sábado, 15 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11710: Blogpoesia (345): Estou vivo (Ernesto Duarte)



1. Mensagem do nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67) com data de 27 de Maio de 2013:

Cumprimentando todos os meus amigos do blogue
Cumprimentando todos os meus ex-camaradas
Eu atrevo-me a escrever duas linhas
Para dizer que estou vivo
E sempre revoltado, contra a fórmula deste mundo
Eu não sou nada
Eu não sou ninguém
Estou cansado
Muito cansado
Estou intranquilo, algo me incomoda
Morro de saudades do que vivi
Morro de saudades do que não vivi
Quero olhar só a beleza das rosas,
Mas só vejo figuras desuni formes, medonhas
Ou talvez sejam políticos
Metem medo, suas fisionomias quadradas
Fazem lembrar portas de crematórios
Que em resultado das novas tecnologias e redução de custos
Só passarão a aceitar utentes que se desloquem pelos seus meios
São sempre escuros como as longas noites de temporal
Até os relâmpagos são escuros,
As estrelas são escuras
Não iluminam a noite, queimam a noite
No meio dessas figuras desuni formes medonhos
A minha serra chama por mim
Eu parto
O passo é incerto, por caminho duro e pedregoso
Sofro da bebedeira da idade
E da falta de força por muito ter andado
Deixo para trás casas conhecidas, com gente estranha
Tudo mudou, eu mudei
No meu olhar não consigo ver a beleza das rosas
Só vejo os seus bicos enormes
Aliados ás figuras medonhas,
Ás figuras de morte
Continuo a andar
O passo é cada vez mais incerto, mais lento, já é trôpego
É já com muita dificuldade que continuo a subir a minha serra
Já não tem pássaros
Só tem insectos
Insectos enormes, alimentam-se de restos humanos
A velha fonte já não existe
A pedra que servia outrora de banco, está lá e ri-se
A árvore enorme em sua frente de quem tinha ciúmes
As pessoas sentavam-se mais pela sombra, do que pelo conforto do assento
Está moribunda
Tem muitos braços já mortos
Os poucos que ainda tem estão quase sem folhas
O cenário já não é alegre, é triste
É triste como eu e tudo ali é um cenário fúnebre
Não passa ninguém
Está deserto
Há muitos anos atrás sentava-me ali e pensava
Sentava-me ali e pensava que ia partir
Que mais amanhã mais depois ia partir para o Ultramar
Se não voltasse quantas saudades iria ter de aquele sitio
Como eram dolorosos esses pensares
Tocaram-me balas na pele
Vi muita violência, desnecessária
Toda a violência é desnecessária
Vi muito sofrimento
Vi muito sangue
Vi muita lágrima derramada
Chegou a abençoada hora do regresso
E eu acreditei no mundo melhor
Vibrei com os grandes inventos para o bem da humanidade
Vibrei com todas as máquinas que iam aparecendo
Para tirar o trabalho ao homem
Estava já muito esquecido o sofrimento dos outros tempos
E aquela terra amada e odiada lá ia
Mas hoje aqui sentado na minha pedra
Onde foi meu cenário de sonho e esperanças
Eu trémulo, mas hei-de vender o último suspiro
Eu digo outra vez com os olhos rasos de lágrimas e cheios de saudade
Deixando um cumprimento fraterno a todos os camaradas
A todos os camaradas e amigos
Quarenta e muitos anos depois ai estamos
Digo a alegria de voltar não tem descrição
É indescritível, só quem a viveu, a pode entender
Mas aquela parte em que deveríamos ter contribuído para um mundo melhor
Onde ficou
Toda a tecnologia que vimos nascer
E que acarinhamos
Penso que não correspondeu às expectativas
De povos carentes e com dificuldades
Penso que a nós, a muitos de nós particularmente já mais perto do fim
Levamos um pontapé dado com outra bota talvez,
Mas da mesma grandeza daquele
Que levamos já há muitos anos atrás
Oxalá que seja eu que estou num mau observatório
E estou a ver tudo errado.

Ernesto Duarte
Mansabá 
Mores – Oio

Foto: Natura Algarve, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11691: Blogpoesia (345): War is over, baby [ A guerra acabou, querida] (Luís Graça)

1 comentário:

Bispo1419 disse...

Olá Ernesto!
Estás vivo e bem vivo!
NADA é que tu não és!

Força, amigo! Abração!
Manuel Joaquim