quarta-feira, 10 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11369: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (11): Poema

1. Em mensagem do dia 23 de Março de 2013, o nosso camarada  Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, BissauBissorã e Mansabá, 1965/67), enviou-nos a sua décima primeira "Carta de Amor e Guerra". 


CARTAS DE AMOR E GUERRA

11 - POEMA

Não tenho a mínima ideia de ter feito este “NÓS”, a que chamei poema livre, até porque vejo nele alguma qualidade e beleza.
É que a minha expressão poética nunca passou da “cepa torta”. Adoro poesia mas não sou poeta no sentido de a criar.

Na carta para a namorada, ter-me-ia “armado ao pingarelho” escrevendo “Sou eu o autor”?
Não sei, talvez me tivesse expressado mal, talvez quisesse dizer que era o autor, sim, mas daquela compilação de diversas expressões literárias e da sua ordenação em jeito de poema. Vou mais por aqui.

Já naquela altura conhecia bem o método de fazer este tipo de composições “poéticas”, tinha tido formação nesse sentido e já me tinha servido dela, com algum sucesso, na iniciação à expressão poética dos meus alunos. E tenho uma vaga ideia de experimentar fazer o mesmo com os camaradas de quarto, em Bissorã.

É um método simples. Escolhe-se um tema e pede-se a cada aluno da turma que crie, livremente, uma curta frase ou expressão sobre esse tema. Depois analisam-se as diversas frases/expressões, retiram-se palavras supérfluas, escolhem-se e ordenam-se as ideias expressas transformadas em versos e faz-se assim um “poema”. É, neste caso, um trabalho colectivo de composição escrita e do qual não é raro saírem coisas lindas. Creio mesmo que em muitos dos meus alunos se instalou, assim, o bichinho do gosto pela poesia.


Bissorã, 7DEZ65

Um quarto de militares tem uma decoração “sui generis”: [fotos de] mulheres mais ou menos despidas, quadros pictóricos, frases célebres ou com um sentido mais ou menos relacionado com as actividades dos ocupantes. A decoração do meu quarto (meu e de mais três moços) tem um cunho intelectual que o torna um pouco diferente. No desejo de te dar a conhecer o ambiente em que vivo, vou transcrever-te o que, em grande plano, domina a decoração das paredes do quarto. Sou eu o autor. Aqui está, minha querida, o poema livre “NÓS”:

Igual pobreza duma vida limitada
Onde as palavras são o reflexo
E as lágrimas também
Da força perdida
Da força sonhada
O medo e a coragem de viver e de morrer
A morte tão difícil e tão fácil
Homens para quem a vida foi cantada
Homens para quem a vida foi negada
Homens reais para quem o desespero
Alimenta o fogo devorador da esperança.

Saudosamente, o abraço de sempre com todo o Amor do teu
M.

Cipriano Oquiniame: “Caos em Guiné-Bissau” 
Retirado, com a devida vénia, de “Artistas plásticos, pintores e escultores da Guiné-Bissau” em www.didinho.org
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Nota do editor:

Último poste da série de 20 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11282: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (10): À volta de uma fotografia

1 comentário:

Juvenal Amado disse...

Caro Manuel Joaquim
Estas tuas Cartas de amor e Guerra, são documentos que tiveram importância transcendente na altura e agora servem de prova real do sofrimento, dos anseios, das saudades e dos sonhos adiados.
Nas aldeias e pequenas vilas, a moças faziam autênticas emboscadas aos carteiros que normalmente traziam o correio do outro lado do mar.
Dois familiares do João Caramba, deram-me boleia para Lisboa no dia do seu funeral. São como ele, naturais da Vidigueira e no meio de tantas coisas que falamos a seu respeito durante a viagem, vieram à baila a correspondência dos soldados e das namoradas.
Disseram que o carteiro que entregava o correio na Vidigueira, gritava os nomes das moças ao começo das ruas onde elas moravam e assim, toda a gente testemunhava aquele momento de alegria que era receber o aerograma, sempre esperado e ansiado.
“Oh Rosa é do teu João” gritava o carteiro à entrada da rua.
Um abraço