sábado, 16 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10043: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (2): Gazelas em Mansambo

1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74), com data de 27 de Maio de 2012:

Caro Carlos,
Aqui vão as duas fotos com algum atraso por isso as minhas desculpas, uma tirada em Bissau um mês antes do regresso, a civil com o peso dos sessenta e dois.
Junto uma estória de Mansambo.


Um abraço
António Eduardo Ferreira


Mansambo
Foto: © Torcato Mendonça (2012). Todos os direitos reservados


PEDAÇOS DE UM TEMPO

2 - GAZELAS EM MANSAMBO

Certa noite em Mansambo, o cabo mecânico fazia reforço num posto de vigia que ficava próximo do heliporto. Quem o conhecia, o Santos, sabia bem como era o seu comportamento, sempre pouco preocupado com o que pudesse acontecer.

Em Mansambo no nosso tempo não era permitido fazer fogo quer fosse de noite ou de dia.
Naquela noite tudo decorria com normalidade como era costume, até que o Santos viu entrar na primeira vedação de arame que circundava o aquartelamento uma manada de gazelas e vai disto, sem pensar na confusão que iria arranjar, despejou o carregador na direção dos pobres bichos, que naquela noite pensavam ir ter uma refeição especial ao mondar a mancarra que o pessoal da Tabanca tinha semeado entre as duas vedações, mas ficaram-se só pelo susto.

Com aquele despertar toda a rapaziada supôs ser ataque junto ao arame nós que até nem sabíamos o que isso era (nunca aconteceu enquanto tivemos em Mansambo), foram perguntar ao Santos o que é que ele tinha visto. Ele com aparente convicção, disse que tinha visto homens junto ao arame e por isso tinha disparado nessa direção.

Mesmo sem resposta ao fogo do Santos por parte do inimigo, a ordem foi para bater toda a zona e, a reação ao suposto inimigo, foi de tal ordem que as nossas munições de armas pesadas ficaram quase esgotadas.

No dia seguinte foi feita uma coluna a Bambadinca para repor o material em falta e certamente para dar mais pormenores acerca do sucedido ao Comando do Batalhão. Só passado algum tempo, é que o Santos disse o que na verdade tinha acontecido, viu as gazelas disparou e, tinha que arranjar maneira de sair daquela situação, e assim se safou inventando essa pseudo aproximação do inimigo ao arame.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9847: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira) (1): Cobumba, Pessoas, Guerra e Reflexões

Guiné 63/74 - P10042: Estórias avulsas (62): A minha ida para a Guiné (António Melo)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano, António Augusto Vieira de Melo, ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, (1972/74), com data de 11 de Abril de 2012:

Caro amigo aqui estou de novo.
Já hoje visitei o blogue, o que se tornou um hábito.
Não passo um dia que não o visite. Felicito-vos por tão grande iniciativa.
Os meus parabéns, pois foi o blogue que me ajudou a superar certos traumas que eu tinha desde aqueles tempos idos. Hoje não me envergonho de haver sido militar e ter servido na Guiné porque vocês me deram a força interior para quando em algum sitio que eu esteja presente e surja uma conversa sobre a guerra do ultramar, ou a guerra colonial, digo sem rodeios que eu cumpri o serviço militar na Guiné e quando os que menos sabem do que lá se passou começam a dizer asneiras, e muitas vezes a denegrir a imagem dos ex-combatentes no ultramar, antes eu me calava, mas agora tenho força suficiente para os desmentir e dizer-lhes que calados estariam melhor pois nunca lá estiveram e porque nasceram noutra época e não lhes tocou o que nos tocou a nós.

Por tudo isto o meu muito obrigado.
António Melo


A minha ida para a Guiné

Pertenci ao BC 5 de Campolide mas estava destacado em serviço no Forte do Alto Duque em Algés, e como éramos poucos, o Comandante mandou metade do pessoal passar a casa o Natal e a outra metade o Ano Novo e assim ficaram todos contentes. A mim tocou-me estar de serviço pelo Natal e ir passar o Ano Novo a casa com a família. Por sorte minha chegou a minha mobilização no dia 24 de Dezembro e quando chegaram os que foram passar o Natal, o sargento da secretaria ao ver a mensagem de que eu estava mobilizado para a Guiné calou-se para não me estragar o fim de ano com a família. Ao regressar no dia 4 de Janeiro de 1972 ao destacamento chamaram-me à secretaria e deram-me a notícia de que estava mobilizado e que tinha que preparar todas as minhas coisas para me apresentar no BC 5 que era a minha unidade,

Um pouco tristonho e meio confuso pelo que se estava a passar porque tinha nessa altura um irmão a cumprir o serviço militar na BA 12 de Bissalanca, na Guiné, pensando pelo caminho, se me acendeu uma luz e disse para mim mesmo: - Eu não vou porque dizem que não podem estar dois irmãos ao mesmo tempo no ultramar.

Quando cheguei ao BC 5, cheio de coragem, porque os ia fintar, apresentei-me, eles repassaram uns papéis que tinha na sua frente e disseram-me que eu ia para a casa da rata porque era um desertor. Ali mesmo se me baixaram os fumos e tentei explicar que só havia saído nesse mesmo dia do destacamento do Forte do Alto Duque porque só naquele dia me haviam comunicado a minha mobilização. Por resposta recebi a contestação de que me deveria ter apresentado no dia 25 de Dezembro e que portanto era um desertor. Insisti que não era como eles diziam mas sim como eu lhes estava a contar. Um Primeiro-Sargento que me escutava mandou-me sair um bocado e, não sei se por telefone ou por que meios, comunicou com o Destacamento e confirmou que eu estava falar a verdade. Assim terminou tudo em bem e este rapaz respirou de tranquilidade.

Comunicaram-me que me iriam fazer uma guia de marcha para me apresentar nos Adidos onde me tratariam de tudo, incluindo vacinas, para poder embarcar para a Guiné. Foi então que eu pensei: - Esta é a minha oportunidade, vou atacar agora mesmo. Disse-lhes que tinha um irmão na Guiné a cumprir o serviço militar e que por isso mesmo eu não poderia ir porque estava legislado que não poderiam estar dois irmãos ao mesmo tempo no ultramar, ou na guerra, palavra que a mim me parecia melhor. O tal Primeiro-Sargento que me havia mandado sair um pouco de novo interveio e disse:
- Sim senhor, tens razão, vou-te preparar um documento para que o assines.

Enquanto esperava que preenchessem o documento pensava para comigo mesmo: - Esta partida já a ganhei. Estava contentíssimo pois eu não era um parolo e a mim não se engana facilmente. Que contente estava cá o rapaz até que chegou o momento de me chamarem e me disseram:
- Assina aqui este documento para que vás para casa, e quando o teu irmão regressar, no fim da comissão, tens que te apresentar para ires cumprir a tua missão.

Respondi ao meu queridíssimo sargento que para ir depois do regresso do meu irmão preferia ir já. Retorquiu o sargento que não havia necessidade de o ter chateado tanto quando afinal a minha vontade era ir. Calei-me porque a minha vontade era mandá-lo a um sítio que agora não digo.

Deram-me a guia de marcha e lá fui apresentar-me nos Adidos. Depois de cumpridas as formalidades e andar de um lado para o outro e tudo o mais que tocava a todos e de que pouco me recordo, deram-me uma licença para ir para casa e apresentar-me em determinado dia.

No dia seguinte à apresentação foram as vacinas da praxe que todos nós conhecemos, mas quando estava para embarcar surge o inesperado, dizem que eu não estava vacinado. Eu de novo a insistir que estava e eles a dizerem o contrário. Escusado será dizer que a minha palavra não valeu de nada e de novo mais vacinas. Dizia para mim mesmo: - Como é possível isto estar a acontecer, mas cala-te porque se vai passar igual ao que te aconteceu no BC 5. Come e cala.

Quando estava de novo vacinado é que foi tudo muito rápido. Fui informado que no dia 26 de Fevereiro tinha que estar cedo no Aeroporto de Figo Maduro ou então 2 horas antes aqui nos Adidos, ao que respondi que me apresentaria no aeroporto no dia seguinte.

Levantei-me às 5 da manhã, preparei as minhas coisas despedi-me da pessoa que tinha ao meu lado, a minha esposa, pois havia casado há pouco mais de um ano. Não me despedi de mais ninguém porque as despedidas sempre me custaram. Apresentei no aeroporto e, cumpridas as formalidades, meteram-me num avião, um Boeing da Força Aérea que cá para mim estava muito bem, mas a verdade, vista agora, que entendia eu de aviões para dizer que estava bem? Ainda porque, acima de tudo, era a primeira vez que eu ia andar de avião.

Chegou a hora e o aparelho levantou voo. A partir daí já só pensava na Guiné e no que havia deixado para trás. Levava comigo uma mágoa, deixava a família e a esposa por dois anos. - Vamos lá que sou jovem.

