quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10994: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (33): A pior turma em cada ano lectivo

1. Em mensagem do dia 18 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, QuinhamelBinta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma memória do seu tempo de estudante.


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (33)

A pior turma em cada ano letivo

O Sr. Almeida afirmava, frequentemente, que, em cada ano letivo, a turma do 4º ano – turma única àquela época – era sempre a pior de todas do ponto de vista disciplinar, e até, também quanto ao aproveitamento. Estes alunos já não eram os “putos” do 2º ano mas também não eram ainda adultos. Por outro lado, era o 2º ano consecutivo sem exame, o que provocaria uma certa inconsciência e também algum uso e/ou abuso das facilidades com que deparavam.

O meu 4º ano de acordo com as palavras do Sr. Almeida, não fugiu à regra. Não recordo se ainda no 1º período ou se logo no início do segundo, ocorreram umas tantas anomalias; cada uma por si não teria grande importância, até poderia passar quase despercebida; todas juntas, porém, estragaram totalmente o ambiente, já de si muito perturbado.

Primeiro caso:
Talvez no início do ano letivo “alguém” colocou uma “punaise” por baixo do assento da cadeira do professor com o bico ligeiramente saliente na face superior; passados uns meses, sem que ninguém se apercebesse da anomalia, “alguém” terá pressionado mais a dita “punaise” e o bico ficou mais saliente.

No dia seguinte o Dr. Pinto, professor de Inglês (o tal que usava o diapasão para nos ensinar a cantar) sentou-se na cadeira para escrever o sumário; sentiu a picada de uma agulha, naquela parte onde as costas mudam de nome; levantou-se velozmente – parecia ter sido impulsionado por uma forte mola – e averiguou o que lhe tinha provocado aquela dor tão aguda; apercebendo-se que havia ali um “prego fininho”, autenticamente, gritou pelo chefe de turma:
- Cândido! Arranja-me já um martelo!

Assim foi descoberta a primeira anomalia.

Alguns professores queixaram-se que as suas calças apareceram estragadas e só poderia ter sido ali; a Dª Maria Adília foi naquele ano, nossa professora de francês, durante umas semanas, apenas, e teria ali esfiapado algumas saias; o próprio senhor Almeida lamentava ter danificado a sua característica samarra espanhola, também naquela maldosa ou maldita cadeira. Os alfaiates agradeciam! Não consta que algum aluno tenha sido subornado pelos artistas do fabrico de vestuário.

Segundo caso:
Um dia, creio que numa aula de Geografia, o professor Santos fez determinada pergunta à Maria Antónia. Esta aluna era natural de Cesar, filha e neta de “endireitas” (curiosos digo eu) de ortopedia, (espero sinceramente que a Antónia não me leve a mal), prima do nosso colega António Cândido (Fajões por ser natural desta terra) e casou mais tarde, com o médico António O.P. Vasconcelos, também de Cesar; à época ele era também aluno do COA, um pouco mais adiantado que nós.

À pergunta do professor Santos a Antónia respondeu: Sr. Dr. Santos, eu não sei essa matéria porque não assisti à última aula!

O Alcides Costa, um cómico do caraças, ouvindo aquele argumento, logo comentou, parafraseando uma tirada “característica” do Sr. Correia, o prefeito:
- Assistira no intervalo!

A Antónia não terá gostado da piada como se de jocosidade se tratasse, que a tomasse como alvo; fez queixa, creio que à Dª Urraca (que por mero acaso era Idalina) que por sua vez a passou à Direção, mas já deturpada; no percurso, como geralmente acontece, a notícia foi aviltada – a cada conto acrescenta-se sempre um ponto. Muitas vezes, como neste caso, a situação tornava-se muito mais gravosa do que seria a intenção do seu “autor”.

Terceiro caso:
Os alunos daquela turma (todos ou quase) com as “pratas” dos maços de tabaco e/ou dos chocolates elaboraram uma série de “taças” de base larga e aberta onde colocavam papel de sebenta “mastigado”, lançando-as contra o teto da sala que pouco depois estava pejado daqueles objetos. Era uma autêntica porcaria (mascar papel de sebenta), mas na verdade, o teto ficou… enfeitado, para o bem ou para o mal.

