sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10448: Carta aberta a... (7): Meu amigo guineense Cherno Baldé: O(s) nosso(s) esclavagismo(s) e a arrogância do sr. René Pélissier (António Graça de Abreu)

1. Carta aberta ao Cherno Baldé

[, foto à esquerda, 1972, no CAOP1, em Teixeira Pinto, TO da Guiné]

Tenho por ti todo o respeito do mundo e as diferenças de opinião fazem parte do que somos e enriquecem naturalmente a nossa vida.

Há uns postes atrás, num comentário a comentários, um deles meu, dizes que concordas com a afirmação do Réne Pélissier que volto a citar:

"Para a história colonial portuguesa basta consultar os autores de língua inglesa. Há séculos que a maior parte a denuncia como negreira, arcaica, brutal e incapaz: a quinta essência do ultracolonialismo sob os trópicos".

O francês Pélissier fez esta afirmação, em entrevista a Lena Figueiredo, publicada no jornal Diário de Notícias, Artes, de 02.04.2007 [, Clicar aqui para ler a entrevista na íntegra. LG]. (*)

Isto é uma opinião, ou arrumar de vez com a história colonial portuguesa "quinta essência do ultracolonialismo sob os trópicos?" Isto é uma afirmação de quase ódio a Portugal e aos portugueses. Claro que não fomos santos, mas esta não é a nossa História, tanta vez mal contada.

E aqui não estamos no reino das opiniões.

Por isso, meu caro Cherno [, foto à direita, 1989, em Kiev, Ucrânia], saúdo a tua verticalidade e honestidade intelectual ao acrescentares ainda no mesmo rol de comentários, em referência outra vez ao René Pélissier:

“Nem sempre concordei com a sua linguagem arrogante e de desprezo para com os portugueses e seus aliados.”

A questão, meu caro Cherno, é termos no blogue tantos camaradas que gostam não só enaltecer o trabalho de Pélissier (que nunca foi à Guiné e é uma espécie de rato de biblioteca, rato reaccionário de esquerda, mas rato) mas também de concordar com o que tu chamas “a sua linguagem arrogante e de desprezo para com os portugueses”. E é pena, e às vezes, dói.

Sabemos como funcionava no século XIX muito do recrutamento (chamemos-lhe assim!)
de escravos africanos que embarcavam pela força nos navios negreiros, de bandeira norte-americana, inglesa e francesa (havia navios negreiros portugueses?) rumo ao Brasil, às Caraíbas, à América do Norte?

É ou não verdade que muitos desses infelizes negros, que morriam às centenas em cada viagem transatlântica, eram entregues, vendidos aos capitães negreiros brancos pelos chefes tribais negros dos territórios que se estendem do Senegal até Angola e eram resultado de infindáveis lutas fratricidas entre diferentes etnias? Quem vencia capturava os seus escravos e depois vendia-os aos negreiros ingleses, franceses e norte-americanos.
Estarei a inventar?

Não questiono o colonialismo português. Existiu, com certeza, cometeram-se muitos crimes contra os povos das colónias. E os povos africanos não cometiam constantemente crimes entre si?

Será que é correcto pôr nos pratos da balança, de um lado os brancos, os maus, do outro, os negros, os bons? É assim tão simples, tudo a preto ou branco? Ou o mundo felizmente é a cores, a todas as cores do universo.

Bons e maus existem, coexistem sempre em gente de múltiplas cores.

Estamos em 2012.  
Os tempos são outros, os povos africanos conseguiram a sua tortuosa independência.
Pós independência quase todos os novos dirigentes africanos cometeram outros tantos incontáveis atentados e crimes contra os seus povos. Vê só as lutas tribais no Congo, no Ruanda, no Sudão com milhões de mortos.

Também sei que o neocolonialismo existiu e existe e também tem fomentado muitos conflitos. Mas será o responsável, por exemplo, por quase trinta anos de guerra civil em Angola?

Hoje, cinquenta anos após as mais variadas independência, continuar a acusar os colonialistas portugueses de serem "a quinta essência do ultracolonialismo sob os trópicos", é mentira e não fica bem a quem o faz, ainda por cima um francês que passa uma esponja encharcada mas “limpinha” sobre o colonialismo da França.

