sábado, 2 de fevereiro de 2013

Guinmé 63/74 - P11043: O Spínola que eu conheci (27): Depoimentos de António Rosinha / António J. Pereira da Costa / José Martins / Augusto Silva Santos / José Manuel Dinis



Guiné > Algures > Maio de 1973 > Costa Gomes, Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, dá início, a 25 de maio de 1973,  a uma visita ao Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG), para se inteirar do agravamento da situação militar e analisar medidas a tomar com vista a garantir o espaço de manobra do poder politico em Lisboa.   Na foto, vê-se o Gen Costa Gomes à direita de Spínola, falando com milícias guineenses. Foto do francês Pierre Fargeas (técnico que fazia a manutenção dos helis AL III, na BA 12, Bissalanca), gentilmente enviada pelo nosso camara Jorge Félix (ex-Alf Mil Pil Heli, BA12, Bissalanca, 1968/70).

Foto: © Pierre Fargeas / Jorge Félix (2009). Direitos reservados.

1. Comentários de António Rosinha ao poste P11031 (*)_


(i) Sempre houve muita inibição em falar do desempenho extraordinário de Spínola, na guerra colonial. Os oficiais superiores, até por causa do desaire da morte dos 3 majores no chão manjaco, se retraíam em o fazer.


Mas, como foi durante muitos anos politicamente incorrecto, e ainda é hoje, defender a política portuguesa para África, diferente da inglesa e francesa (e soviética / americana), talvez por isso se evite fazer um retrato real da figura de Spínola.

Mesmo aqui neste blogue quanto mais na imprensa e nos historiadores, parece que há vergonha de falar no que na realidade fez sobressair este homem de qualquer outro português da sua época.

Como militar um dia se fará o verdadeiro retrato. Mas, como Governador Geral, vai ser difícil, porque os guineenses da sua época, régulos, e homens e mulheres grandes da sua época, não sabem escrever e não "podem falar" em público.

O grande sucesso de Spínola na Guiné, foi político e social, mais do que militar. Muitos não concordarão com A J P Costa, mas vê-se que já outros o acompanham.

(ii) A diferença que este homem teve para qualquer outro português da sua geração, nunca se pode medir por mais tiro menos tiro, mais erro menos erro, (mesmo a tragédia do chão manjaco). 

O exemplo dele foi copiado em Angola por governadores de distrito, como Soares Carneiro e outros, como capitão Branco Ló, que tiveram sucessos políticos e sociais em coordenação com GE's, com resultados estrondosos ao ponto de, quando se deu o 25 de Abril, nem sinal da presença dos movimentos se sentia em regiões do tamanho de 2 Guinés.

Mas vai ser difícil um dia escrever o que foi esta guerra, até porque para calar o barulho ensurdecedor de certas claques, vai demorar muitos anos. E essas claques não permitem que se escreva a história porque eles não entram nela. 


2. Comentários de António J. Pereira da Costa ao poste P11031

Não privei com o General. Ele visitou a CArt 1692 (Cacine), em maio/junho de 68, e eu não fiquei com nenhuma foto do evento. Já contei noutro poste que foi a partir daí que o dispositivo daquele sector se começou a alterar e a história, até 1973/74, está bem documentada cá no blogue.

Foi apenas uma vez a Mansabá pelo Natal de 72, para uma curta conversa, sem consequências. Entre 68 e 73 observei-o "de longe" e conclui que "sobrevivia" bem no(s) ambiente(s), jogando com uma visão mais clara, exacta e atenta das coisas da "guerra", (por isso sabia ouvir) uma certa dose de demagogia, prática da intimidação a alguns (os famosos "pares de patins" talvez tenham sido injustos em alguns casos e necessários, mas não aplicados noutros),  promoção (às vezes discutível) de outros, à mistura com certos "ódios de estimação (artilharia, estado-maior, etc.) e ideias preconcebidas.

