sexta-feira, 17 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11581: Notas de leitura (481): Os Portugueses nos Rios da Guiné (1500-1900), por António Carreira (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Janeiro de 2013:

Queridos amigos,
Creio não me exceder ao tratar este livro de António Carreira como uma obra ímpar no panorama das historiografia da Guiné.
É uma síntese muito bem elaborada destes séculos de presença portuguesa. Carreira desmistifica e chama os bois pelos nomes.
Deixa bem claro que se precisou de esperar pelo acordo luso-francês de 1886 para encontrar as potencialidades económicas da Guiné, a partir do novo quadro de fronteiras começa o comércio das sementes destinadas a óleos e sabões, que tanto interessarão a CUF, um pouco mais tarde. E as alianças dos portugueses com os Fulas serão estabelecidas nas operações de pacificação.
Para ler e para não perder.

Um abraço do
Mário


Os portugueses nos rios da Guiné (1500-1900), por António Carreira (2)

Beja Santos

Na recensão anterior, destacou-se a importância deste título fundamental de António Carreira, é uma investigação tão pertinente e rigorosa que merecia, com a maior urgência, e na falta de manuais históricos acessíveis, a sua republicação. Carreira destaca algumas das causas do fracasso da ocupação dos rios da Guiné, enumera as pontas, presídios e praças de tratos e resgates, faz uma súmula da situação até finais de 1600.

Temos agora o período que vai de 1700 até meados de 1800, caraterizado pela desorganização das trocas comerciais, avolumam-se as queixas, é um tempo de semiabandono, como alguém escreveu “As praças da Guiné viram-se na primeira parte do século XVII abandonadas de quase todos os brancos, que dantes ali mantinham considerável comércio, muito dele transportado para o Brasil”. Em Junho de 1707, o capitão-mor Paulo Gomes de Abreu de Lima informava Lisboa “Que em Cacheu não havia em pé um baluarte, nem restavam vestígios de fortificações; chamavam fortalezas a uma casa que de forte só tinha o nome”. Todos os depoimentos coevos apontam para a ruína das fortificações, insuficiências de guarnições militares, um estado de recessão comercial, ausência de navios de longo curso, falta de rendimentos para as mais elementares despesas. A despeito desta situação crítica, a documentação relativa ao período de 1788 a 1794 mostra que saíram de Cacheu e Bissau mais de 6 mil escravos encaminhados para o Maranhão e Pará.

Quando se chega a meados do século XIX, as praças existentes são: Bissau, Geba, Fá, Cacheu, Farim, Ziguinchor, Bolor, Bolama e Ilhéu do Rei. É neste período que se dão importantes lutas étnicas que levarão a novas arrumações da população. Segundo Carreira, é indispensável analisar o que era então o povoamento das regiões a partir do baixo Casamansa até ao rio Corubal e a sul deste até ao rio Cacine. A área que se designa por Grande Cabú era ocupada (crê-se) desde os séculos XIII/XIV por Mandingas do ramo Soninqué que se espraiavam para ocidente, até Farim e o Oio. O alto e o baixo Geba estavam ocupados por Beafadas e a oeste destes o território tinha predominantemente Balantas.

Por Bolola era conhecido todo o território compreendido até sul do Corubal até entestar com o rio Cacine, este a sul ocupado por Nalus e Landemãs, até então designados por Cocolis. No segundo quartel do século XVIII os Fulas penetraram no Cabú, os Mandingas deram o seu assentimento à fixação deles, a população Fula foi crescendo acentuadamente no tempo seguinte. Um ramo destes Fulas, os Fulas-Pretos, para escapar à escravização iniciou, em meados do século, o seu êxodo para o sul, atravessaram o Corubal, no território de Bolola. É um período de grandes batalhas em que o poder no Cabú fica na mão dos Fulas-Forros. Os Fulas-Pretos, mal chegados ao chão dos Beafadas quiseram, instalar-se, houve novas lutas étnicas. Entretanto, cerca de 1863-1864, Mussá Moló, invade o Cabú vindo de Casamansa. Anos depois o régulo suserano do Cabú decretou a anexação do território de Bolola (já então designado por Forriá). A luta transformou-se numa autêntica guerra santa e os derrotados foram submetidos pelos grupos islamizados dominantes: os Fulas-Forros e os Futa-Fulas. Sem se entender o papel conciliador das autoridades portuguesas com estes dominadores Fulas não se percebe a aliança que os Fulas irão estabelecer com as autoridades portuguesas até à independência da Guiné-Bissau.