Os africanos, tal como alguns brasileiros -- ou até os cubanos, com Fidel de Castro em Havana diante de João Paulo II, há uns anos atrás, a acusar o colonialismo espanhol das desgraças de Cuba, cem anos após a independência da ilha - , os africanos, alguns brasileiros e cubanos, dizia eu, têm tudo a ganhar em se libertaram do complexo anticolonialista. Povos que não conseguem libertar-se dos traumas verdadeiros ou fictícios de um passado que já nem sequer conheceram, com que procuram sempre justificar as suas incapacidades e incompetências, não crescem e permanecerão não vítimas do colonialismo mas reféns de si próprios.


É muito fácil acusar os colonialistas que deus (ou o diabo!) tenha. Muito mais difícil é construir um país e lutar por uma vida melhor para os seus povos.

Abraço,

António Graça de Abreu


[Subtítulo da responsabilidade do editor]
________________

Nota do editor:

Último poste da série > 16 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7294: Carta aberta a... (2): Professores António de Oliveria Salazar e Marcello Caetano (António Graça de Abreu)

(*) Entrevista dada ao DN, a propósito do livro:

Título: 
Campanhas Coloniais de Portugal 1844-1941, As
Autor: René Pélissier
Coleção: Histórias de PortugalCategoria: Ciências sociais e humanas
Editora, local e ano: Editorial Estampa, Lisboa, 2006
Nº pp. 448
Brochado, 14x20,5 cm,  €21,95

Pela primeira vez, este livro revela a história global da conquista do enorme império colonial que Portugal chegou a construir em África, na Índia e na Insulíndia, a partir de 1844. 

Marcada por guerras quase permanentes no início do século XX, esta conquista durou até 1941. No seu apogeu, a extensão do império português foi proporcionalmente igual à do império francês. Como é que, sem dinheiro nem emigrantes numerosos, mas por meio de armas, este pequeno e pobre reino, que as grandes potências queriam desapossar, foi capaz de conseguir uma tal empresa? 

É o que nos conta esta obra minuciosamente documentada. Abundante em informações, este livro magistral esclarece toda uma vertente de História quase desconhecida, cujas consequências não cessam de se repercutir no nosso mundo contemporâneo.

9 comentários:

Henrique Cerqueira disse...

António Graça Abreu
Li e reli a tua carta aberta.
Dou comigo a pensar...Está certíssimo o meu camarada tertuliano AGA .Adorei ler a tua carta aberta,mas porque será que em certos comentários em outros post deste blogue o AGA descarrega tanta "raiva"e ás veses "tanta agrecevidade" se na realidade escreves tão bem e tão claro,que eu próprio nada entendendo de crítica literária , mal li a tua "Carta Aberta"fiquei logo "preso"á leitura.
Um abraço para o António Graça Abreu e restante Tertulia
Henrique Cerqueira

António Martins Matos disse...

Como se costuma dizer na tropa... "CLARINHO PARA MILITAR".
Abraço
AMM

Luís Graça disse...

Sugestão de leitura adicional a este poste:

Leia-se na íntegra a entrevista dada pelo René Pélissier à jornalista do DN, Leonor Figueiredo, em 2/4/2007 ("O francês com uma paixão pela África portuguesa"):


(...) "O historiador francês René Pélissier apaixonou- se pela nossa história colonial. E, apesar de não o dizer, adivinha-se que se enamorou do País e dos portugueses "mas de uma forma lúcida".

Nesta relação ainda mal esclarecida que dura desde a adolescência, ainda não parou de escrever sobre o nosso passado e queixa-se de não ser reconhecido por Portugal.

Em França, os adeptos do tema também não devem ser muitos. Apresenta-se René Pélissier, um homem só.


DN - No livro que acaba de lançar, previne que não se trata de "libelo nem acusação" a Portugal. Mas isso esperar-se-ia de um historiador?

RP - Só o historiador ideal é imparcial. A objectividade é uma fábula prisioneira de preconceitos, ideologias, antipatias e nacionalismo.

Mas para a história colonial portuguesa basta consultar os autores de língua inglesa. Há séculos que a maior parte a denuncia como negreira, arcaica, brutal e incapaz: a quinta essência do ultracolonialismo sob os trópicos.


DN - É a sua grande obra, fruto de 40 anos de pesquisa, muito mais do que a compilação de livros anteriores?

