sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12092: Notas de leitura (523): "Missão na Guiné", publicação do Estado-Maior do Exército e "Histórias de Guerra, Índia, Angola e Guiné, Anos 60", por José Pais (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Junho de 2013:

Queridos amigos,
Não tive o privilégio, quando cheguei à Guiné, de me oferecerem a brochura “Missão na Guiné”, apresentado como uma ferramenta necessária para eu construir uma primeira ideia da província. Gostaria imenso de saber quem recebeu a brochura que até não esquecia os leitores mais exigentes propondo-lhes que fossem a bibliotecas à procura dos “Subsídios para a História da Guiné e Cabo Verde”, de Senna Barcelos ou “Os Movimentos Terroristas de Angola, Guiné e Moçambique”, por Hélio Felgas, hoje parece uma pitada de humor negro. E, valha-nos isso, a brochura fornecia mesmo uma síntese de conhecimentos que qualquer um teria tido a satisfação de receber.
Volto a lembrar-lhe que José Pais é um escritor de primeira água, como estas “Histórias de Guerra” comprovam, é inadiável a família procurar editor para um trabalho tão valioso, para nós e gerações vindouras.

Um abraço do
Mário


"Missão na Guiné"

Beja Santos

Editado pelo SPEME (Serviço de Publicações do Estado-Maior do Exército), “Missão na Guiné” (1967) era apresentado como a publicação onde o combatente iria encontrar as ferramentas necessárias para construir uma primeira ideia da Guiné. As ferramentas eram arrumadas em três secções: aspeto físico, aspeto humano e aspeto económico. O primeiro aspeto bizarro do texto era o de recomendar a leitura de algumas publicações que facilmente que podiam conseguir em qualquer biblioteca pública: “Crónicas dos Feitos da Guiné”, por Eannes de Azurara; “Guiné Portuguesa”, por Avelino Teixeira da Mota; “Guiné Portuguesa”, por Luís António de Carvalho Viegas; “História da Guiné”, por João Barreto; “Os movimentos terroristas de Angola, Guiné e Moçambique”, por Hélio Felgas e “Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné”, por Christiano José Senna Barcelos.

Os autores da publicação apelavam ao combatente para respeitar as populações, os soldados nas suas relações com as populações deviam pautar-se como o modelo de dignidade, um exemplo de compostura, cortesia e humanidade. E para que não subsistissem dúvidas, a publicação abria com versos de “Os Lusíadas”, Canto VII:

“Vós, Portugueses, poucos, quanto fortes,
Que o fraco poder vosso não pesais;
Vós, que à custa de vossas várias mortes
A lei da vida eterna dilatais”.

Oferecia-se ao combatente noções elementares do aspeto físico, abrangendo o relevo e a hidrografia, o clima e a vegetação. Quanto ao aspeto humano, fazia-se uma descrição de todos os grupos étnicos; enumeravam-se os principais centros populacionais, o tipo de governo e de administração.

Quanto ao resumo histórico, chamava-se a atenção para a confusão e a violência que tinham alastrado por quase todo o continente africano logo após II Guerra Mundial: “Em busca de uma impedância que, na maioria dos casos, não podia servir os seus próprios interesses, os povos africanos tornaram-se presa fácil para a rede de subversão preparada, desde há muito tempo atrás, pelo comunismo internacional”. E, mais adiante: “Em princípios de 1959, Amílcar Cabral – um cabo-verdiano renegado, engenheiro agrónomo pela Universidade de Lisboa e funcionário público em organismos da Metrópole e da Guiné -, após ter visitado a União Soviética e outros países comunistas, decide iniciar a organização da luta das províncias da Guiné e Cabo Verde”. Em jeito de balanço sobre a guerrilha desenvolvida nesses anos, escreve-se: “A atividade daqueles bandos, que desde o início utilizaram armamento moderno das mais variadas origens, tem-se feito sentir em todo o Sul da Província, faixa entre o rio Cacheu e a fronteira Norte, na tradicionalmente insubmissa região do Oio, no triângulo Xime-Xitole-Bambadinca, no Boé e no canto NE da Província. A resposta das nossas tropas não se fizera esperar, os nossos soldados confirmavam na Guiné as capacidades de adaptação a novas gentes, característica de um povo que, como nenhum outro, sempre soube viver entre gentes de todas as raças e de todos os credos".

