entre os anos de 1968 a 1972:

 - Comodoro da Marinha, que esteve na Marinha da Guerra em Bissau, com Gabinete de trabalho na antiga Amura, entre 1970-1973;

 - Alferes que esteve em Piche, que se chamava Alferes Canhão, sendo Comandante do Canhão que transportava num jeep, entre 1967-1970.

Gratos pelo atenção,

Djarga Seidi


[Tem página pessoal no Facebook; pelas fotos que disponibiliza, verifica-se que deveria ser muito criança na época a que se refere o seu pedido: deverá ter hoje 40 e tal anos... ]

2. Comentário, de 9 do corrente, do nosso colaborador José Martins a quem pedi a recolha de informação adicional para podermos responder ao nosso leitor Seidi:

Viva, Luís

Vamos tentar dar resposta às questões apresentadas:

Comodoro - Como sabes,  a patente de Comodoro equivalia, no caso do exército,  a Brigadeiro. Seria, então, um oficial já com alguma idade, necessariamente acima dos 50 anos. Se juntarmos a este número os 40 nos já passados, será pessoa, caso ainda esteja entre nós, para ostentar a idade de 90 anos, pelo que presumo que a familia o terá em bom recato para não ser incomodado.
Quanto à possibilidade de se saber quem é/era, temos que ter em consideração que o Rama da Marinha é o que mais protege os seus membros, para mais tratando-se de um oficial general, em serviço no Comando Chefe.

Alferes Canhão - É muito provavel que tenha sido o comandante de um pelotão de canhões sem recuo. O nome de Canhão ou é uma coincidência ou então "herdou" o nome da arma que manejava: um canhão sem recuo montado em jipe, para mais facil deslocação. 

Apesar da pesquisa para se saber quem é/era e depois localizá-lo será mais fácil, desde que exista no AHM [Arquivo Histórico Militar] a história da unidade que, em termos logisticos, operacionais e administrativos, dependia do batalhão instalado no comando do sector. Em anexo segue listagem das unidades que passaram por Piche, no periodo entre 1961 e 1974 [excerto]. A indicação PU (pequena unidade) quer indicar que a unidade não estava completa.

 Espero ter dado resposta às questões mencionadas.(**)

Abraço, do Zé Martins.



Listagem das unidades que passaram por Piche, no periodo entre 1967 e 1971, incluindo o Pel Canões s/r 1200 (jul 67/ mai 69) e o Pel Canhões s/r 2126 (jun 69/ mar 71).

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Notas do editor:


(*) Vd. poste de 10 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9879: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte IV : Em Piche, com um Pel Art com 3 peças de 11.4

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12440: Boas Festas (2013/14) (5): De Macau, com saúde, paz e amor, os ingredientes para a felicidade (Virgílio Valente, ex-alf mil, CCAÇ 4142, Gampará, 1972/74)



1. Mensagem do nosso camarada Virgílio Valente [ Wai Tchi Lone, em chinês], que vive e trabalha em Macau, desde 1993.  Foi alf mil, CCAÇ 4142, Gampará, 1972/74. Aguardamos a sua entrada para a Tabanca Grande e retribuímos-lhes os seus votos de festas felizes. (LG)


Para todos os meus Amigos,

For all my Friends,

送給我的朋友們 



Feliz Natal e Próspero Ano Novo

Merry Christmas and Happy New Year

聖誕快樂,恭賀新禧 



Com Saúde, Paz e Amor, os ingredientes para a Felicidade
With Health, Peace and Love, the ingredients for Happiness

健康,和平,愛是幸福的元素

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12439: Boas Festas (2013/14) (4): AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau


1. Mensagem dos nossos amigos da AD - Acção para o Desenvolvimento, com data de hoje, enviando, em anexo, o seu cartão de Boas Festas, e o seguinte convite:

Acção para o Desenvolvimento. Visite o nosso site em www.adbissau.org e o nosso projecto de ecoturismo em www.ecocantanhez.org.

2. Entretanto, já tinha escrito ao Pepito o seguinte, agradecendo-lhe o envio, pelo correio, do calendário de 2014, editado pela AD com belíssimas fotos e feito aqui em Lisboa, numa tipografia:

Pepito, já saiu o calendário de 2014, editado pela AD. Já o recebi em casa, pelo correio. Está lindo. Parabéns pela iniciativa. Parabéns ao(s) fotógrafo(s) e sobretudo ao povo da Guiné (e em especial às suas mulheres)!... É gente linda, fotogénica e fraterna!...

Espero que vocês não fiquem "isolados" do mundo este Natal... O que se passou com o último voo da TAP preocupa-me seriamente, a mim e aos amigos da Guiné... Gostava de conhecer a tua versão dos acontecimentos mas aquilo cheira-me a "banditismo puro e duro"... Há "regras" de convívio entre os povos e os estados soberanos...Um alfabravo. Luis

3. Resposta do Pepito:

Luís: Fico satisfeito que tenhas gostado do calendário.