Quero enfatizar as suas decisões de atacar o In no estrangeiro, que não sei até quanto poderiam contar com a "cobertura e aceitação" da sua hierarquia e a tentativa de contactos com o PAIGC através do presidente do Senegal. Sabemos bem quão sacanas e hipócritas eram os políticos do seu tempo.

Os rapazes do PAIGC apareceram, agora, nos programas do [Joaquim] Furtado [, A Guerra, série da RTP,] e denegrir esta tentativa. Foi um jogo de tudo ou nada em que quiseram prosseguir. Imaginem só o que seria a obtenção de um cessar-fogo na Guiné, à revelia do governo de Lisboa. É, no mínimo, discutível a opção do PAIGC de só negociar com o governo central e não com o opositor directo. O que poderia ter sido poupado em vidas e esforço! A comunidade internacional não deixaria cair o assunto e...

Bem, isto já são hipóteses. De qualquer modo volto a repetir que o General, como todos nós, era um bombeiro que chegava atrasado ao fogo florestal com todas as condições para continuar a arder.
Posso testemunhar as grandes melhorias a nível da logística que se operaram, desburocratizando uma série procedimentos e lançando no canal de reabastecimentos tantos artigos necessários. Saliento também a aproximação (absurdamente tardia e sem nunca reverter grandes contingentes para o controlo das autoridades) às populações. Era imperiosa, mas creio que num fenómeno sociológico como aquele que vivemos era tarde para resultados mais positivos. Tinham passado mais de 500 anos entre a descoberta e o início da "guerra" e a Guiné ainda era aquilo que vimos ao chegar e deixámos para trás.

Foi uma valentia sua aceitar um último esforço para tentar fazer algo de positivo. Já tenho dúvidas na aceitação de uma "missão votada ao fracasso", e isso ele não fez. Mas isso, já são contas de outro rosário...

Concordo, em absoluto, com o José Júlio Nascimento ["Se o General Spínola fosse norte-americano e tivesse estado no Vietname, talvez já fosse êxito de bilheteira numa qualquer saga heróica, mas como é Português"...](*).  Era uma boa oportunidade para se criar um branqueamento em que os "maricanos" são especialistas. Fabricam heróis quando têm necessidade deles e querem actuar sobre a mentalidade do seu povo e do estrangeiro. Eles hoje até estão convencidos que ganharam no Viet-Nam... Para mim, os homens têm qualidades e defeitos e o branqueamentos das suas personalidades e acções só os diminui à medida que a poeira da História assenta. É a verdade da vida dos homens bem divulgada que faz deles grandes.

Um Ab.
António J. P. Costa


3. Comentário do José Marcelino Martins [, ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70, foto à esquerda] ao poste P11028:

Com Spínola só falei duas vezes:
Como General, na visita que fez às tropas empenhadas na Operação Lacoste, no Burmeleu, a sul de Canjadude e muito próximo do rio Corubal. Teve de "arrancar" rapidamente devido à "saída de um morteiro In".

Como Marechal, falei com ele no Hospital da Ajuda, quando estava em tratamento e eu visitava o meu genro que estava internado.  Nessa altura falamos longa e amigavelmente, facto que foi notado por muitas das pessoas presentes.

Falamos da Operação Lacoste e falamos do meu genro e a razão por que estava internado. Já falava muito devagar e parava, porque a saúde já não ajudava. Não deixou de manifestar apreço por o ter abordado e deixou votos para as rápidas melhores "do rapaz".

Pouco tempo depois, foi ao encontro das "suas tropas celestes".

