sábado, 5 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10901: Blogpoesia (314): "Caserna", poema inédito de Armor Pires Mota

1. Mensagem do nosso camarada Armor Pires Mota (ex-Alf Mil da CCAV 488/BCAV  490, Guiné, 1963/65), com data de 3 de Janeiro de 2013, trazendo um poema inédito para publicação no nosso Blogue e notícias da reedição, em breve, do seu romance censurado pela PIDE, o  "Tarrafo*".

Meu caro Carlos Vinhal:
Espero que tenha um bom ano e que os abutres não nos devorem as orelhas como fizeram a malogrado Perdiz da Estranha Noiva de guerra.
Estou a enviar-lhe um poema, inédito, que encontrei há pouco, que ofereço ao Luís Graça & Companhia para ser publicado, se for oportuno e merecer.

Aproveito ainda a generosidade e a vossa bondade para a inserção das minhas coisas.
Não sei se já lhe disse mas estou a pensar em reeditar o livro proibido de circular (apreendido) pela PIDE, o Tarrafo, o caso único de toda a guerra colonial.
Digitalizado, de modo a sair com todos os sublinhados e notas a postar pela censura. Será um documento inédito. Talvez, os proventos possam servir para qualquer iniciativa a favor da Guiné, através do Carlos Silva ou do Luís Graça e Cª.
Irei hoje de tarde ver se é possível. Depois direi algo mais.

Um abraço para todos,
Armor


CASERNA

O candeeiro mortiço, que flui e reflui
como as ondas de um sujo rio,
ilumina-me os restos do que fui
e sinto medos raspando e sinto frio.

E escuto, de quando em vez,
o estranho ranger dos meus ossos
e, quase sem fé (mãe, o que a guerra me fez!)
desfio contas e rezo padre-nossos.

Como que há no meu ouvido, baixinho,
grito de irmão que me chama:
que me vale deitar em lençóis de linho,
se o meu corpo é de revolta e de lama?

É meia-noite e torço e me retorço
e digo à noite e ao céu palavras sem nexo
como que para fugir às unhas do remorso,
ao olhar de Deus ou de qualquer papão.

Soldados jogam as cartas, falam de sexo,
barbas grandes de quem mata (em vão).

Grito. Trazem-me copos de água que rejeito,
porque minha alma é poço sem fundo,
e nem aceito, por loucura ou despeito,
serenas e sábias palavras de ninguém.

Hoje tenho medo de mim e do mundo,
como na noite branca em que nasci de minha mãe.
____________

Nota de CV:

(*) Vd. Recensão do romance "Tarrafo" por Mário Beja Santos nos postes de:

22 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5687: Notas de leitura (56): Armor Pires Mota (1): Tarrafo e Baga-baga, duas surpresas de um combatente repórter (Beja Santos)
e
23 DE JANEIRO DE 2010 > Guiné 63/74 - P5692: Notas de leitura (57): Armor Pires Mota (2): Tarrafo, o primeiríssimo relato literário da Guerra da Guiné (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 31 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10884: Blogpoesia (313): Mensagem / massagem de fim de ano (Luís Graça)

7 comentários:

Anónimo disse...

Boa noite, meu Alferes
Lindo, dramático, tocante.
Um grande testemunho.
Grande abraço de Alcobaça,
JERO
(CCaç.675/1964-66)

José Botelho Colaço disse...

Ó Comandante: Candeeiro mortiço mas que dá luz à caserna e todas as paradas adjacentes.

Unknown disse...

Além de agradecer a amabilidade de Armor Mota, em partilhar connosco este poema, ficou curiosa com o comentário de :JERO
(CCaç.675/1964-66)Gostaria de saber onde esteve; na Guiné suponho, mas pode dar-me mais alguns dados? Ficaria muito agradecida.
Ana Paula Ferreira

Felismina mealha disse...

Fantástico poema de alguém que, palavra a palavra, o sente em si.

Parabéns, se bem que realce uma dura realidade.

Abraço fraterno

Felismina mealha.

Carlos Silva disse...

Olá Amigo & Camarada Armor

Eu fico embevecido pela leitura de todos os escritos do meu amigo, sejam em prosa ou poemas.

Pois nutro um sentimento enorme pelo facto de estarmos ligados em tempos idos ao mesmo "chon" embora em anos diferentes, mas convivemos com as mesmas personagens.

Congratulo-me pelo aparecimento do Amigo & Camarada aqui no Blogue e todos esperamos que continue.

Mas, já agora aproveito, já que invoca o meu nome para encaminhar ajuda para a Guiné, tal como já o fez, aproveito para puxar a "brasa à minha/nossa sardinha", ou seja, reencaminhar os proveitos através da AJUDA AMIGA que o Amigo bem conhece.

Um grande abraço
Carlos Silva

Anónimo disse...

Simplesmente belo, na crueza dessa feia realidade desses dias...

Grande abraço

JPicado

Anónimo disse...

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