domingo, 21 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11436: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (32): 33.º episódio: Memórias avulsas (14): O desertor

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 9 de Abril de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS

14 - O DESERTOR

Das duas, uma... ou eu estava a ver mal... ou aquele com as mãos no ar e a "costureirinha" bem à vista, queria entregar-se à CCAÇ 1422.

Aproximava-se vindo do lado do que fora a estrada que ligava ao Olossato, agora desactivada e foi por adrego, que o topei, ao empinar para os gorgomilos, aquele saboroso digestivo oriundo da Scotland acompanhado que estava a ser com umas mancarras acabadas de torrar na chapa, quais pipocas fossem.

Tal com'a mim, outros deram pelo que estava a acontecer e em simultâneo, dirigimo-nos para a porta d'armas, onde por acaso até m'arranhei ao desviar o "cavalo de frisa".

Requerida a urgente presença do enfermeiro chefe, logo este me besuntou e na falta d'álcool, com uma mézinha "distiled, blended e bottled" em Sacavém, que ao que se dizia era feita com água destilada e 1214 (uma espécie de tintura de iodo que tudo fazia sarar, excepto as nódoas da alma) e qu'até se bebia na falta do conhecido Vat 69.

Tínhamos a tiracolo, como sempre colada ao corpo, a prima G3, em posição não ofensiva, mas o que poderia acontecer rápidamente.

Em silêncio desconfiado arguardávamos, mas no entrementes afastei dali alguns camaradas, pois que o "tudo ao molho" poderia tornar-se perigoso e porque até nem sabíamos se não seria essa a intenção inimiga.

A cena parecia-me impossível de acontecer. Normal não era, vir um qualquer irmão Dalton incomodar-nos a horas tais, mas de qualquer forma íamos já antecipando os problemas que costumavam resultar quando se tinham de organizar colunas para levar prisioneiros a Bissau.

O inédito prendia-se com o facto de estarmos a ver em directo, um IN armado e VIVO, considerando que nem na mata se deixavam bispar, aquando nos recepcionavam e só os víramos quando a iniciativa fora nossa.
Por isso houve sempre dificuldade em fazer estatísticas de quantos eram os feridos ou os eliminados.

Mais tarde soube como actuavam para não deixarem rastos e era assim: Constituíam três grupos... um, com as armas com que disparavam mal (em 1965/1966, que depois aperfeiçoaram-se com a ajuda dos cubanos); o 2º grupo tomaria o lugar dos do 1º se atingidos; o 3º, arrastaria os feridos e os que já não diziam nem ai nem ui e também as armas destes.

Daí que a contabilidade saísse quase sempre por excesso e só através da observação dos restos do líquido espesso que circula nas veias e artérias e que por ali ficara ensopando a terra já de si vermelha, só por aí repito, é que os números batiam mais ou menos certos.

Voltando ao desertor: Ia-se apróchegando. Eis senão quando se ouve um tiro lá longe... acordou os nossos sentinelas, tendo um deles, espavorido, gritado:" lá vêm eles"...o furriel de dia, esse por nada deu e continuou a sesta debaixo do embondeiro... e nós vimos o visitante parar... tremer... fugir e recuando para o caminho donde viera, desapareceu. Contaram-nos que foi agredido pelos seus, mostrado como exemplo a não seguir e punido como traidor.

Guiné > Regiãop do Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > Um prisioneiro do PAIGC.
Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.

(continua)
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Nota do editor:

Último poste da série de 7 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11356: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (31): 32.º episódio: Memórias avulsas (13): Como uma canção bem cantada pode ser uma dissuadora arma de guerra

2 comentários:

Tony Borie disse...

Olá Veríssimo.
Mais uma memória avulsa, que envolvia a vida quase quotidiana de um combatente, que era G-3"s, aquartelamento, farda camuflada, guerrilheiros e claro, algum Vat-69!. Estas recordações, quase todas não muito alegres, fazem-nos continuar a caminhar, e isso é muito importante na nossa idade de ouro!.
Um abraço, Tony Borie.
Há, respondendo à tua questão no texto anterior, sim já nasceu e estou cada vez com a família maior e mais feliz!.

Tony Borie disse...

Olá Veríssimo.
Mais uma memória avulsa, que envolvia a vida quase quotidiana de um combatente, que era G-3"s, aquartelamento, farda camuflada, guerrilheiros e claro, algum Vat-69!. Estas recordações, quase todas não muito alegres, fazem-nos continuar a caminhar, e isso é muito importante na nossa idade de ouro!.
Um abraço, Tony Borie.
Há, respondendo à tua questão no texto anterior, sim já nasceu e estou cada vez com a família maior e mais feliz!.