sábado, 2 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12242: Blogpoesia (358): Ele ensinou-nos a viver a sua ausência, / mas nunca com a saudade que temos dele (Juvenal Amado)


1. Mensagem do Juvenal Amado, com data de ontem:


Luis , Carlos, Virginio, Eduardo:  escrevi em memória do meu pai mas,  não querendo ultrapassar os limites em que cada um preste homenagem aos seus, dedico este texto a todos os nossos ausentes, Juvenal Amado.
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Nesta altura das nossas vidas em que  colecionamos retratos do passado, cumpre-se um ritual de ausência e saudade. Hoje é dia dos nossos que já partiram, mas que nunca poderemos esquecer.

Transmitir aos outros os nossos sentimentos,  sem pudor e sem reservas, é prolongar as memórias e não permitir que a sua passagem pelas nossas vidas se perca para sempre debaixo dos desafios do futuro.


Ali está para sempre  imóvel no meio de nós. 
Olhamo-nos numa pergunta muda, como é possível?
Esta dor indescritível, 
esta ausência que se anuncia, 
este vazio, 
este silêncio quase já sem lágrimas,
era o prelúdio da vida inteira sem ele.

Na casa ainda dele, 
arrancaram-se as portas dos lemes, 
subiram-no a pulso pelas escadas íngremes 
para que se cumprisse a sua última vontade. 
Velamos o seu corpo, 
na sua casa e no meio dos seus.

Dezenas de amigos passaram as portas escancaradas, 
subiram as escadas naquela noite fria de Janeiro, 
olharam o meu pai 
e cada um de nós 
como tudo se passasse de forma irreal, 
como se fosse uma pantomina trágica, 
em que cada um ocupava o lugar deixado vago 
com a sua partida desta vida.

Quantas conversas ficaram por acabar?
-Foi melhor assim! -
diziam-nos à laia de consolo.

Cada abraço que recebíamos 
era como uma prensa, 
esmagava-nos com a realidade, 
porque não há,  e nunca pode haver, 
conforto para o irremediável.

Tínhamos assistido ao último acto heroico daquele homem.

Conhecíamos as lutas, 
os seus sacrifícios, 
o seu amor, 
o seu profissionalismo, 
o seu acreditar inabalável, 
a sua enorme capacidade de pôr os outros primeiros, 
e acabamos por conhecer a sua capacidade de partir 
sem uma queixa, 
sem uma revolta, 
sereno 
e com a altivez de quem sabia há muito 
que aquele era um tempo que findava 
e sem retorno.

Estava com ele quando o médico desenrolou o verídico. 
Recebeu a terrível notícia como quem já sabia 
e, a sós, disse-me “isto fica entre nós”, 
como se fosse possível eu calar-me 
e carregar sozinho o peso da enorme desgraça 
que se abatia sobre nós.

Nós ainda tínhamos esperança, 
ele queria que nós a tivessemos 
e nunca estivemos tão unidos.

Ele ensinou-nos a viver a sua ausência, 
mas nunca com a saudade que temos dele.

Juvenal Amado 

[Fixação de texto: L.G.]
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Nota do editor:

10 comentários:

Luís Graça disse...

Juvenal:

Tomei a liberdade de pegar no teu texto em prosa, e dar-lhe uma estrutura poética, sem tocar um milímetro no seu conteúdo.

Podemos lê-lo agora em voz alta, à volta da mesa, no seio da família, na roda de irmãos, filhos, netos... Podemos dizê-lo com solenidade, gravidade, comoção e emoção... Como se fora uma oração fúnebre...

Obrigado, é uma texto poético de grande sensibilidade, que pessoalmente muito me tocou, e que tem uma função de catarse, ajudando-nos a superar a angústia deste dia em que nos lembramos de todos os entes queridos, pais, parentes e amigos, que fizeram mais recentemente a sua última viagem, a do "barco de Caronte" (como diziam os gregos da Antiguidade Clássica)...

A posia é, sempre foi, um punho erguido contra a angústia que nos provoca a morte, a separação, a perda...

É bom ver-te por aqui, de tempos a tempos... Por exemplo, neste dia...

Anónimo disse...

Meu amigo Juvenal!

