sexta-feira, 12 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11382: Estórias do Juvenal Amado (48): Fizeram-me lembrar os "Doze Indomáveis Patifes"

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 25 de Março de 2013:

Luis, Carlos, Magalhães e restante Tabana Grande.
Mais uma pequena lembrança dos tempos de Galomaro.
Aproveito para agradecer a ajuda que o Luís Dias (ex-alferes da companhia do Dulombi CCaç 3491), que me confirmou quanto às informações operacionais das movimentações das nossas tropas e do PAIGC na nossa zona de acção.

Juvenal Amado


FIZERAM-ME LEMBRAR OS DOZE INDOMÁVEIS PATIFES

Alferes Dias em Galomaro com a MG42 

Lembrou há pouco tempo o ex-Alferes Dias da CCAÇ 3491 do Dulombi, que o BCAÇ 3872 até meados de Abril de 1972 só com três meses de mato já sofrera 12 mortos metropolitanos (4 em Cancolim – CCAÇ 3489 + 8 no Quirafo/Saltinho - CCAÇ 3490) mais cinco milícias e um desaparecido em combate (o Baptista também no Quirafo). Juntando aos mortos e os feridos, as baixas eram já consideráveis e em virtude disso, chegou a ser considerada a possibilidade de o Batalhão ser transferido para outra zona.

Tal não se veio a confirmar pois ao aumento da movimentação do IN, entre Cancolim (atacado várias vezes) e Galomaro onde atacaram várias tabancas como Cansamba, onde estava um pelotão da companhia do Saltinho, Bangacia, Campata (e ainda Bafatá pois o IN infiltrava-se passando perto do destacamento de Cancolim) posteriormente a própria CCS em Galomaro.

A este acréscimo da movimentação do PAIGC respondeu-se com medidas acertadas, que talvez tenham feito gorar os intentos do movimento independentista e assim para sacudir o assédio que vinham fazendo na zona, foram precisas várias intervenções dos pára-quedistas (logo em 1972) e, posteriormente, a transferência da CCAÇ 3491 que veio reforçar Galomaro e Cancolim (I GCombate). Também essa companhia “emprestou” para Piche o II Grupo de Combate do Luís Dias (e o III GCombate do Farinha). A certa altura Galomaro, também foi reforçada por um pelotão comandado pelo alferes Luís Borrega (em 1972) e outro de uma companhia independente (em 1973), onde estava um meu antigo colega de escola, Carlos Afonso

Pára-quedistas em Galomaro desta vez em 1973.

Mais tarde tivemos mais mortos e feridos (zona de Cancolim e zona de Galomaro) e um desaparecido em Cancolim (António Manuel Ribeiro) que veio a aparecer por ter conseguido fugir em Março de 1974 de uma prisão do PAIGC, usando o rio Corubal para se guiar até ao Saltinho.

Posteriormente alguns soldados vieram para o nosso batalhão alguns por castigo, como o caso de um madeirense expulso dos comandos, que integrou o Pel Rec e pelo que vou contar, também se recorreu a agrupamentos disciplinares para reporem os nossos mortos e evacuados.

Belo dia juntamo-nos todos para ver o grupo de soldados que tinha chegado em rendição das baixas de Cancolim. O aspecto deles não era o melhor e o estado das fardas era representativo das vicissitudes por que tinham passado até ali chegar. Todos a roçar mais os 30 do que os 20 anos, eram o retrato vivo de soldados que a indisciplina, o azar ou quem sabe fruto de uma certa revolta os atiraram para castigos na maioria com passagem pelas prisões militares.

Um tinha agredido um superior, alguns refratários, etc... depois já sabe, ou não se sabe onde existe a verdade e onde ela acaba.

Nisto ouço ao meu lado uma exclamação: Olha o Lino!!!!! 

- É um moço lá do mê bairro e há anos que o não via! - Dizia o Caramba naquela forma tão peculiar de falar e dando a perceber com expressão do rosto, que o Lino era de primeira apanha.

O Lino também o reconheceu logo e fez-se ali uma festa com umas cervejas à mistura.

O Lino contou imensas peripécias e as inúmeras “porradas” que levou na Metrópole às quais juntava outras tantas já na Guiné, com passagens pelo presidio militar. Via-se que pela cara dele, que há muito tinha deixado de se vangloriar dos seus feitos e que esses lhe tinham custado demasiado caro.

- Lembras-te de quando atiravas bombas de carnaval ao polícia com a fisga?