Quando levávamos algum tempo de viagem fomos informados de que iriam servir a comida. Pensei: - Nada mais acertado pois já levo algo aqui dentro que necessita ser aconchegado.

Começa o movimento e vejo vir uma hospedeira que pesava uns cento e vinte quilos e usava farda da Força Aérea. Tinha bigode e não cabia no corredor de tão gorda. Eu que pensava que ia ser servido, como ouvia dizer, por uma senhorita modelo, e toca-me só hospedeiros. Mas que é isto?

Eu queria era uma hospedeira não cabos especialistas da Força Aérea mas, enfim, vamos a isto. Põem-me um pacotezito que parecia os que nos dão nos cafés com açúcar, eu sem saber nada daquilo, olhei para o lado pois aí ia também um cabo especialista que tinha vindo de férias e era do Montijo. Conhecia-o bem, era o Dimas, embora creio, ele não me conhecia. Eu sabia que ele era cabo especialista porque o conhecia e ao ouvir a conversação com outros que viajavam ao seu lado dei conta de que tinha vindo de férias. Vamos lá ver como fazem os outros porque não sei o que isto é. Espero e, como eles fizerem, faço igual. Assim foi, quando eles abriram o tal pacote e começaram a lavar as mãos, eu também. A esperar, a ver e a imitar, lá me fui desenrascando, mas qual no foi a minha surpresa, ao olhar para o lado vejo um parceiro a comer o guardanapo perfumado que era para lavar as mãos. Calei-me como se não me desse conta mas por dentro estava a rebentar de riso ao ver a cena. Quando deu conta da asneira, teve o bom censo de esperar, ver e repetir como fazia cá o macaquinho de imitação.

Com tudo isto lá chegamos ao aeroporto de Bissalanca e para mim o baptismo de voo, pois foi a primeira de muitas e longas viagens que já fiz na minha vida e que por certo me encantou. Desembarcámos e, quando estávamos na sala de desembarque para sair, começou o que não sabíamos ser o coro de periquito, periquito!!!. Começaram todos a recuar pois ninguém queria ser o primeiro a sair. Diz o tal amigo que viajou ao meu lado, pois já nos tínhamos feito amigos durante a viagem:
- Oh, pá não saias porque é só, periquito, periquito!!!
- Eu quero lá saber, que se f…. porque eu estou ali a ver o meu irmão.

Saí e corri para o meu irmão, abraçámo-nos, beijámo-nos e, num abraço demorado, choramos os dois. Um que era eu, com a farda verde, e ele de farda azul da Força Aérea.
As vozes de periquito, periquito, calaram-se e fez-se silêncio porque nesse momento dois militares choravam banhados em lágrimas. Os que chamavam periquitos quiseram saber o que se estava a passar. Com o meu irmão estava um amigo que era da Moita com quem se dava muito bem e que eu conhecia de o ter visto duas vezes antes de irem para a Guiné. Foi ele que fez saber que éramos irmãos e por isso chorávamos. Pois por mentira que pareça, não mais se ouviu a palavra periquito.

Tocou-me aquela gente, mais negros que brancos, que me deram imediatamente uma lição, porque eu levava metido na cabeça que os negros não eram gente como eu, e ali me demonstraram que eram humanos e sensíveis, por isso os respeitei e respeitarei porque souberam compreender a dor de dois irmãos que naquele momento se sentiam alheios ao mundo que os rodeava. Só queríamos saber um do outro e o meu irmão perguntar coisas dos nossos pais, dos nossos irmãos e restante família.

Passado o momento de glória que foi abraçar o meu irmão, cumprimentei o Moita ou mais correctamente o Piedade que é o seu nome, em seguida fui para os Adidos onde o meu irmão e o amigo me acompanharam.

Depois da formatura da ordem, apresentações e de mais coisas que já nem recordo, eles que já eram batidos, falaram por mim e na verdade após me acomodar na caserna fui com eles para a BA 12 comer uns bons enchidos e outras coisas mais que a minha querida mulher me havia metido no farnel. Foi tudo bem acompanhado de boa cerveja e, já com o meu irmão bem tratadinho, fomos comer ao refeitório da Base. Nessa noite dormi na base.

Meus caros amigos, por hoje não vos vou molestar mais.
Um abraço para todos os camaradas da tertúlia, em especial para o Carlos Vinhal.

Nota: - Peço desculpa pela falta de ortografia mas o meu computador é espanhol e por vezes não posso escrever como quero. Sou também muito novato nestas andanças.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 – P9711: Tabanca Grande (328): António Augusto Vieira de Melo, ex-1.º Cabo Rec Inf do BCAÇ 2930, Catió e Quartel General, Bissau (1972/74)

Vd. último poste da série de 24 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9792: Estórias avulsas (58): Fotos de Bedanda (Luís Gonçalves Vaz/Mário de Azevedo)

Guiné 63/74 - P10041: Em busca de... (192): O ex-1.º Cabo Escriturário Mário Serra de Oliveira procura o seu Tenente Mário da Silva Ascensão, 1967/1968

1. Mensagem do nosso camarada Mário Serra de Oliveira (ex-1.º Cabo Escriturário, Bissau, 1967/68), com o pedido de divulgação do seu desejo de encontrar o "seu" Tenente Mário da Silva Ascensão:

Olá camarada Carlos Vinhal!
Fazendo votos que tudo vá bem de saúde, estou a contactar por duas razões.

Uma - procuro um ex-camarada da tertúlia e que, pela sua hierarquia directamente a mim, por todo o respeito, terei que referir com o "Meu Tenente", Mário da Silva Ascensão ou ao contrário. Já lá vão muitos anos mas creio que, seguindo as passadas do tempo e referências à época de permanência na Guiné - de tal a tal data - no desempenho a cargo do refeitório da BA 12 e da Messe de Oficiais da FAP em Bissau, creio que será possível descobrir se a pessoa em causa ainda está entre os vivos.

Foi meu chefe - Alferes primeiro e Tenente depois, entre a minha estadia na Guiné, na Messe de oficiais da FAP, entre Maio de 1967 a Setembro Outubro de 1968, quando ele foi substituído, pelo Tenente Rocha, sobre o qual é tudo quanto sei.

Já contactei o Estado Maior da FAP na Amadora mas não me quiserem dar nenhuma informação debaixo do pretexto - quiçá válido - de que se tratava de informação pessoal sobre a qual não poderiam divulgar, mesmo que soubessem.

Duas - a razão por que procuro saber do seu paradeiro seria para lhe oferecer um exemplar do meu livro - prestes a ser publicado pela prestigiada editora do Chiado, conforme cópia do e-mail-proposta, cujo texto está no anexo acima.

É que, no mesmo livro, faço referência a certos episódios - tal como o baptismo do vinho, como te deves de recordar - bem como outros sobre o qual, gostaria de solicitar ao meu Tenente uma espécie de confirmação do que digo. Claro que, só ao saber que uma pessoa com quem lidei no dia a dia durante tantos meses, já seria mais que motivo saber que ainda estava entre os vivos.

Mas, juntando o útil ao agradável, creio que seria óptimo ter uma dedicatória abonativa da verdade, incluída no meu livro. Antecipadamente grato pela tua colaboração, se acaso não disturbar os teus afazeres.

Um abraço e, já agora, se tiveres oportunidade, visita a minha pagina do FB, carrega em M.Tito e segue os links. Vais gostar de certeza. Se quiseres, podes publicar.

Mário
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9998: Em busca de... (191): Pessoal da 26ª CCmds, camaradas do João Gertrudes Luz, natural de Faro, sold cond comando (Brá e Teixeira Pinto, 1970/71), tragicamente desaparecido em 2007 (Anabela Pires, de regresso à Pátria)

Guiné 63/74 - P10040: Efemérides (104): A nossa malta no 19º Encontro de Combatentes em Belém/Lisboa. 10 de Junho de 2012 (Magalhães Ribeiro)

10 de Junho de 2012
Dia de Portugal
Belém/Lisboa

Junto ao Monumento aos Combatentes da Guerra do Ultramar 

 Jorge Canhão, Vacas de Carvalho, Jorge Cabral e Miguel Pessoa. 

José Colaço, António Pimentel, Vasco da Gama e Mário (camisola amarela, de costas) 

 Aspecto geral do pessoal

Giselda Pessoa (pólo branca)

 Mario Fitas (camisola amarela, de costas) à conversa com Magalhães Ribeiro

 Fernando Chapouto (lado direito com boina castanha), Vasco da Gama (ao centro, de frente)  

 

Mario Fitas (camisola amarela, de costas), Miguel Pessoa, Virgínio Briote, António Pimentel, Francisco Silva, Silvério Lobo, Vasco da Gama e Jorge Cabral
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P10039: Tabanca Grande (344): José Alberto Leal Pinto, ex-1º Cabo Escriturário da CCS do BCAV 8320, Bula e Cumeré, 1971/74 (Luís Gonçalves Vaz)



1. O nosso amigo Luís Gonçalves Vaz, membro da Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG - 1973/74), enviou-nos a apresentação oficial nesta Tabanca Grande do nosso Camarada José Alberto Leal Pinto (foto do lado esquerdo), que foi 1º Cabo Escriturário na CCS do BCAV 8320, Bula e Cumeré, 1971/74. 