No norte, fruto de uma total negligência das autoridades portuguesas, foi crescendo a influência francesa, como Carreira observa: “Com a ocupação pela França, em 1827, da barra do Casamansa, seguida da de Selho, em 1838, a assinatura do acordo de 1886 ratificou o poder francês na costa ocidental, designadamente no Futa-Djaló”. As autoridades portuguesas e francesas entenderam-se e foram cerceando o poder dos régulos. Os conflitos, com o novo traçado das fronteiras, não pararam. Carreira deplora o facto: “O traçado das fronteiras foi feito arbitrariamente, alheando-se das realidades, sem nenhum respeito pela posição dos grupos étnicos nem obediência a limites naturais do terreno”.

Findo o tráfico de escravos, as potências coloniais lançaram-se num novo quadro económico, vai ser o período da conquista de sementes para a produção de óleos comestíveis e para o fabrico de sabões. Carreira estudará aprofundadamente esta matéria na sua obra “Os documentos para a história das ilhas de Cabo Verde e rios da Guiné”. Como se compreenderá, a mancarra, o óleo de palma e coconote só se poderiam obter quando as populações abandonassem as guerras. É esse o móbil principal para as operações da pacificação e para lógica das alianças que as autoridades portuguesas irão estabelecer na Guiné.

António Carreira resume assim a situação entre 1700 e meados do século XIX: em pouco mais de século e meio, os portugueses tinham esgotado toda a capacidade de iniciativa, expulsos lentamente das várias zonas da costa, para depois se emprenharem no tráfico de escravos, já então como meros intermediários ou agentes de estrangeiros. A partir de 1886, ficaram encurralados num espaço geográfico cuja posse lhe veio a ser reconhecida internacionalmente e que na realidade se mostrava mais proporcionado com a sua efetiva capacidade realizadora.

O comércio na Guiné mudara radicalmente. As guerras e razias fizeram cessar em definitivo as caravanas que a Geba e a Buba vinham vender marfim, cera, bandas de algodão, couros, e a adquirir sal e bens de consumo corrente. Sem esse fluxo de negócios, urgia estimular novos processos agrícolas, data desse tempo uma série de iniciativas para potenciar a agricultura da Guiné. A título exemplificativo, recorda-se o famoso documento que o general Dias de Carvalho escreveu depois da sua prolongada estadia na Guiné e onde alvitrava uma série de culturas que se dariam bem com os solos guineenses. Essa tónica presidirá a um conjunto de tentativas que se estenderão até ao século XX, é o caso da tentativa de cultura açucareira no rio Gambiel, que será retomada ainda que sem êxito, no tempo de Luís Cabral.

O trabalho de António Carreira prossegue com a análise da situação de 1850 até ao dealbar do novo século. Regista que nesse período existia uma praça, quatro presídios, uma ponta ou um posto e a ilha de Bolama. E avança com dados retirados de vários relatórios, alguns deles com números desencontrados mas que surpreendem. Geba teria cerca de 3 mil habitantes, um forte núcleo cristão e uma guarnição de 6 praças. Em Fá havia uma casa comercial e um destacamento com 3 praças, o que mereceu a observação de Honório Pereira Barreto “pequeno e ridículo posto”. Cacheu era uma sombra do passado, mas mesmo assim tinha 150 habitantes brancos ou mestiços e uma guarnição de 41 praças. E à volta de Bissau a tensão era permanente, os régulos de Intim e Bandim não davam descanso à guarnição e aos comerciantes que viviam dentro da fortaleza.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11562: Notas de leitura (480): Os Portugueses nos Rios da Guiné (1500-1900), por António Carreira (1) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá Camaradas
De novo voltamos ao tema da evolução da Guiné ao longo dos Séc..
Este tipo de análises e divulgação de acontecimentos é fundamental para que se conheça o que esteve na "base de tudo o que sucedeu depois". A historiografia portuguesa tem má memória e isso é mau.
Recordo que os factos históricos são consequência uns dos outros e que a geração espontânea aqui não funciona.
Meditemos no que os antigos deixaram escrito.
Um Ab
António J. P. Costa