Dava-se ainda um quadro sobre saúde e instrução pública, religiões, imprensa e rádio.

Quanto ao aspeto económico, destacava-se a importância da agricultura e florestas, pecuária e pesca, recursos de origem mineral (dando como certo e seguro a existência de petróleo), energia e vias de comunicação, ligações marítimas e fluviais, indústria e comércio.

A publicação incluía legislação militar acerca dos vencimentos normais diários e gratificações das praças oriundas da metrópole e recordava a subvenção de família. No respeitante à correspondência postal, realçavam-se os aerogramas, as encomendas e correspondência selada. Por último, o soldado ficava a saber como podia ouvir a emissora nacional e como se faziam as ligações aéreas entre a Guiné e a metrópole.

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"Histórias de guerra, Índia, Angola e Guiné, Anos 60", por José Pais

Já aqui se fez recensão do livro “Coisas de África e a Senhora da Veiga”, por José Pais, um oficial do Exército que fez quatro comissões, uma na Índia, duas em Angola e outra na Guiné. Anos depois de uma edição de autor, resolveu dar à estampa em texto ampliado sobre o título “Histórias de guerra, Índia, Angola e Guiné, Anos 60”, Edições Prefácio, 2002.

José Pais é um notável contador, maneja habilmente as frases cortantes, tudo com um sabor à economia de relatórios abreviados. As novidades nesta edição são o capítulo dedicado à Índia, a sua participação antes e depois do 25 de Abril em lutas a favor da liberdade.

É uma pena que esta prosa assombrosa esteja completamente esgotada, é um imperativo a sua reedição, atenda-se ao facto de que se deve a José Pais relatos singularíssimos sob a queda do Estado português da Índia, sob os primeiros tempos da guerra em Angola, andou por Quipedro, entre Zala e Nambuangongo, na região dos Dembos, na Guiné ficou severamente ferido na região de Farim.

Se eu já era seu adepto incondicional pelo que escreveu sobre a Guiné e Angola, mais seduzido fiquei com o relato da invasão do Estado da Índia pelos exércitos da União Indiana e vicissitudes subsequentes. Era o alferes mais antigo, coube-lhe avançar imediatamente para as posições defensivas, cerca de dois mil homens aquartelados no mastodôntico Convento de Santa Mónica, mais a baixo do grandioso Convento de Bom Jesus, onde repousam as relíquias de São Francisco Xavier. Chegam a Banastarim, ai a missão seria rebentar a ponte, depois dirigiram-se a Agaçaim, aí a missão era impedir a progressão do inimigo para a península de Mormugão. Mostra a pobreza do armamento português e o ataque indiano no alvorecer do dia 18 de Dezembro de 1961, liquidaram as comunicações, tornaram impraticável o aeroporto, atacaram o Aviso Afonso de Albuquerque. O general Vassalo e Silva rendeu-se, os militares portugueses foram para o campo de Alparqueiros, campo de prisioneiros de guerra: “Durante dois dias foi o caos entre os 1600 prisioneiros do campo de Alparqueiros. Disputava-se tudo a murro: camas, colchões, mantas, comida, beatas de cigarros e, sobretudo, água. O egoísmo feroz e animal veio ao de cima. Deixaram de ser gente civilizada, comportando-se como bichos lutando pela sobrevivência”.

É imperdoável que um livro tão bom não esteja à disposição das novas gerações e dos companheiros de guerra de José Pais.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12074: Notas de leitura (522): "No Ocaso da Guerra do Ultramar", por Fernando de Sousa Henriques (2) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Anónimo disse...

Mário

Por coincidência, recebi hoje, a meio da tarde, um mail do meu Amigo que prometeu fazer o contacto com a Família do Cor. José Pais. Diz-me que dará notícias na próxima semana.
Como, afinal, tenho o livro ainda comigo, estive a relê-lo mais cuidadosamente e fiquei "siderado" com o texto da pág. 139 - "Um malmequer".

Um abraço
Alberto Branquinho