Regresso à Metrópole do Batalhão de cavalaria 8320/72 



Como responsável por alguma da indignação de alguns antigos ex-combatentes pertencentes a este Batalhão, já que fui eu que “libertei” algumas notas do último CEM/CTIG, que relatam parte das reivindicações do Batalhão 8230, em vésperas do regresso à Metrópole, resolvi conhecer pessoalmente e entrevistar, aquele que mais se tem manifestado no blogue de Luís Graça & Camaradas da Guiné em defesa da honra do referido Batalhão, o ex-combatente José Alberto Miranda Leal Pinto, ex-cabo escriturário, que esteve nas fileiras do Exército Português, entre o ano de 1971 e 1974, passando na metrópole pelos Regimentos R.I.8, R.A.L. 4, R.L.2 e R.C. 3. Na Guiné Portuguesa esteve em Bula e no Cumeré. José Alberto Leal Pinto, meu conterrâneo, nasceu em Barcelos (Arcozelo) em 28 de Fevereiro de 1950. Atualmente mora na cidade de Barcelos, e é reformado de afinador de máquinas, casado e com quatro filhos, dois deles gémeos. 



Aquando da sua integração nas fileiras do Exército, numa altura em que eram necessários muitos soldados para podermos manter com sucesso os 3 teatros de operações, o 1º cabo José Pinto, já com um irmão a combater no TO de Angola, e único amparo de sua mãe, solicita então, o “Processo de Amparo”, que infelizmente lhe é indeferido. Não satisfeito com a decisão, solicita superiormente a “revisão da decisão”, e aguardou serenamente pelo desfecho, na Escola Militar de Eletromecânica (EMEL) em Passos de Arcos, onde se encontrava na altura. Entretanto e segundo me contou, um tio seu que conhecia o então CEM da Região Militar do Porto, escreveu-lhe uma “Carta”, dirigida ao na altura Chefe do Estado Maior da Região Militar do Porto (meu falecido pai), coronel de cavalaria e do CEM Henrique Gonçalves Vaz, para que intercedesse numa “eventual reapreciação do processo de amparo”, que por ironia do destino, viria a ser este o oficial do Estado Maior, como adiante veremos, que no TO da Guiné em Agosto de 1974, a negociar com o Batalhão 8320, do 1º cabo José Pinto, bem como coordenar, com o comandante do CTIG, a sua “Retirada” do Cumeré para regressarem finalmente à Metrópole. O nosso 1º cabo José Pinto, pensando que este oficial do CEM, e seu conterrâneo, já estaria no TO da Guiné (ainda não estava nessa altura…), decidiu “aceitar a decisão”, conformar-se com a mesma e seguir do campo militar de Stª Margarida com o seu Batalhão 8320, para o Comando Territorial da Guiné (CTIG), em 21 de Julho de 72, desembarcando na Guiné nesse mesmo dia, já que essa viagem foi de avião dos TAM. 




O 1º cabo José Alberto Pinto, junto de um obus do seu aquartelamento em Bula em 1973. 

O seu currículo no Exército, pautou-se por um comportamento exemplar ao ponto de ter recebido dois Públicos Louvores, como tal é merecedor de ser ouvido neste canal de comunicação, com todo o cuidado e atenção, já que o seu objetivo principal é “repor o Bom Nome do seu Batalhão”, já que considera ter havido “razões especiais”, para se perceber o comportamento naquele dia 22 de Agosto de 1974. Este ex-combatente, ainda na Metrópole frequentou a Escola de Recrutas e Instrução Completar, o que fez com êxito. Mais tarde virá a ser “Escolhido para a promoção a cabo” nos termos da circular nº1020/IPP 010.0/61 de 11/03/61. Como tal em 24 de Abril de 72 é promovido a 1º cabo nos termos do nº123 do RGIE. Fazendo parte da CCS (Companhia de Comando e Serviços) do Batalhão 8320, embarca em Lisboa, por via aérea, em 21 de Julho de 1972, com destino ao CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné). Neste Teatro de Operações estará quase sempre sediado em Bula, onde durante mais de dois anos (2 anos e 35 dias), servirá o Exército Português, da melhor forma que soube, adotando sempre a máxima, “prefiro a disciplina à indisciplina”, ao ponto do seu Comandante, o Tenente-coronel Ferreira da Cunha (como comandante do Batalhão de cavalaria 8320), o ter Louvado neste TO (Teatro de Operações) duas vezes, a primeira em 11 de Abril de 74, pelo “… seu gesto, sentimentos e humanidade dignos de apreço…” (O.S. nº86 do Bat. Cav. 8320), e em 6 de Agosto de 1974 “…porque ao longo de quase 25 meses de Comissão no T.O. da Guiné, ir desempenhando as suas funções com muito zelo e aptidão. Escriturário da Secção de Reabastecimentos e Tesouraria, tem desempenhado idênticas funções junto do Exmo segundo comandante deste Batalhão. Na ausência do Furriel encarregado da secretaria anexa ao gabinete do Exmo 2º comandante, o primeiro cabo Pinto soube sempre manter, com eficiência notável os serviços de entrada de correspondência e arquivo da mesma, em acumulação com as tarefas que desempenhava. Espírito voluntarioso, sempre deu a sua total e desinteressada colaboração à organização das atividades desportivas e culturais havidas. …”(O.S. nº183 do Bat. Cav. 8320). Como condecoração, teve direito, como todos os ex-combatentes neste TO, à Medalha Comemorativa das Campanhas da Guiné, com a legenda “1972/74 (Ordem de Serviço nº138 do Batalhão de Cavalaria 8320). 

 O 1º cabo Pinto no Mato, preparado para mais uma missão. 

José Alberto Pinto com miúdos de um Tabanca local, na zona de Bula (1973). 

Após o Golpe Militar do 25 de Abril, e depois dos primeiros acordos com o PAIGC, iniciam-se por toda a Guiné, os primeiros contactos com o IN, e nesse sentido, o comandante militar de Bula, juntamente com o comandante de Có, reuniram em 16 de Junho de 74, com o Comando (comissário) Político de Biambe (PAIGC). Estes contactos continuam, e em 13 de Julho o Comandante de Bula reúne com o comando do “8 El PAIGC”. Segundo os “Relatórios” por mim consultados, excetuando os casos de Buruntuma e Jemberem, a retracção do dispositivo das Nossas Forças Militares decorreram normalmente, tendo as FARP (PAIGC) recebido o Aquartelamento de Bula, das nossas forças, em 8 de Setembro de 1974. O nosso 1º cabo José Pinto, segue então com o seu Batalhão de Cavalaria 8320/72, para o Centro de Instrução militar do Cumeré, local onde ficarão sediados, até o dia 25 de Agosto desse ano, dia em que embarca para regressar à Metrópole, com o seu Batalhão. Durante estes dois anos, mas corretamente, durante 26 meses, muitas histórias este ex-combatente terá para contar, e que brevemente o fará aqui neste nosso blogue. Passando agora à abordagem do “episódio em causa”, e segundo o nosso protagonista, “…o referido Batalhão [, BCAV 8320/72,] do qual eu fazia parte, não se pode dizer que era indisciplinado, pois não o era... Mas com 26 meses e companhias com apenas 13 e 14 meses a virem embora e nós a ficarmos por lá não se sabia a fazer o quê... foi essa a razão da indignação, não revolta. …”. Estas são algumas das suas explicações para justificar a “caminhada/revindicação” durante a noite de 22 de Agosto para 23 de Agosto. Em virtude do referido, a maioria dos militares do Batalhão de cavalaria 8320/72, indignados por não chegar a sua vez de regressar à Metrópole, vendo-se ultrapassados por outros contingentes com menos tempo no TO da Guiné, insurgem-se contra tal, e resolvem (a grande maioria do batalhão), dar conhecimento ao seu comandante, o Sr. Tenente-coronel de cavalaria, Ferreira da Cunha, um oficial que segundo o José Pinto, colhia respeito e admiração, das suas “reivindicações”. Na noite de 23 de Agosto, a esmagadora maioria dos militares do Batalhão pediu a presença do seu comandante e expôs-lhe a sua decisão, de “marcharem sobre Bissau” e exigirem que os Comandos do CTIG, os embarquem, de preferência de avião, para regressarem finalmente à Metrópole. Esse encontro não teria sido muito pacífico, mas não houve lugar a muitas explicações e discussões, pois a decisão já estava tomada! Eram momentos difíceis, em que a “liberdade conquistada” pelo golpe militar do 25 de Abril, bem como “a força dada a todos os militares, pelos comissários políticos do novo regime” a instalar-se no nosso país, os jovens oficiais do MFA, legitimavam que “reivindicações no seio das Forças Armadas Portuguesas” se afirmassem de uma forma “nunca dantes permitida”, sem que na altura fosse considerado “um verdadeiro ato de indisciplina”, no sentido de violar o RDM da instituição militar (Regulamento Disciplinar Militar). 