Quanto aos sírios, trata-se apenas de um negócio: recebe-se dinheiro e colocam-se os ditos à força num avião. O que lhes acontece a seguir pouco me interessa a mim que já tenho o dinheiro na mão e estou pronto a receber mais uns tantos.

abraço, pepito


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Nota do editor:

Guiné 63/74 – P12438: Memórias de Gabú (José Saúde) (35): Postal que enviei da Guiné para familiares e amigos na Quadra Natalícia de 1973

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.




As minhas memórias de Gabu

Postal que enviei da Guiné para familiares e amigos na Quadra Natalícia de 1973

Boas Festas

Passados 40 anos deixo estampado no nosso blogue a mensagem natalícia que no ano de 1973 enviei para a então Metrópole do reino português e que dizia simplesmente: “Alegres festas de Natal feliz e próspero Ano Novo”.

Era assim naquele tempo. Uma foto do combatente e ao lado da imagem os ditos linguísticos, digamos curtos, mas que se conjugavam com a época vivida. A ideia, de todo feliz, catapultava o jovem militar para um prazer desmedido que lhe enchia a alma e que transpirava tranquilidade para o recetor da missiva.

Volvidos todos estes anos, opino que o postal não perdeu validade e que os meus votos natalícios dirigidos aos camaradas ficam expressos naquele bilhete postal, a preto e branco, que foi endereçado de Gabu para aqueles que, na época, faziam parte da minha aureola familiar e de amizade.

Hoje, partilho convosco estes habituais adornos, tendo em conta as circunstâncias por ora vividas. 


Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

6 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 – P12396: Memórias de Gabú (José Saúde) (34): Uma ida ao matadouro de Gabu… Seidi, o magarefe


Guiné 63/74 - P12437: Agenda cultural (298): Apresentação do livro "Olhos de Caçador", de António Brito, integrada na Tertúlia Fim do Império, dia 17 de Dezembro na Livraria-Galeria Municipal Verney/Colecção Neves de Sousa. Apresentação da edição especial da obra "Portugal e a Grande Guerra", coordenação de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, dia 18 de Dezembro nas instalações da Liga dos Combatentes (Manuel Barão da Cunha)

1. Mensagem do Coronel Ref Manuel Júlio Matias Barão da Cunha que foi CMDT da CCAV 704/BCAV 705, Guiné, 1964/66:

Caríssimos,
Recordo a próxima tertúlia em Oeiras, dia 17, com «páras», incluindo o ex-soldado e actual dr. António Brito e o coronel Nuno Mira Vaz (ver anexo); quem puder ir será bem-vindo e também agradecemos divulgação.

Votos de Natal e Ano Novo com paz e saúde, de
M. Barão da Cunha.



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2. Mensagem de Carlos Matos Gomes, Coronel Cavalaria Reformado (ex-2.º CMDT Batalhão de Comandos da Guiné, 1972/74), escritor e historiógrafo da guerra colonial:

Meus caros amigos e amigas, 
A nossa editora, Verso da História, preparou uma edição especial do livro «Portugal na Grande Guerra» que eu e o Aniceto Afonso tivemos o privilégio de coordenar e que contém os trabalhos originais de alguns dos melhores especialistas deste acontecimento marcante da nossa história. 
Essa edição especial, reeditada no âmbito do centenário do início do grande conflito, será apresentada no próximo dia 18, quarta-feira, no Forte do Bom Sucesso, por gentileza da Liga dos Combatentes. 
Eu e o Aniceto Afonso, os autores e os editores teríamos o maior prazer em contar com a vossa presença e com o vosso bom acolhimento a esta obra. 

Antecipadamente gratos, com os nossos melhores cumprimentos e os votos de Umas Festas Felizes. 
Junto segue o convite

C O N V I T E

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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12374: Agenda cultural (297): Comemorações do 1º de Dezembro, em Lisboa, na Av Liberdade, 14h30: 18 bandas filarmónicas e mais de mil músicos em desfile, culminando na interpretação conjunta de 3 hinos patrióticos, Maria da Fonte, Restauração e Nacional

Guiné 63/74 - P12436: Boas Festas (2013/14) (3): Sublime ternura de avô ( Manuel Luís R. Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com data de 7 de Dezembro de 2013:

Camarada e amigo Carlos Vinhal:
Há quarenta anos atrás, nós, os ex-combatentes, na altura com cerca de vinte e dois anos de idade, em campanha na guerra colonial, éramos a preocupação dos nossos familiares. Entre eles, de uma maneira especial, na maior parte dos casos, destaco os nossos avós, cujas orações dirigiam aos céus para que voltássemos sãos e salvos daquele cativeiro de guerra.
Os anos passaram-se num ápice, os nossos avós, entretanto, já partiram, e hoje, quase todos nós, os ex-combatentes, com a idade que temos, já assumimos esse estatuto especial de avós.
Assim, para o publicares no nosso blogue, se o entenderes, envio-te em anexo um texto da minha autoria, como mensagem de Natal, em homenagem a todos os avós e em especial àqueles que, como nós, foram combatentes na guerra colonial que gozam já desse mesmo estatuto.