A estas juntaram-se mais umas ocorrências de pequena monta; seria fastidioso, e sem interesse, enumerá-las e a memória... já não é o que era. Estes casos “fermentaram” durante uns dias sem que os visados (autores) se apercebessem; o segredo foi sempre a alma do negócio.

Certo dia, depois do jantar o Sr. Almeida ordenou que eu comparecesse na sala onde, habitualmente, ele tomava as refeições, no internato masculino. Fiquei apavorado, pois eu não vislumbrava ter praticado qualquer asneira tão grave que merecesse tal atitude; alem disso era a 1ª vez que tal me acontecia, o que me obrigava a fazer... contas de cabeça.

O Sr. Almeida mandou-me sentar; estávamos sós: ele e eu. O silêncio era... ensurdecedor! O ambiente era pesado... de cortar à faca! Breves considerandos introdutórios e…

1ª Pergunta: 
- Quem colocou a “punaise” na cadeira do professor da sala do 4º ano?
- Eu não sei quem fez isso! Só tomei conhecimento do caso (o mesmo aconteceu com os outros alunos) quando o Dr. Pinto, em altos berros, pediu um martelo. Aquilo já estaria ali há muito tempo sem que ninguém se apercebesse. Já falámos bastante sobre o assunto e ninguém mostrou ter conhecimento do caso. Terá sido ali colocada por alguém estranho à nossa turma ou até mesmo no ano anterior.

Houve mais considerandos, mas sem evolução e sem interesse.

2ª Pergunta:
- Quem disse que a Antónia “já era assistida há muito”?

Aí eu fiquei profundamente surpreendido, pois o Alcides não pronunciara tais palavras nem seria capaz de se afoitar a tanto.

- Ninguém disse isso! O que todos nós ouvimos – e isto é absolutamente verdade – foi o seguinte: “Assistira no intervalo”!
O Alcides pretendeu apenas parodiar, imitando o Sr. Correia que, quase a toda a hora, usa o mais-que-perfeito, em expressões como: “fora no intervalo”, “pedira no intervalo”, fizera no intervalo etc.
O Sr. Santos fez uma pergunta à Antónia e ela respondeu que não sabia, porque “não tinha assistido” à última aula; o Alcides apenas disse: “Assistira no intervalo!” O que contaram ao Sr. Almeida é uma profunda deturpação… talvez até intencional, e malévola o que é inadmissível. Haverá quem tenha prazer em deturpar? Pretende-se apenas denegrir uma imagem que não merece tal tratamento.

3ª Pergunta:
Quem colou no teto da sala aquela quantidade de “pratas”? E como conseguiram ir lá “colá-las”?
- Eu sei como se faz! Já fiz e vi fazer! Naquela sala, não fiz, não ajudei nem vi fazer! Aquilo prepara-se enrolando uma “prata” estrangulando-a no meio, enchendo dum lado com uma pasta que se obtém mascando um bocado de papel de sebenta; comprime-se bem aquela pasta, joga-se com força ao teto e ela fica ali colada, dando aquele efeito. De qualquer modo, não vi ninguém fazer. Tenho a certeza que não foi ninguém da nossa turma.

Tratava-se, neste caso, de uma “mentira dita piedosa”; na verdade todos os rapazes daquela turma colaboraram naquele ato absurdo e nada higiénico. É verdade que cada um tentou colocar no teto mais taças (de boca para baixo) do que o outro. No dia seguinte juntámo-nos todos e eu contei pormenorizadamente a minha conversa com o Sr. Almeida. Se ele chamasse outros alunos, todos ficaram a saber até onde podiam ir.

O Sr. Almeida aceitou (creio eu, pelo menos não falou mais no assunto) o meu depoimento como verdadeiro e “enterrou” os casos… no negro vaso da água do esquecimento.

Na verdade, agindo daquela maneira, nós pretendíamos apenas dar razão ao Sr. Almeida – “a pior turma é sempre a do 4º ano” Dixit

Janeiro de 2013
Saudações colegiais
BT
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10797: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (32): Uma cobra na sala de aula

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