Imagem retirada do Google, onde se pode perceber a localização de Safim e o referido cruzamento para Bula, relativamente à distancia de Bissau, zona apontada por alguns ex-combatentes do Batalhão 8320/72, como aquela onde o Batalhão 8320/72 teria sido “barrado 

É claro que esta é uma opinião pessoal, mas que não descarta, que esta decisão de “um grande grupo de militares”, poderia eventualmente, perigar a segurança e integridade de muitos outros camaradas, já que estávamos em plena implementação do “Dispositivo de Retracção das nossas Forças”, com o IN por perto e a “cercar” e tomar conta da maioria dos aquartelamentos das nossas forças, como tal, alguns comandantes do PAIGC, não só eram “exigentes”, como revelavam agressividade e ameaças, impondo unilateralmente condicionalismos na circulação das nossas forças. Nesse sentido, o PAIGC poderia “aproveitar” a nossa retirada “apressada e sem cuidados de segurança” e tentar infligir uma ofensiva neste ou noutro local, o que felizmente não aconteceu com eventuais consequências graves para as nossas forças, que mantiveram sempre uma “testa de ferro”, seguindo princípios gerais táctico-militares de implementação de uma Retirada de um grande dispositivo militar, e foi no cumprimento estrito da aplicação desse princípio, retirar “de fora para dentro”, ou da frente de combate para a retaguarda, as forças que estavam no terreno em contacto com o IN, que assim se realizou na generalidade a nossa retirada, para que tudo corresse de feição e com segurança para as NF. Mas este “princípio táctico-militar”, da nossa “Retirada Final”, possibilitou que Companhias ou Batalhões mais antigos no TO da Guiné fossem ultrapassados, por outros menos antigos e mais “maçaricos”, mas tudo em prole de uma “Retirada Segura” e ordenada da nossa parte, esta é a minha análise destes incidentes, bem como parte da explicação para que alguns contingentes fossem “ultrapassados” relativamente à sua antiguidade. No entanto não quero de forma alguma, com estas minhas palavras criticar quem quer que seja, apenas relatar com o máximo de rigor este cruciais momentos, que foram sem dúvida momentos difíceis para todos os nossos compatriotas que se encontravam naquele que foi sem sombra de dúvida o PIOR TEATRO DE OPERAÇÕES, dos três Teatros que tínhamos na altura. 

Cruzamento em Safim, onde na noite do dia 22 de Agosto de 1974, o então Chefe do Estado Maior do QG unificado para o Comando Chefe e CTIG, coronel Gonçalves Vaz, interrompeu a marcha sobre Bissau e tentou “negociar” no sentido de evitar que o Batalhão 8320/72 chegasse a Bissau sem autorização superior e sem o seu comandante.  

Chefe do Estado Maior do QG unificado para o Comando Chefe e CTIG, coronel Gonçalves Vaz. 

Como já disse aqui no blogue, o editor Luís Graça, “… a cadeia hierárquica começou a fragilizar-se, a metrópole estava em polvorosa, ninguém queria ser o último a fechar a porta...”, e então é neste contexto que no final da 3ª refeição do dia 22 de Agosto de 1974, o Batalhão 8320, no Cumeré, pede a presença do seu comandante, o tenente-coronel Ferreira da Cunha, e lhe comunicam a decisão de “marchar sobre Bissau”, já que sentiam “… indignação, pelo facto de haver tropa muito mais nova do que nós e que vinham nos TAM, nos aviões militares, e nós por lá estávamos...! ...”. A esta tomada de posição por parte da grande maioria, o Comandante do Batalhão retorquiu sem rodeios: “… só por cima do meu cadáver!...”, e segundo o ex-1º cabo José Pinto, o Batalhão deixou mesmo o seu comandante ali a falar sozinho, e encetou a viagem para Bissau, mas desarmados e sem bagagens de qualquer espécie, conforme me relatou o ex-combatente Pinto, e se pode perceber pelas suas palavras “… nós é que fomos, pois ele não nos queria deixar sair, mas nós desobedecemos e deu-se até um episódio que podia resultar em tragédia, pois nós caminhávamos em fila indiana, uns de cada lado da estrada, e uma Mercedes do tipo das dimensões de uma Berliet, virou-se (numa curva antes de Safim) e por sorte, não apanhou ninguém, e fomos nós que a colocamos novamente na estrada a pulso….”. Será fácil perceber por este episódio, que o número de militares teria de ser mesmo muito grande… para poderem “endireitar” uma viatura pesada como a do relato. Entretanto pelo início da noite desse mesmo dia, comunicam do Cumeré para Bissau, à pessoa do então Chefe do Estado-Maior do QG unificado, o coronel de cavalaria e do CEM, Henrique Gonçalves Vaz (meu falecido pai), no sentido de o informarem do que se estava a passar. O coronel Henrique Gonçalves Vaz, para que fique registado, agiu de acordo com as suas funções na altura, (CEM do comando unificado), pois não competia aos “comissários políticos” do MFA, os jovens capitães a que devemos, sem dúvida, o Regime Democrático em que hoje vivemos, implementar com o “Máximo de segurança”, a nossa retirada, já que por despacho do Brigadeiro Fabião, era ele o responsável, entre muitas outras competências (ler Nota1), elaborar o “Plano de Entrega dos Aquartelamentos”, como tal tomou imediatamente providências, e deu ordens para que o Batalhão fosse interditado na localidade de Safim, para ter tempo de lá chegar e “convencer” os militares a regressarem ao Cumeré. Segundo me confirmou pessoalmente, o ex-1º cabo José Pinto, nessa zona, mais propriamente no cruzamento para Bula em Safim, surge um companhia armada e barra a progressão do Batalhão de cavalaria, ao ponto dos militares de Safim, preocupados com a integridade física do Batalhão “desarmado”, prometeram aliarem-se ao mesmo, se a “força armada” lhe fizesse mal… Pelo que me contou o José Pinto, não houve confrontos e passado pouco tempo chega de Bissau, um oficial do Estado Maior, sem grande comitiva (apenas com um condutor auto… ), o seu conterrâneo, coronel Henrique Gonçalves Vaz, que não identificou na altura, pois não o conhecia pessoalmente, e só se lembra que era um oficial superior e do Estado Maior de Bissau! Eu depois de ler todas as notas pessoais do último CEM/CTIG, posso aqui adiantar que esse oficial do Estado Maior, era o então Chefe do Estado Maior do QG unificado para o Comando Chefe e CTIG, que esteve até às 3 horas da madrugada a tentar resolver este “incidente da retirada das nossas forças”, e foi nesse sentido que mal chegou a Safim, saltou para cima de um jipe, conforme me contou José Leal Pinto, e iniciou um diálogo com os militares do referido Batalhão 8320, prometendo a todos que se voltassem imediatamente para o Cumeré, comprometia-se a resolver o assunto do seu regresso à Metrópole, o mais breve possível, e que teriam um regresso, quando possível, de avião dos TAM, o que na altura imediata não seria possível, só de barco! Os elementos do Batalhão retorquiram que: “…já que estamos mais perto de Bissau, o melhor é continuar na sentido de Bissau, pois o Cumeré estava mais distante!...”, a este comentário e vontade, o coronel Henrique Vaz respondeu, “… se esse é o problema, eu mando vir já de Bissau viaturas em número suficiente para vos transportar até ao Cumeré…!”. E segundo me contou pessoalmente, o ex-combatente José Pinto, o CEM/CTIG mandou mesmo, durante essa mesma madrugada, que dos “Adidos de Bissau” viessem viaturas que transportassem todos os militares novamente para o Cumeré, o que aconteceu. Na manhã do dia seguinte, quando o coronel Henrique Gonçalves Vaz comunicou ao Brigadeiro comandante do CTIG, toda a situação, bem como o pôs ao corrente da sua actuação, informando-o de que teve de fazer algumas concessões, no sentido de evitar que grande número de militares chegassem a Bissau, com todas as consequências nefastas que daí poderiam advir! Pelo que pude constatar nas notas pessoais do então CEM/CTIG, o mesmo brigadeiro comandante não só não concordou, como censurou o chefe do Estado Maior pela iniciativa tida…, daí o brigadeiro comandante do CTIG (Galvão de Figueiredo), teve de ceder às reivindicações dos militares e no dia seguinte, autorizar mesmo que o Batalhão 8320/72 embarcasse finalmente, não de avião, mas de barco, no navio Uíge, o que aconteceu no início da madrugada do dia 25 de Agosto, ao contrário do que previa o coronel Henrique Gonçalves Vaz, nas “suas negociações”, naquela noite atribulada de Agosto do longínquo ano de 1974. 



