terça-feira, 14 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11568: Bom ou mau tempo na bolanha (9): No "mato" (Tony Borié)





Nono episódio da série do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66) Bom ou mau tempo na bolanha.



Andamos todos, ou quase todos fartos de falar em guerra, todos os antigos combatentes, que andaram pelo cenário de conflito, lá, no meio do que diziam ser “o mato”, a uma certa altura, como quase todos compreendessem, até diziam:
- Vou para “o mato”, estou “no mato”, nunca mais saío “do mato”, aquele meu companheiro morreu “no mato”, os guerrilheiros estão “no mato”, aquela emboscada foi “no mato”, amanhã vamos sair para ”o mato”, aquele gajo vem todo fod... “do mato”, parte do aquartelamento está situado no “mato”, os da capital, os “Cifras” e toda aquela cambada de malandros, estão nos gabinetes e não sabem o que é “o mato”, aquele gajo é maluco, foi “no mato”!


Enfim, até parecia que “o mato” era a coisa mais importante da guerra, e talvez até fosse, mas o agora Tony, ao abrir o seu diário, que por sinal até é um rascunho muito mal feito de algumas peripécias, com algumas datas, onde vem sempre à frente, a descrição de mais um ataque ao aquartelamento, ou de um pedido de reforços, principalmente para os destacamentos de Encheia, Cutia ou na ponte que existia no “carreiro” para Porto Gole, onde uns tantos militares viviam acantonados em miseráveis abrigos, que mais não eram do valas abertas no chão, algumas cobertas com troncos de palmeiras, onde alguns diziam que quando morrerem já sabiam o que era ser enterrado debaixo de “sete palmos de terra”, ou de uns guerrilheiros que um grupo de combate trouxe para o aquartelamento, onde às vezes eram espancados pelos milícias que diziam para os capturarem pois eram homens que tinham ido “no mato”, portanto pertenciam ao grupo organizado, que lutava pela libertação do território. Surgiu uma pequena nota, que não fala de guerra, nem do que se passou “no mato”, que diz assim:

1965, Outubro, dia 30
- Fomos invadidos pela maior praga de mosquitos de que há memória até à data, pelo menos no parecer dos habitantes da vila de Mansoa. Não se podia sair à rua e falar, pois logo se introduziam na boca, nas orelhas, no nariz, nos olhos, eram milhões, que encobriam a luz do dia, zuniam, voavam, poisavam em tudo, ao caminhar, traziamos uma nuvem de mosquitos junto ao nosso corpo, não se vê ninguém na rua, quase todos os militares estão dentro dos mosquiteiros. Neste dia não ouve patrulhas nem qualquer movimento de tropas, simplesmente todos andavam aflitos e tentavam sobreviver.


Ao outro dia pela manhã, estava o tempo limpo, só com uma pequena brisa, não havia qualquer vestígio de mosquitos vivos, só se notava que tinham passado por ali, porque havia alguns, já mortos, no chão ou colados ao mosquiteiros.

O Cifra, foi à aldeia com casas cobertas de colmo que existia próximo do aquartelamento e perguntou se tinha havido mosquitos no dia anterior, responderam-lhe que sim, mas fogo e mésinho, fez sair mosquito.

O Cifra, ainda com algumas marcas, principalmente na cara, nos braços e nas pernas, marcas essas com um tom rosado, onde a pele aumentava um pouco o seu volume, ficou surpreendido e era obrigado a admirar este povo que tinha os seus remédios primitivos, que podiam ser de boa ou má qualidade, mas não eram feitos em laboratórios. Resistiam ao clima e às anomalias da natureza nessa Guiné africana, onde os europeus se viam aflitos para os suportarem.

Estavam e conheciam o seu continente.
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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11527: Bom ou mau tempo na bolanha (8): Os primeiros contactos e empregos (Tony Borié)

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