 4. Comentário de Augusto Silva Santos [, foto atual à direita,] ao poste P11028:

Curiosamente, fui eu quem lhe fez a última guarda de honra no Depósito de Adidos em Brá, antes de ele, General Spínola, sair da Guiné e ser substituído pelo General Bettencourt Rodrigues. Fui destacado para o efeito por castigo (facto que consta da minha apresentação ao blogue e que me escuso agora de repetir), mas confesso que na altura foi para mim uma honra por ser um militar e pessoa da minha admiração e respeito. Anos mais tarde viria a encontrá-lo a almoçar na Casa do Alentejo em Lisboa, e não pude deixar de me dirigir a ele e de o cumprimentar, relembrando-lhe esse facto, algo que muito o sensibilizou. Na oportunidade falei-lhe também sobre a minha passagem por Jolmete, algo que sempre mexeu muito com o Gen. Spínola, pela morte dos 4 oficiais no Chão Manjaco, perto daquele aquartelamento. Cumprimentou-me e deu-me um abraço desejando-me felicidades. Não sei se seriam muitos os oficiais generais deste país a ter tal comportamento.


5. Comentário de José Manuel Dinis  [, foto atual à esquerda, ]ao poste P11028:


Já aqui me referi ao nosso General por algumas vezes. Foi uma figura controversa, muito controversa.
Ambicioso, fazia o culto da imagem e do poder, e para o efeito utilizava como ninguém os meios de comunicação social, que davam eco às suas iniciativas. Estudioso da situação portuguesa, publicou, e as suas obras foram sempre pedradas no charco, agitando a quietude da água. Como soldado, era ousado, e preocupava-se em saber sobre as circunstâncias da tropa, tanto em acção, como na rotina aquartelada.

Onde é que terá falhado? Arrisco algumas impressões:

(i) Como estratega, parecia impulsivo, recuou e avançou com posições no terreno, que causavam alguma estupefacção à tropa (abandono e reocupação de áreas, a invasão de Pirada), além de ter tido iniciativas contraditórias e/ou que não controlou (ao nível do estabelecimento de negociações, e sobre Conakry);

(ii) Como gestor de uma organização, faltou-lhe o controle sobre os meios, o que seria relativamente fácil de implementar se tivesse criado um quadro de auditoria e controle, o que manteria melhores níveis no moral das tropas, além da poupança que incidiria no erário público;

(iii) Como discipinador, teve atitudes de punição e promoção, suscetiveis de critica severa, principalmente no que respeita às punições públicas; alternava com atitudes de tolerância, designadamente no que ao atavio dos militares e das unidades podia respeitar;

(iv) Relativamente à sua ambição política, no âmbito do confronto de posições (mais do que ideológico) com o governo, lembro-me do discurso de despedida, em que referiu: Fala-vos um soldado velho... e adiantou, os traidores estão na retaguarda. Ainda acrescentou com ar paternalista, que estaria sempre ao nosso dispor.

Foi uma figura fascinante. E ao passar revista à tropa, fez um desvio à trajectória, colocou-se à minha frente, observou-me o cabelo, o patilhame, a mosca, o ar malandro, e quando eu já imaginava que iria mandar-me para fora da formatura, virou costas e prosseguiu.
 ____________

5 comentários:

Anónimo disse...


António José Pereira da Costa
12h19

Olá Camaradas

Não creio que a acção do General depois do 25ABR74 se pautasse pela ambição.

O prestígio estava granjeado e no auge. Tinha convicções e isso é bom e é mau, como tudo na vida.

A sua acção entre 28SET74 e 11MAR75 foi incorrecta - digo eu - mas parece-me convicta e isso também tem valor.

Discordo dela e creio, hoje e à distância, que as (más) companhias o influenciaram (mal).
Um Ab do
António Costa

Luís Graça disse...

É verdade que o nosso Com-chefe perdia, por vezes, as estribeiras e agredia, à chapada, os seus subordinados, e não apenas os soldados ? Vd. história do capitão Carvalho, de Fajonquito, contada pelo "djubi" Cherno Baldé...