Encontro do Batalhão de cavalaria 8320/72 no ano de 1987, em Massamá/Queluz, que contou com a presença do seu antigo comandante, o Sr. Coronel de cavalaria Ferreira da Cunha, o segundo do meio, a contar da direita de fato e de cabelo todo branco. 


Como nota final deste relato que em minha opinião, se impunha relatar, poderemos presumir (apenas como reflexão, nada mais…), que se os militares deste Batalhão, tivessem conseguido “controlar um pouco” as suas exigências, teriam talvez regressado mesmo nos aviões dos TAM, aliás como muitos outros militares regressaram, tudo em voos “planeados atempadamente” pelo comando militar do CTIG, durante esta “Retirada Final”, onde o último Chefe do Estado Maior do QG unificado para o Comando Chefe e CTIG, o coronel do CEM, Henrique Gonçalves Vaz, teve muitas e “complexas” responsabilidades. Para que não fique dúvida nenhuma sobre a posição do então CEM, no sentido de “Honrar a palavra tida com o Batalhão 8320/72”, termino este artigo com duas das muitas notas pessoais do coronel Henrique Vaz, já aqui publicadas, a saber: 

Bissau, 22 de Agosto de 1974 

"... História do Batalhão de Cavalaria nº 8320 do Tenente-Coronel Ferreira da Cunha, que se pôs a andar do CUMERÉ, depois da 3ª refeição, em direcção a Bissau, a pé, sob chuva inclemente. Minha actuação ..." 

Bissau, 23 de Agosto de 1974: 

"Como na noite anterior me deitei muito após as 2h, talvez 3 da manhã, levantei-me um pouco depois das 7.30H. A minha "actuação" foi criticada pelo Brigadeiro Comandante nestes termos: "quem o mandou lá? Fazer concessões em meu nome?!" Lá lhe expliquei os motivos do meu procedimento. Em vez de me felicitar, eis o que deu! Durante o dia, as "resistências" do Batalhão indisciplinado vieram ao de cima ... (reticências do próprio) e não teve remédio (o Comandante Militar) senão [...] ceder!, fazendo embarcar o pessoal amanhã à tarde! Eu não desisti e chamei sempre à atenção para a gravidade da situação. ...". 

Coronel Henrique Gonçalves Vaz (Chefe do Estado-Maior do CTIG) 

Tropas portuguesas em viagem no Paquete Uíge (Foto retirada de: 

O 1º cabo José Pinto, finalmente no navio Uíje 

Resta-me agradecer aqui publicamente, ao nosso camarigo e ex-combatente, José Alberto Leal Pinto, a frontalidade das suas posições, o nobre sentido de defender a honra do seu Batalhão, bem como a sua amabilidade em se encontrar comigo, o interesse em me conhecer e contar é claro a sua versão, em quem confio plenamente. Dedico este meu artigo a todos os militares protagonistas destes últimos meses difíceis neste TO da Guiné, especialmente ao meu falecido pai e a todos aqueles que direta ou indiretamente estiveram envolvidos neste episódio, um dos muitos que existiram, durante a Retirada das NF, do TO da antiga Província Ultramarina da Guiné Portuguesa. 

Nota (1): Sobre os “Planos de Evacuação da Guiné” (Abril/Outubro de 1974) 

“… Noutro documento, sem data, que surge aparentemente anexo a este “Plano de Evacuação” são listadas um total de 77 unidades. O extenso documento inclui várias páginas com uma grelha onde estão listadas, da esquerda para a direita o nome da unidade, o trajecto (localidade onde está, percurso e destino, Bissau), e outros pormenores, como data de saída da localidade, chegada a Bissau, aquartelamento, partida para Lisboa, etc. etc. Este segundo documento tem, no final, o nome do Comandante Militar, Brigadeiro Galvão de Figueiredo, mas não está assinado por este. Está, sim, autenticado pelo Chefe de Estado-Maior, Henrique Manuel Gonçalves Vaz, Coronel do CEM. … “ 

Paulo Reis (Jornalista) in: 


Fotografia do encontro do José Alberto Pinto com Luís Vaz.



Luís Gonçalves Vaz

(Tabanqueiro 530)  

Fotos © José Alberto Pinto (2012). Direitos reservados.

___________ 

Notas de M.R.: 



Em meu nome, dos demais editores e Camaradas da Tabanca Grande apresento as boas-vindas a esta cada vez maior tertúlia virtual ao José Alberto Pinto, convidando-o a sentar-se à vontade debaixo deste frondoso e fresco poilão. 


Contamos contigo para refrescar as nossas memórias (boas e más) da Guiné. Um Alfa Bravo para ti e outro com agradecimento por este trabalho ao Luís Vaz. 

Vd. último poste desta série em: 



Guiné 63/74 - P10038: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte IX: Os maus ares de Guileje, aos 18 meses de comissão

 


Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 191/199  > Obus 14, pormenor.
 


Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº180/199 >  Obus 14.




Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 190/199 > Espaldão do obus 14, granada de obus e obus.



Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 188/199 > Construindo o espaldão do obus e abrigo para o pessoal do Pel Art.




Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 187/199 > Quartel, pormenor.






Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 185/199 > As messes.






Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº186/199 > Messe.




Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº Extra 1/199 > Quartel, pormenor.






Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº Extra 2/199 > Tabanca, pormenor.






Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº Extra 4/199 > Instalações do pessoal do Pel Art. 


Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Fotos editadas e parcialmente legendadas por L.G.].



ÍNDICE

1. Curso de Oficiais Milicianos
1.1. Mafra – Escola Prática de Infantaria
1.2. Vendas Novas – Escola Prática de Artilharia – Especialidade: PCT (Posto de Controlo de Tiro)
2. Figueira da Foz – RAP 3 - Instrução a recrutas do CICA 2
3. Viagem para a Guiné (10 de Dezembro de 1967)
4. Chegada à Bateria de Artilharia de Campanha nº 1 (BAC 1) e partida para Bissum
5. Bissum-Naga
6. Regresso a Bissau para gozar férias na Metrópole (Julho de 1968)
7. Piche
8. Bissau, BAC 1
9. Bedanda
10. Gadamael-Porto (Parte I e Parte II)
11. Guileje
12. Bigene e Ingoré.



A. Memórias da minha comissão na Província Ultramarina da Guiné - Parte IX (*)

por João Martins (ex-Alf Mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69)

11 – Guileje



Confesso que não me dei bem com os “ares” de Guileje, já estava com quase dezoito meses de comissão e a duração dos ataques e o barulho do morteiro 120 causavam-me um certo transtorno psicológico na medida em que, quando éramos atacados,  tinha que correr para as bocas de fogo e ficar exposto porque era o meu pelotão que tinha que fazer frente ao inimigo. 


O alferes, o furriel e uma das secções que nos tinham precedido,  tinham perecido quando uma granada caíu em cima do obus,  partindo uma das flechas.


Depois de ter gozado umas férias,  mais que merecidas,  em Agosto de 1969, regressei à Guiné, onde me esperava nova missão, desta vez, no norte, em Bigene e Ingoré.


_________________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 9 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10015: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte VIII: De passagem por Gadamael a caminho de Guileje

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10037: Os nossos seres, saberes e lazeres (45): Para breve o lançamento do livro "Palavras de um defunto... antes de o ser", por Mário Tito (Mário Serra de Oliveira)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Serra de Oliveira (ex-1.º Cabo Escriturário, Bissau, 1967/68), com data de 6 de Junho de 2012, a propósito do lançamento do seu livro "Palavras de um defunto, antes de o ser" que foi já em parte divulgado no nosso Blogue*:

Olá Carlos:
Com um abraço, junto em anexo a capa e contra capa do meu livro, com trechos de alguns tópicos no interior do meu livro.

Abaixo, é o texto recém-recebido enviado pela editora, sugerindo datas e local de lançamento. Por mim, a data já está. Agora, o local, creio que será Lisboa por uma questão de conveniência a não ser que muitos dos nosso camaradas se quisessem deslocar à minha aldeia - O Alcaide, nas faldas Norte da Serra da Gardunha. Uma aldeia muito bonita digna de visitar. Aliás, todas as aldeias são dignas de se visitar. Não sou tão bairrista ao ponto de ser fanático.

Conforme pedes na tua ultima mensagem, aí vai a página digitalizada.