RP - Certamente. É o meu testamento historiográfico em honra dos portugueses, se quiserem abrir os olhos sobre a sua história colonial recente.

Nos livros anteriores, sobre a conquista de Angola, Moçambique, Guiné e Timor, fiz uma análise profunda do avanço da fronteira colonial. Mas faltava a visão global e o estudo da progressão da implantação no império.

Neste livro para o grande público [ René Pélissier, As Campanhas Coloniais de Portugal – 1844-1941. Editorial Estampa, Lisboa, 2006 }, não posso pormenorizar, o leitor ficaria perdido no formigueiro cronológico de 490 operações militares.

É uma síntese documentada, em que demonstro que não houve colonização sem primeiro haver soldados, na África tropical continental e Timor. (...).

http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=655365

Anónimo disse...

Meu caro Graça de Abreu,

Li o teu P10448 e se me permites gostava de subscrever tudo que dizes...

Não percebi bem o comentário do Luis, pareceu-me "pó de arroz" para não utilizar aquela expressão "branquear", talvez tenha lido à pressa e mal, mas isso fica para outra altura.

Um abraço,
BS

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... Graça de Abreu, caro Amigo,
Assim a modos feicebuqueiros...
Gosto.

Abraço,
do
Abreu dos Santos

Antº Rosinha disse...

"É uma síntese documentada, em que demonstro que não houve colonização sem primeiro haver soldados, na África tropical continental e Timor. (...)."

Lido só assim, não é verdade, ou não é toda a verdade.

Luís se "colonizar" é um estranho ocupar a terra do outro,, havia nos anos 60 regiões em Angola do tamanho de meia Guiné, em que tirando os 3 ou 4 comerciantes e alguma missão religiosa, nunca mais qualquer estranho lá tinha posto o pé.

Só depois desta gente lá viria um dia o Chefe de Posto com os seus cipaios (Soldados?), cobrar o imposto.

Era este o processo que os velhos e brancos e negros nascidos em Angola, contavam como é que ia sendo ocupado o território angolano.

Se havia revoltas e depois entrava a tropa? isso é outra coisa.

Cumpimentos

Luís Graça disse...

Meu caro Belmiro, não tenho que ajeitar nada e muito menos "branquear" o que quer que seja...

Se leres com atenção, limitei-me apenas a sugerir a leitura, na íntegra, da entrevista do Pélissier ao DN, em 2007, e da qual reproduzo ou cito (com "aspas") os dois ou três primeiros páragrafos...

Quanto ao Pélissier, não tenho (nem posso ter) opinião porque nunca o li, não conheço o seu trabalho como historiador da colonização portuguesa...

Anónimo disse...

Caro Graça de Abreu
o seu comentário vale não pelo que questiona mas pelo que indica e sugere - a observação é possível de outro ponto de vista, menos anquilosado.
De outros... e mais ampla e aceitando então, agora, as questões que subjazem ao que diz.
Ora, parece que se toma aqui por despercebida a tal tendência ou simpatia, aparentemente militante, pelo 'agente francês'.
Tal como já perguntei anteriormente, pergunto agora, não para obter resposta (e menos ainda uma resenha curricular!) mas para que se oiça a pergunta - quem é o sr Pélissier?

SNogueira

Anónimo disse...

Qual é a diferença entre um "colon" Português e um colonizador francês?

O francês tem 100 anos de perdão,porque "gamou" o que nós descobrimos.

O francês é charmoso,intelectual e bem falante.

O francês só transportou escravos para os livrar das "garras" dos senhores negros.

O francês deu a independência a todas as antigas colónias..numa boa..sem qualquer oposição..

O francês convivia..na maior..com qualquer negro, e se sentia alguma contrariedade da parte daquele,tentava levá-lo à razão..baseando-se em Descartes.

O francês ensinou a cozinhar "gourmet" e a beberem "vin et champagne".

Só tinha e tem um pequeno defeito, que nem tem grande importância,"uma grande GARGANTA".

O que é que isto tem a ver com o Sr.Pélissier..bem..escreveu e escreve sobre "les petits portugaises", do alto da sua sapiência e craveira intelectual de "rato de biblioteca".
Coitado..não é reconhecido em Portugal..que pena, logo aqui, onde qualquer pseudo-intelectual francês é reconhecido pela nossa "intelectualite".

C.Martins