Faço minhas as palavras do Luís Graça!
Faço minhas, as suas palavras!
Podemos e devemos ler o seu poema, porque ele diz o que muitos de nós sentimos, nós, os da nossa geração, que vivemos e assistimos aos sacrifícios, que os nossos pais faziam, para ultrapassar as mais duras provações, mantendo altíssima a dignidade, e transmitindo no amor que nos deram, o tudo que faltáva materialmente.
Obrigada Juvenal! Obrigada!

Um abraço forte e fraterno da amiga

Felismina Mealha

antonio graça de abreu disse...

Muito bem, meu caríssimo Juvenal, Homem de Bem, como o teu querido Pai.

Abraço forte,

António Graça de Abreu

MANUEL MAIA disse...

CARO JUVENAL,


TENHO A FELICIDADE DE TER VIVOS OS MEUS PAIS,EMBORA JÁ TIVESSE SENTIDO ESSE VAZIO IMENSO QUE NUNCA SERÁ PREENCHIDO MIL ANOS QUE VIVESSE, AQUANDO DA PARTIDA DA MINHA FILHA...

É INEXPLICÁVEL...

COMO EU TE COMPREENDO,MEU AMIGO.

PODERÍAMOS ESCREVER CONTÍNUAMENTE,PROCURANDO REBUSCADAS PALAVRAS DE CONSOLO,CATANDO NO FUNDO DO SER A QUE CONSIDERÁSSEMOS MAIS CERTA,MAIS ADEQUADA, A QUE OBJECTIVAMENTE PUDESSE TER O CONDÃO DE DIMINUIR ESSA DOR QUE SENTES,MAS SABEMOS QUE É IMPOSSÍVEL,PORQUE O VAZIO ESTÁ LÁ.

HÁ PERDAS QUE SÓ QUEM AS SOFRE COMPREENDE...



UM GRANDE ABRAÇO AMIGO.

Hélder Valério disse...

Caro amigo Juvenal

Diz o Luís que transformou a tua prosa em poesia. Fez bem, porque o que está escrito, em termos de corresponder a uma despedida, ganha bastante ao ser assim embelezada.

As palavras estão lá todas.
O elogio a toda a uma vida de trabalho, de confiança, de acreditar, de solidariedade, de exemplo. Está também o 'sabor do irremediável'. A confissão do peso excessivo da 'carga' do teu conhecimento do que se sabia ser o desfecho.
Mas, escritas assim em estilo de verso, ganham a aura que lhe assenta muito bem.

Juvenal, já que dedicas este trabalho, neste dia de culto aos mortos, a todos os nossos pais, agradeço as tuas palavras e a tua intenção, e peço-te que aceites um forte abraço.

Hélder S.

Anónimo disse...

Joaquim Luís Fernandes

Caro camarigo Juvenal

Na comunhão de sentimentos, manifesto a minha gratidão pela tua partilha deste texto poético, nobre expressão da tua alma.

A dolorosa experiência da definitiva separação física daqueles que mais amamos, deixam-nos no coração uma mágoa, qual fogo que não se extingue.

Consola-nos esta possibilidade de os tornar presentes, neste execício de diálogo interior e profundo, nesta outra nova dimensão da vida, do espaço infinito e intemporal, do mistério da eternidade.

O meu forte e fraterno abraço
J.L.F.

Torcato Mendonca disse...

Eu mando-te um abração, meu caro Juvenal.

Gostei do que nos transmites com essa tua sensibilidade de sempre.

Abraço fraterno do, T.

Anónimo disse...

Juvenal,
Deixa-me sómente dar-te um abraço de agradecimento.
José Câmara

admor disse...

Caro Juvenal,

Adoptei a tua prosa transformada no teu poema para uma homenagem aos meus pais.
Perdoa a usurpação e em paga dou-te um grande abraço de solidariedade.

Adriano Moreira

Mário Vasconcelos disse...

Partilho na integralidade dos teus sentimentos paternos.E, no íntimo, fiquei com as tua belas palavras e dediquei-as a meu pai e minha mãe, que Deus tenha em eterno e merecido descanso. Em breve(?) virá, a nossa barca nos buscando. Apenas desejo para os meus a certeza de que nunca os
esqueci. A certeza de que os levarei para sempre nos meus olhos e no meu sentir.