Titulo: "Palavras de um defunto, antes de o ser"!
Autor: (Eu... mas com nome de família. Mário Tito.
Páginas: Entre 450 a 500.
Preço Publico: €16 - imposto pela editora.
Preço para camaradas ex-combatentes: €13 - se comprado directamente a mim.

Opção de pagarem €16, com uma doação feita por mim a uma organização de beneficência escolhida por cada qual, através de preenchimento de um formulário. Creio que seria mais apropriado deste modo.

Vou procurar saber quem será o apresentador (será que serei eu?) e, oportunamente tratarei dos convites apropriados.

Por agora seria só a titulo informativo, para que todos possam ver a capa e contra-capa para terem uma ideia.

Para já, a data escolhida por mim é a de 28 de Outubro. Falta o endereço em Lisboa, porque se for na minha Aldeia, aquilo não tem nada que enganar. Alcaide-Fundão.


Clicar na imagem para a ampliar e permitir a leitura dos textos


2. O texto seguinte é uma mensagem da editora que me foi dirigida:

Caro Mário Tito,
Podemos perfeitamente agendar o Lançamento da obra para Novembro, qualquer dia do mês.
O Lançamento da obra deverá ser na zona geográfica onde consegue reunir o maior número de pessoas de uma só vez. Se não tiver contactos/convidados em Lisboa, provavelmente fará mais sentido fazer um único e grande Lançamento da obra na sua terra para dia 27/28 Outubro ou dia 3/4 Novembro.
Cumprimentos

Um abraço Carlos.
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

2 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8984: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (34): Palavras de um senhor defunto, um livro de Mário Serra de Oliveira (1): Preâmbulo e Introdução

4 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8994: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (35): Palavras de um senhor defunto, um livro de Mário Serra de Oliveira (2): Deâmbulo e Capítulo I

7 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9008: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (36): Palavras de um senhor defunto, um livro de Mário Serra de Oliveira (3): Autobiocómica: Nascimento, Educação e Amores

10 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9019: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (37): Palavras de um senhor defunto, um livro de Mário Serra de Oliveira (4): Autobiocómica: Passatempo, traquinices, enquanto teen-ager

13 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9037: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (38): Palavras de um senhor defunto, um livro de Mário Serra de Oliveira (5): O batismo do vinho

Vd. último poste da série de 16 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9911: Os nossos seres, saberes e lazeres (44): Saltar de pára-quedas, um sonho realizado depois dos sessenta... agora sozinho (Paulo Santiago)

Lembramos que o nosso camarada Mário Serra Oliveira, acabada a sua comissão de serviço, ficou em Bissau onde, entre muitas peripécias, viveu a independência da Guiné e algumas das convulsões por que passou aquele país irmão.

Guiné 63/74 - P10036: Notas de leitura (369): "Bissau, Entre o Amor e a Guerra", de Leonel C. Barreiros (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 30 de Abril de 2012:

Queridos amigos,
Fui há dias dar umas aulas de segurança alimentar no Instituto Superior de Estudos Militares, coscuvilheiro como sou, entrei na biblioteca e descobri esta pérola.
O soldado Calvário é seguramente o alter-ego de Leonel Barreiros, com quem já falei e já se começa a viciar no nosso blogue. Depois do livro de Manel Mesquita, é a descoberta prazenteira de um relato não confabulado, o diário de alguém que a partir da Amura, sem encobrimentos da sua vida íntima, nos descreve os primeiros anos da guerra.
Mais uma edição de autor que precisa de conhecer a grande circulação. A ver se o Leonel Barreiros nos descreve mais coisas quando entrar no blogue.

Um abraço do
Mário


Diário do soldado Calvário, da Companhia de Polícia Militar 590, Guiné 1963/1965

Beja Santos

Ninguém ignora que foram pouquíssimas as praças que escreveram testemunhos sobre as suas comissões militares. Leonel C. Barreiros foi soldado de uma Companhia de Polícia Militar, viveu sem desfalecimento na fortaleza da Amura dois anos e escreveu um diário dos quais publicou um extrato em 1993, edição de autor.

É um relato singular de alguém que escreve prosaico, que dá público testemunho de engates e muita estúrdia, temos ali a evolução da guerra contada por terceiros que passam por Bissau, que ele visita no Hospital Militar; percebemos a máquina da informação e da contrainformação, o autor despe por dentro a instituição mais odiada por todos aqueles que passavam por Bissau, por esta ou por aquela razão – a PM. “Bissau entre o amor e a guerra” é um feliz achado, um testemunho que se recomenda aos investigadores, está ali o registo dos primeiros anos da guerra, saem do punho de alguém que não se precisa de vangloriar pelo que viu e ouviu.

Primeiro, a despedida da família, as dores vivas da separação, o embarque no “Índia”, nos finais de Outubro de 1963. Ele chama-se Calvário e vem de Viseu. Ficamos a saber que o alferes Mário Tomé é o número dois da sua Companhia. Vão prontamente habitar na fortaleza de S. José da Amura. O diário começa a 5 de Outubro, primeiro dia de serviço. Aliás, pendularmente o Calvário está de reforço, na ronda, ordenança, de reforço ou de faxina ao refeitório. O primeiro serviço é no Hospital Militar. Uma enfermeira dá-lhe as seguintes instruções: “Tome bem nota do que vai ouvir. Está aqui dentro um nativo com a patente de alferes-tenente, comandante de uma companhia de guerrilheiros. Há quatro dias atacou as nossas tropas, onde perderam a vida 4 homens e foram feridos todos quantos estão dentro daquela enfermaria. Neste quarto só pode entrar o oficial de dia, médicos, pessoal de enfermagem, comandante militar e as senhoras do Movimento Nacional Feminino”. Irá estabelecer-se uma comunicação afetiva entre guerrilheiro e polícia, ao longo de meses. Aos poucos, Calvário familiariza-se com Bissau. Surge a lavadeira, Canjala, a primeiríssima história de envolvimentos amorosos, de curta ou média duração.

Assombra-se com os alfaiates de rua. Faz por vezes serviço na Capela Militar de Santa Luzia, onde jazem em câmara ardente os tombados em combate ou por acidente. Vai apresentado os seus camaradas, começa pelo Rei do Sono, um dorminhoco crónico. Antipatiza com o Cabo Rancho. O comandante dá murros a torto e a direito. Logo em Novembro toca a piquete e vão para a Praça do Império dispersar uma manifestação. Aparece lá na caserna o Montijo, um ex-P.M. que cumpriu serviço em Bissau e agora é chefe de posto no interior e descreve-o: “O seu aspeto físico era resultado do medo que os nativos tinham dele. Pelo bem, era boa autoridade administrativa; pelo mal, agia severamente”. E comenta, adiante: “O movimento da guerrilha alastrava cada vez mais. Os componentes destes grupos, quando feridos, eram levados para o Hospital Militar, onde eram tratados da mesma forma que os militares portugueses”. De vez em quando saem de Bissau, vamos ficando a saber que há flagelações e intimidações à população à volta de Mansoa, minas na estrada Bula-Binar. Ao fim de um mês, já não está impressionado com todos aqueles helicópteros que depositam feridos no Hospital Militar. Depois Mariana, uma cabrita, entra na vida de Calvário. É pela rádio que ele vai conhecendo o desenvolvimento da guerrilha, em Farim, no Gabu, fala-se insistentemente no Sul. Vamos conhecendo mais nomes da malta da caserna: o Viana, o Corroios, o Alentejano, o Moraria, o Leiteiro, o Faralhista, o Entretela, o Arrentela. Nas folgas, vão em grupo e atacam em todos os bailes. Chegou-se à quadra do Natal e ele anda triste: “Muitos militares choravam às escondidas. Depois do jantar, o grupo dos mais malandros juntou-se a mim para cantarmos a chorar hinos ao Menino Deus, fomos assistir à missa do galo, depois seguiu-se um espetáculo de variedades". Calvário tem várias madrinhas de guerra ao mesmo tempo.