Rm Bissau, conheci por acaso o capitão P., com um processo na "justiça militar"... Escrevia esse respeito:


(...) "De facto, aqui [, em Bissau,] desaguam todos os rios humanos da Guiné: a carne que já foi do canhão e agora é do bisturi (ou dos vermes, em caixões de chumbo, discretamente empilhados, à espera que o Niassa ou o Uíge ou o Alfredo da Silva os levem nos seus porões nauseabundos); os desenfiados, como eu, todos os que procuram safar-se do inferno verde, quanto mais não seja por uns dias ou até umas breves horas, que o tempo aqui conta-se, de cronómetro na mão, até à fracção de segundo; os prisioneiros de guerra, esfarrapados, andrajosos, a caminho da Ilha das Galinhas; as populações do interior desalojadas pela guerra; os jovens recrutados para a nova força africana; enfim, os criminosos de guerra como o capitão P. que está aqui detido no Depósito Geral de Adidos à espera de julgamento em tribunal militar – suponho eu -, juntamente com um furriel miliciano da sua companhia. Ambos estão implicados em vários casos, muito falados, violação e assassínio a sangue frio de bajudas, além da tortura e liquidação de suspeitos…

"A propósito, como os tempos mudam, meu caro!.. Em conversa com um sargento de cavalaria que teve o Velho como comandante de batalhão no Norte de Angola – conversa a que ocasionalmente assisti -, o Capitão P. (que eu não sei, nem me interessa saber, se é miliciano, ou se é do quadro, ça c'est m´égale!), mostrava-se vexado (o termo é dele) pelo facto do então tenente coronel ameaçar executar, in loco, sumariamente os guias nativos que mostrassem a mais pequena hesitação na escolha dos trilhos ou os carregadores que deliberadamente deitassem fora a água dos jericãs...

"- E agora, como Com-Chefe na Guiné, não permitir sequer que se toque no cabelo de um preto!" (...).


http://blogueforanada.blogspot.pt/2005/12/guin-6374-cccxlviii-cartas-que-nunca.html

JD disse...

Meu caro António P. Costa,
Fui eu quem referiu a ambição do nosso general. E referi-me ao período anterior ao 25 de Abril, mais propriamente, ao período de Janeiro a Abril de 1972, enquanto permaneci na metrópole, e todos os dias assistia ao telejornal. Se não apareciam imagens do nosso general, aconteciam notícias (e, eventualmente imagens da Guíné), que o referiam, quer no governo, quer no comando da frente guineense, quer nas relações com o governo central. O general usava críticas contundentes ao governo, congregava não só os interesses da oposição, mas, também, de uma franja da Assembleia Nacional, e de uma grande parte da população urbana, a que acompanhava com curiosidade a evolução política. O nosso general preparava com sabedoria uma base de apoio para se alcandorar a mais altos cargos.
Foi assim que interpretei o que vi.
Um abraço
JD

meusdvdsfilmes disse...

Julgo já ter contado esta estória no blog, mas vou contar novamente.

Um determinado dia surge uma DO a fazer-se à pista de Nova Lamego, e qual foi o espanto do único soldado, que estava a fazer segurança à pista, quando se apercebe de que se tratava do Gen. Spínola e a sua comitiva, já estava muito perto dele, correu para junto do telefone, mas quando já estava a fazer a ligação, foi interrompido pelo Gen. Spínola, para que não o fize-se, porque ele não estava ali para falar com o Comandante do Batalhão, mas sim com ele.
Passados 30 minutos, o soldado liga então para o Comd.Batalhão, a contar-lhe o sucedido, e o Cmd. responde de imediato em tom zangado, porque não o comunicou atempadamente a sua chegada, este logo retorquiu, que fora o Sr. Gen. Spínola que o tinha impedido de o fazer, porque estava ali para falar com ele.
Era assim que o Gen. Spínola agia, quando queria saber algo sobre os aquartelamentos, que não queria fazer visitas programadas, como já o tinha feito antes em Nova Lamego, e que o aquartelamento nessa altura preparou-se para a visita, que mais parecia um arraial do que um quartel com militares em zona de guerra.
E ele sabia muito bem como eram preparadas essas recepções.
E era assim, como nós dizia-mos, que não estavamos na Guiné, mas sim na Spinolândia.

Um Abraço
Tino Neves

Anónimo disse...

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