Festas felizes para todos, e para os vossos netinhos, são os votos desse vosso amigo e companheiro
Manuel Sousa


Sublime ternura de avô

Um “shopping” a abarrotar de gente, num corrupio frenético das últimas compras de Natal.

Um homem idoso, quase a ser “atropelado” pela multidão em movimento, permanecia ali estático, curvado pelo peso dos anos, com um CD na mão.
Perante a indiferença de todos, dispersava o seu olhar em redor, deixando transparecer que se sentia ali perdido, deslocado, naquele turbilhão de gente anónima e que procurava algo, eventualmente relacionado com o objecto que tinha na mão, para o qual também olhava com ar de quem não percebia muito daquilo.

Quando eu passava por ele, timidamente, com o CD nas suas mãos trémulas, com marcas da vida, dos muitos anos que já tinha vivido, interpelou-me de uma forma tão peculiar como simples:
- Por favor, diga-me se esta música é das que faz “bum..., bum..., bum.”

E prosseguiu, com a mesma simplicidade, ao mesmo tempo que afagava aquele CD, qual tesouro que detinha nas suas mãos:
- Sabe, agora no Natal, quero oferecer uma música ao meu neto, mas tem de ser uma dessas que faz “bum... bum... bum” que é das que ele mais gosta.

Resistindo um pouco à tentação de me rir, pela graça que achei à forma original como o ancião identificou a música que desejava, dei-lhe a minha opinião, ao que ele agradeceu, e prossegui nas minhas compras embrenhado na corrente da multidão.

Pouco depois dou comigo a pensar naquele quadro de afectividade e ternura que o velhinho me suscitou e, sobretudo, na forma como ele me abordou, a braços com a difícil escolha do tipo de música que pretendia, tão diferente das modinhas da “tirana” e do “malhão” do seu tempo de juventude, que, seguramente, nessa época, não vinham empacotadas em CDs.

Que privilégio o meu, pensava eu, ter sido abordado por este homem simples, que, pelo que vi, com o coração a palpitar, quiçá com mais vigor do que a batida da música que procurava, me revelou o quanto idolatrava o netinho!

Porém, entregue a esta meditação, uma forte nostalgia me assaltou a alma ao projectar nele a imagem dos meus avós, já falecidos, que, também, tanto me protegeram e mimaram com a generosidade dos seus desvelos.

Nesta quadra festiva que se aproxima, não quis deixar de partilhar convosco esta singela mensagem de Natal, com base numa história verídica em que fui interveniente, por forma a contagiar-vos pelo simples mas sublime gesto deste, também, anónimo avô.

Provavelmente despertará em vós, os que ainda têm o conforto da sua companhia, a consciência de que, um dia, eles irão partir, e, mais tarde, tal como eu, e tantos outros que já os perderam, em qualquer “shopping” ou ao virar de qualquer esquina, algo encontrareis que vos trará à mente a memória desses vossos entes queridos.
Nessa altura, só já restará essa mesma memória e, consequentemente, a saudade.
Assim, enquanto é tempo, desfrutai ao máximo da sua companhia.
Enquanto tiverdes a ventura da sua presença nas vossas vidas, escutai com enlevo a brandura das suas palavras, tantas vezes de alento e de conforto, acompanhadas de um afago, de uma carícia.

É consensual que eles são uns “corações de manteiga” que se derretem pelos netos, em que estes, por sua vez, se “lambuzam”.
É flagrante, também, que entre as duas gerações se estabelece uma relação de cumplicidade, como que um insondável pacto secreto ou “cambalacho” que os liga numa simbiose perfeita.
Se dúvidas houvessem sobre isso, com a ternura do nobre gesto daquele desconhecido avô no “shopping”, a que não resisti descrever, elas seriam dissipadas.
Só eles, de facto, os avós, têm o condão especial de, desta forma, afectuosamente se darem.

Manuel Sousa
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Notas do editor

Imagem das mãos retirada da página Sexo Forte.net, com a devida vénia

Último poste da série de 10 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12427: Boas Festas (2013/14) (2): Álvaro Vasconcelos, Amaral Bernardo, Eduardo Estrela, J. C. Lucas, J. Mexia Alves, João Lourenço, José Colaço, Tony Levezinho