É um diário onde se registam rixas, bebedeiras monumentais, bailaricos com meninas bem empoeiradas com pó de talco. E há também quadras ao gosto popular, como no Dia de Reis de 64, o Calvário soube que tinha havido mais dois mortos na zona de Buba e assim escreveu: “Entre a guerra e o silêncio/ E a sombra de um mangue/ Lágrimas de mães e de noivas/ Rostos lavados em sangue./ Nos olhos tristes dos tristes/ O fúnebre cortejo passando/ Como a tristeza de uma ave/ Que a voar se vai queixando”. Aqui e acolá, vão fazendo rusgas, de vez em quando apanham armas e até sacos com granadas. A 14 de Janeiro escreve que aqui embarcou o batalhão 490, vão participar numa operação designada por “Colmo”. Ele sabia que era um grande empreendimento e iam muitos militares para um objetivo onde os guerrilheiros estavam bem implantados. Ficou impressionado com aquela máquina de guerra que partia do cais de Bissau para as ilhas do Sul. É Marina que vai informando do que se está a passar, os guineenses sabem muito bem do que se trata. A partir daí o seu diário fala dessa operação sem parança, a P.M. procede a escoltas do carregamento de munições para o aeroporto, mas não deixa de dar outras notícias, úteis para se perceber o desenvolvimento da guerrilha, como em 20 de Janeiro: “A visita do Fernando Cristino de Viseu fez com que andássemos todo o dia na borga. Mas deu-me a possibilidade de registar os acontecimentos mais interessantes do seu destacamento por terras de Farim. Pertencia ao Esquadrão de Cavalaria n.º 365 com Comando em Bafatá. Deste esquadrão saiu destacado o pelotão do Cristino para Farim, onde esteve até terminar a Comissão. Deste pelotão saiu para a localidade de Binta uma secção para guarnição aos celeiros da mancarra. Certa noite foram atacados por aqueles que comiam e bebiam com eles à mesa, com espingardas de carregar pela boca, duas com carregador de balas e umas 4 ou 5 caçadeiras (…) A primeira baixa que sofreram foi quando rebentou uma mina por baixo da autometralhadora o que deixou o condutor com as duas pernas estilhaçadas. A segunda baixa surgiu quando o cabo que levava o detetor de minas levou uma rajada no pescoço, surpreendidos por uma emboscada”. Os noticiários radiofónicos matraqueiam com o sucesso da operação do “Colmo”. Como o pré é insuficiente, Calvário e muitos outros tornam-se dadores de sangue, sempre eram 450 escudos de cada vez, era dinheiro para a ramboia. De vez em quando são metidos num rebocador, vão desempenar barcos carregados de mancarra e segundo relata chegam ao Corubal, não se percebe lá muito bem, fala no Xitole que, como se sabe, estava distante do Corubal. Chegam notícias que as coisas naquela grande operação do Sul não estão a correr bem, os céus de Bissau estão a permanentemente a ser riscados pelos aviões que partem ou chegam.

É um diário que se lê sem tédio, é uma prosa possível para um jovem com a 4.ª classe que vai averbando cenas de pancadaria, engates descarados, os estampidos da guerra, crianças que perdem os pais, que anda em idílio com a Mariana e começa a perceber que aquela chegada contínua de batalhões tem mesmo a ver com o progresso da guerrilha. E estamos em Março de 1964, Calvário escreve sem parar, praticamente todos os dias. E consegue esconder todos aqueles apontamentos de olhares indiscretos.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10021: Notas de leitura (368): Revista "Ultramar" e "Abrindo Trilhos Tecendo Redes" (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10035: In memoriam (119): 11 militares (10 da CCAÇ 16 e 1 da 3ª C/BCAÇ 4615) e um número indeterminado de civis, mortos na emboscada de 22/4/1974, na estrada Bachile-Cacheu (José Joaquim Rodrigues / Bernardino Parreira)




Página de rosto do blogue Gotas d' Água... O autor, J.J. Rodrigues,  assina-se com o pseudónimo o Gota d' Água, e tem perfil no Blogger desde novembro de 2006... Possui diversos blogues ligados às coisas e às gentes da sua terra (Conceição,  Faro)... Diz-se um contador de histórias, "algumas rimadas, outras apenas prosadas, mas todas imaginadas", e onde "qualquer semelhança com situações reais é (im)pura coincidência", pelo menos "até ver"... 


Sabemos que se trata de um camarada, ex-fur mil,  que pertenceu à 3ª C/BCAÇ 4615/73 (, batalão sediado em Teixeira Pinto),tendo deixado  um comentário no poste P4267, de 29 de abril de 2009: 


"Olá, amigos. Há algum tempo que sigo o blogue e a página sobre a Guiné, uma vez que também sou um antigo combatente na Guiné. Tentei encontrar notícias do meu Batalhão 4615, que em 73/74 esteve na zona de Teixeira Pinto. Se por acaso algum camarada, desse batalhão, ler este comentário agradeço que me mande uma mensagem para o e-mail: jlrodrigues.22@gmail.com. Um abraço, J.J. Rodrigues". 


Depois de diversos mails trocados com o nosso camarada Bernardino Parreira, que vive em Faro e que foi fur mil na CCAÇ 16 (1972/73), descobrimos que se trata do José Joaquim Rodrigues a quem saudamos e convidamos a integrar a Tabanca Grande. 


Desta companhia, a 3ª C/BCAÇ 4615, já temos entre nós o António Tavares Oliveira, também  ex-fur mil, e que vive em Vila Nova de Gaia. Diz-nos que esteve no TO da Guiné entre Out de 1973 e Set de 1974. O batalhão era conhecido como o Pifas.




1. Comentário de Bernardino Parreira, com data de 24 de setembro de 2010, ao poste P7024:

Caro amigo [António] Branco

Esta tua crónica demonstra bem a forma como a Guerra evoluiu na zona de Bachile/Teixeira Pinto, entre 1972/73/74. Pelo que se sabe, o poderio militar do PAIGC passou a estar muito acima do que dispúnhamos. O que até ao fim de 1972 parecia ser uma zona "calma", com o perigo à espreita, visto o aquartelamento de Bachile se situar a pouca distância da residência do IN (Caboiana), passou a ser, nos fins de 1972 princípio de 1973, mais um ponto nevrálgico da guerra. 


Após o meu regresso [à metrópole], em Março de 1973, tive conhecimento da morte de muitos camaradas da CCAÇ 16, bem como de elementos da população civil, na sequência de ataques do PAIGC. Seria pertinente, para ajudar a escrever a História desta Guerra, que os ex-combatentes que testemunharam, de alguma forma, estes episódios os divulgassem. (*)

Por acaso, encontrei na Internet o testemunho de um meu conterrâneo, de Faro, autor e editor do Blogue "Gotas d' Água", que se refere, precisamente, a um episódio de guerra na zona de Bachile, que vem confirmar, em parte, a justeza desta tua crónica. Dada a falta de espaço, irei transcrever a seguir o relato que encontrei no Blogue "Gotas d'Água".

Um grande abraço
 Bernardino Parreira
CCAÇ 16
Bachile, 1972/1973 




2. Histórias de guerra VII > Bachile


Reprodução.  com a devida vénia, do Blogue  Gotas d'Água > 29 de setembro de 2007 > Histórias de guerra VII [,José Joaquim Rodrigues, ex-fur mil, 3ª C/BCAÇ 4615/73, Bachile e Bassarel, 1973/74] 

O Bachile ...

Zona muito perigosa, situada a meio caminho entre Teixeira Pinto e Cacheu, no Bachile estava sedeada uma Companhia de guerreiros operacionais guineenses que operava os Obuses. Nesta Companhia estavam também alguns guerreiros graduados,  naturais da metrópole. [Referência à CCAÇ 16].


Mesmo encostada ao Bachile ficava a misteriosa Caboiana, mata onde se sabia existir um quartel-general dos "turras”, nome assustador pelo qual designávamos os guerreiros inimigos; pelo seu lado, eles vingavam-se chamando-nos “tugas” mas que afinal viemos a saber apenas queria dizer “brancos”.

Na recepção, os “velhinhos” logo tentaram matar-nos de susto, exagerando no seu comportamento, mais parecendo acabados de sair do manicómio do que verdadeiros guerreiros. Relataram-nos com exagerados detalhes os sucessivos ataques sofridos ao arame, isto é, junto à vedação exterior do aquartelamento. Segundo afirmavam,  os turras não os deixavam dormir ou descansar porque os confrontos eram quase diários. Viver mais de dois anos naquela situação, tinha-os deixado em estado de semi-loucura!
Tanto ronco tinha-os deixado cacimbados! (tanta festa tinha-os deixado malucos!)

Instalámo-nos como pudemos, iniciando de imediato este inevitável esforço de guerra. Agora, em pleno teatro de guerra, todas as operações eram feitas com grande cuidado, devido ao enorme risco que as envolvia.

Felizmente enquanto permanecemos no Bachile não houve qualquer confronto com os guerreiros inimigos, embora por vezes pressentíssemos a sua presença espiando os nossos movimentos.

Finalmente para nosso alívio, chegou o dia de abandonarmos o Bachile. Deixaríamos um grupo em Churobrique e outro em Chulame,  indo o resto da Companhia [3ª C /BCAÇ 4615], incluindo o guerreiro do sul [, José Joaquim Rodrigues, o autor do relato], instalar-se em Bassarel, zona teoricamente um pouco mais calma.

No Bachile, mais um pequeno incidente com o guerreiro do sul que aqui "apanhou o paludismo" tendo levado a famosa "injecção de cavalo” o que lhe valeu um enorme inchaço na anca e a perna direita toda apanhada. Pudera,  as injecções eram doses para as referidas cavalgaduras, não para humanos, mesmo que guerreiros. Mas o fim justifica o meio e o paludismo foi gradualmente desaparecendo, para alívio do guerreiro do sul.