Todos nos rimos imaginando o pobre policia a ser bombardeado sem saber donde lhe chovia. Outras patifarias onde o Lino era figura principal foram recordadas e está claro, que elas eram bem presentes na memória do Caramba, que delas sabia em primeira mão ainda moço.

O Lino bem como os outros lá foram no mesmo dia para Cancolim na coluna que regressava de Bafatá.

Nós, com mais de um ano de comissão, não ficamos indiferentes à sua passagem por Galomaro e ao seu especto físico e ar arruaceiro, o grupo mais fazia lembrar os “Doze Indomáveis Patifes”, um conhecido filme americano sobre a II guerra mundial.

Nessa mesma noite Cancolim é atacada e lá vai o Lino evacuado para Bissau com um ferimento numa perna. Nada de especial e acabou por regressar mas, se não estou em erro, foi mais tarde evacuado com uma ulcera no estômago e, desta vez sim, nunca mais o vimos.

Nunca me esqueci do seu aspecto, sem dentes, muito moreno, pequeno e magro com um rosto algo sofrido, irreverente que se desarmou ao ser por nós tratado com amizade. É que ali debaixo daquele sol tórrido, éramos todos iguais.

Nota de rodapé:
- Os pára-quedistas foram usados várias vezes na nossa zona em 1972 e 1973 em Cancolim onde reforçaram o próprio destacamento. Foram largados entre Galomaro e Saltinho (íamos buscá-los quando caimos numa mina com um morto) e posteriormente no eixo Cancolim, Dolumbi, Madina de Boé. Também o grupo do Marcelino da Mata fez operações a partir de Galomaro após o ataque a Campata.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11279: Estórias do Juvenal Amado (47): Aquelas postas de bacalhau eram ouro

6 comentários:

Anónimo disse...

Camarigo Juvenal

Efectivamente estive em Galomaro, a reforçar o teu Batalhão, já na recta final da minha comissão. O meu BCav.2922, foi para o Cumeré, e eu com o 2ºGComb/CCav.2922 (que não era o meu) fui " estagiar" para Galomaro. Só que o meu posto não era Alferes, mas sim Fur.Mil.Cav.MA, pois o grupo não tinha Alferes.
Mas apraz-me dizer que gostei de estar em Galomaro, e fartei-me de me divertir com a " Furrielada" do teu Batalhão.
Mantenhas
Abraço

Luís Borrega

Anónimo disse...

Camaradas
Onde se lê CCav.2922, deve-se ler BCav.2922.

Luís Borrega

Luís Dias disse...

Camarigo Juvenal

Brindas a malta com mais uma excelente história e observações cuidadas e atentas da nossa zona de combate. Parabéns.

Um abraço.

Luís Dias

Juvenal Amado disse...

O Luís Borrega tantos anos depois subi-te de posto.
Bem não ,me venhas pedir retroactivos.

Um abraço

Luis Dias obrigado pelas informações e correções que fizeste ao que escrevi.

Um abraço

Juvenal Amado disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Hélder Valério disse...

Caro Juvenal

Apontamentos interessantes.
Gostei dessa associação de imagem aos "Doze Indomáveis Patifes", filme de culto e de escola para o desenvolvimento do tema de se utilizar condenados para a realização de "missão-impossível", com a promessa de no final ficarem com a 'folha limpa'. Vale essencialmente pela noção que se ganha de que é absolutamente indispensável criar um espírito de grupo para se atingir o êxito de uma missão, por mais heterogéneo que seja esse grupo.

Conheci dois soldados que também estiveram por lá na Guiné, oriundos de uma unidade disciplinar. Estiveram em Catió e o meu amigo e camarada Nelson Batalha travou bom relacionamento com eles durante o tempo em que esteve por lá no Posto de Transmissões do STM.
Um era o "Grelhas", que usava esse 'nome' como homenagem/referência à quantidade de prisões e detenções que já ostentava, uma das quais em Catió falsamente acusado (segundo ele) de ter partido uma costela a uma bajuda mas que ele jurava estar inocente pois apenas impediu com a bota, que estendeu, que a bajuda, que tinha tropeçado em alguma coisa, se fosse estalelar no chão.
Teve foi azar, porque a queda foi muito violenta e a bajuda era frágil, daí ter partido a costela.
O outro dava pelo 'nome' de "Ruisinho pugilista" e parece que era a 'ovelha negra' de uma boa família de Vila Nova de Gaia.

Abraço
Hélder S.