Nesta breve referência ao Bachile, cabe aqui o relato de um grave incidente de guerra, ocorrido poucos meses após a nossa saída, no qual foram intervenientes o nosso grupo de Churobrique, um grupo do Bachile, um grupo de combate da 2ª.Companhia e os Fiats da Força Aérea, para além dos guerrilheiros inimigos.

Pelo meio cerca de cinquenta civis que,  não tendo directamente a ver com a guerra, só porque naquele momento estavam a trabalhar para as nossas tropas, foram dura e barbaramente castigados.

Uma manhã, o grupo de combate do Bachile [, CCAÇ 16,] fazia,  como habitualmente, a escolta a uma Berliet com cerca de cinquenta trabalhadores civis que,  havia uma semana,  efectuavam trabalhos de “capinagem”, isto é, cortavam o mato que envolvia a estrada para o Cacheu. Atrás, com o objectivo de durante o decorrer dos trabalhos diários, fazer a segurança dos mesmos trabalhadores, seguia um Unimog, com o grupo de combate de Churobrique [3ª C/BCAÇ 4615].

Precisamente ao chegar ao local, onde iriam reiniciar os trabalhos, a pouco mais de quinhentos metros do Bachile, foram surpreendidos pelos guerrilheiros inimigos que,  emboscados na mata, dispararam e lançaram uma grande quantidade de granadas.

De todas as mortes a lamentar, houve uma em particular que a todos causou ainda maior consternação e desespero. O furriel que chefiava a escolta, tinha recebido a notícia, há tanto tempo esperada, do fim da sua comissão de mais de vinte e oito meses de guerra. [Referência provável a Arnaldo do Nascimento Carneiro Carvalho].  Naquela manhã,  que seria a última no Bachile,  ofereceu-se (sem ter de o fazer) para chefiar a escolta, segundo as suas palavras, para fazer a despedida.


E fez, de forma dramática e definitiva! Na emboscada foi atingido em pleno abdómen por uma granada RPG que o destruiu, tendo morte imediata. Nem um único guerreiro daquela escolta sobreviveu nesta emboscada, assim como, todos os trabalhadores civis.

Os guerreiros de Churobrique, um pouco mais atrás, com vários feridos, quase não conseguiram reagir a este inesperado ataque. No entanto, de imediato recebem apoio da 2ª. Companhia que estava sedeada no Cacheu e dos Fiats da Força Aérea, o que fez com que os guerrilheiros inimigos retirassem rapidamente. Para trás não deixaram uma única baixa.

Na perseguição, o grupo de combate da 2ª. Companhia avança pela mata sem qualquer meio de comunicação que pudesse indicar correctamente a sua posição aos Fiats da nossa Força Aérea e quase acaba sendo atingido pelo fogo amigo. Felizmente os pilotos não efectuaram quaisquer disparos, evitando assim agravar aquela situação que teve momentos de invulgar tensão, raiva e desespero!

Na retirada, os “turras” desapareceram,  utilizando uma técnica de dispersão em pequenos grupos, sendo difícil saber exactamente para onde se dirigiam, uma vez que se ouviam disparos de zonas completamente diferentes e até opostas.

Ao fim de algum tempo, tudo termina num enorme silêncio de dor e de morte!

Na manhã seguinte quando o guerreiro do sul, integrando a coluna de Teixeira Pinto para Bissau, se preparava para iniciar a viagem, foi-lhe pedido que transportasse na sua Berliet alguns daqueles mortos, de entre os quais, o nosso infortunado furriel.

E assim se fez mais uma história de guerra, diferente e ao mesmo tempo tão igual a tantas outras que muitos camaradas guerreiros viveram. 
Nós estamos cá para as contar, mas infelizmente outros não tiveram tanta sorte!

Até outro dia, camaradas!

Fonte: Blog Gotas d'Água > 29 de setembro de 2007 > Histórias de guerra VII 


[Há doze histórias de guerra neste blogue, relatando as (des)venturas do José Joaquim Rodrigues, ex-fur mil da 3ª C/BCAÇ 4615, por terras da Guiné: ver aqui o link]




3. Comentário(s) do Bernardino Parreira:


(i) O meu Bem Haja ao camarada que escreveu e publicou este texto na Internet, que, a dezenas de anos de distância, nos veio ajudar a perceber por que consta na listagem dos mortos na Guerra do Ultramar, na Guiné, o nome de 10 militares da CCAÇ 16, que perderam a vida em 22/04/1974.


 Resta-me mencionar o nome dos 10 camaradas que perderam a vida no fatídico dia 22/04/1974, na sequência de um ataque do PAIGC, 3 dias antes da revolução do 25 de Abril que conduziria ao cessar fogo entre as duas partes envolvidas nesta guerra.


Albino Gomes da Costa,  Fur Mil
Ambrósio Capambu Injai,  Sold At 
Arnaldo do Nascimento Carneiro Carvalho, Fur Mil
Carlos Gomes,  Sold At 
Luís da Costa, Sold At
Nulasso Albino Gomes, Sold At
Paulo Caiesta Tué Mendes,  Sold At 
Policarpo Augusto Gomes, Sold At
Samper Mendes, Sold At
Vicente Rodrigues, Sold At



(ii) Confrontado com a existência de um 11º morto, nesse dia e provavelmente no mesmo local, o Manuel Martins Lopes da 3ª C/BCAÇ 4615 (#), o Bernardino Parreiro respondeu-me o seguinte, em mail recente, de 14 do corrente:



(...) "É verdade, o meu amigo Policarpo [Gomes, o tal que fui visitar à prisão antes de regressar a São Domigos, e que pertencia ao seu pelotão] , juntamente com outros camaradas e amigos da CCaç 16, vieram a falecer tragicamente numa emboscada, 3 dias antes do 25 de Abril. Fiquei muito consternado ao ter conhecimento da sua morte, mas pormenores só os fiquei a saber, por acaso, quando vi o blogue do José Joaquim Rodrigues. Também aí faleceu outro grande amigo meu, o furriel Carvalho, que me dizia, quando eu parti de Bachile, ter o 'pressentimento que não regressaria vivo' e , ao que sei, morreu na véspera do regresso à Metrópole. São memórias muitos tristes, para os meus 63 anos.

"Quanto ao falecimento do Manuel Martins Lopes, da 3ª C/BCAÇ 4615 (**), nada sei, nem conheci, pois essa companhia passou por Bachile em data muito posterior à minha saida de lá. Mas se encontrar por aqui o José Joaquim, vou 'convidá-lo' a colaborar com esta Tabanca porque ele até tem jeito para escrever" (...).


(#) Lista dos mortos em combate no dia 22/4/1973 (Fonte: Liga dos Combatentes > Mortos no Ultramar > Guiné)

Apelido  Nome  Posto  Ramo  Teatro de operações  Data  Motivo  
CARVALHO ARNALDO NASCIMENTO CARNEIRO CARVALHO FurExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
COSTA ALBINO GOMES DA COSTA FurExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
COSTA LUÍS DA COSTA SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
GOMES CARLOS GOMES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
GOMES NULASSO ALBINO GOMES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
GOMES POLICARPO AUGUSTO GOMES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
INJAI AMBRÓSIO CAPAMBU INJAI SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
LOPES MANUEL MARTINS LOPES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
MENDES PAULO CAIESTA TUÉ MENDES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
MENDES SAMPER MENDES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
RODRIGUES VICENTE RODRIGUES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
ApelidoNomePostoRamoTeatro de operaçõesDataMotivo

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Notas do editor

(*) Último poste da série > 10 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9880: In Memoriam (118): A sã camaradagem e a vil emboscada, morreu o camarada Vasco Almeida (Vasco da Gama)




(**) BCAÇ 4615/73: Mobilizado pelo RI 16. Partida: 22/9/1973; regresso: 8/9/1974; sede: Teixeira Pinto, comandante: ten cor inf Nuno Cordeiro Simões. 


A 1ª C/BCAÇ 4615/73 esteve no Cacheu; comandantes: cap mil cav Germano de Amaral Andrade;  cap mil inf  António Miguel Seabra Nunes da Silva; e cap mil inf cap mil inf Carlos José da Conceição Nascimento.


A 2ª C/BCAÇ 4615/73 esteve em Teixeira Pinto.Comandantes:  cap mil inf cap mil inf  António Miguel Seabra Nunes da Silva; alf mil inf José Carlos de Barros Moura; cap mil inf cap mil inf  António Miguel Seabra Nunes da Silva.


E, por fim, a 3ª C/BCAÇ 4615/73 esteve em Bassarel.  Comandante: cap mil inf  Fernando Moura de Castro Felga.