terça-feira, 25 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10430: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (1): A origem do nome, Palmeirins (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)



Guiné > Região de Tombali >  Ilha do Como > Cachil > 1966 >  Interior do aquartelamnento

Foto: © Benito Neves (2008). Todos os direitos reservados.



1. Mensagem, de 1 de setembro, do nosso camarada e amigo J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil da CCAÇ 728, (Cachil, Catió e Bissau, 1964/66).

Olá Luís!

Aqui te mando parte duma novela escrita em memória do nosso saudoso camarada [Mário} Sasso (*). Talvez se enquadre no nosso blogue.


Um grande abraço, extensivo aos tertulianos todos.
Joaquim Mendes Gomes
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FICOU UM PALMEIRIM NAS BOLANHAS DA GUINÉ… > PLANO

1.- A Origem do Nome – “PALMEIRINS”

2.- A Cidade Moçambicana da Beira

3.- A Barra do Tejo

4.- Os Cheiros de Lisboa

Chapter 1

&.- 1 – A Feira Popular

&.- 2 - Uma Sardinhada em Cacilhas

&.- 3 – As Brumas (Ruelas) Fadistas de Alfama e Madragoa

&.- 4 – As Palmeiras da Estufa Fria

&.- 5 – As Vielas da Ameixoeira

&.- 6 – A Feira da Ladra

&.- 7 – A Baixa às ordens de Pombal

&.- 8- O Jardim do Campo Grande

&.- 9- A Estrela Real

&.-10 - Os Bosques de Monsanto



2. Ficou um Palmeirim nas bolonhas da Guiné (1): A origem do nome: "Palmeirins"

por J. L. Mendes Gomes [, foto atual à direita]

“Os Palmeirins” foi o nome de guerra que a companhia de caçadores 728, aplaudiu, em peso, perfilada no sítio habitual do quartel da Ilha do Como, diante do comandante.

Cerca de 200 homens, na flor da juventude, a maioria, alentejanos, viviam, ali, dentro das 4 paliçadas, de toros de palmeira, carcomidos pelos 2 anos de exposição ao rigor tropical dos elementos, já quase reduzidos à carcaça exterior.


Serviam mais de confortável albergue às possantes ratazanas que abundavam e de cortina, muito frágil, p´ra tapar as vistas, do que de desejado fortim protector para a metralha que, a qualquer hora, poderia chover, grossa e medonha, a partir das matas espessas, lá ao fundo.


A companhia já ia, quase, no final do primeiro ano da comissão. Era preciso arranjar-lhe um nome de guerra, como tinham as mais antigas. Deveria ser um nome que, por si, sugerisse ou tivesse alguma coisa a ver com a companhia, em concreto.


O capitão Silva lançara o repto, de um modo especial, aos 18 sargentos e 5 alferes, como era de esperar. Era pena. Mas, ainda havia muitos analfabetos.


Ao fim de uns dias, o comandante do 2º pelotão, o alferes Mendes Gomes, por sinal e feitio, o alferes que já se tinha revelado mais virado para essas questões, ─ passava a maior parte do tempo livre, a mexer e remexer livros, de história, literatura ou de direito, tinha andado no seminário até muito perto do fim, dera aulas de português aos voluntários, da companhia ─ apresentou ao capitão o nome de “PALMEIRINS”…


O capitão riu…Nem sim, nem não… E ficou à espera da explicação. Nunca tinha ouvido falar na novela de cavalaria do Palmeirim de Inglaterra, famosa, pelo menos, para quem tenha estudado história da literatura portuguesa.
Conta a história de uma figura da cavalaria inglesa na Idade Média, semelhante ao nosso lendário, herói e aguerrido cavaleiro, Nuno Álvares Pereira.

Esta relação histórica com o herói de Aljubarrota e a conotação natural da companhia com o mundo das palmeiras, omnipresentes, transformadas na matéria prima por excelência para tudo que era essencial à segurança e ao conforto, conquistou, logo, a simpatia do comandante, dos alferes e dos sargentos.
 
─ Vamos reunir a companhia, a ver o que eles pensam. “Palmeirins”, é um nome que até soa bem ao ouvido  , acrescentou.

Momentos depois de acabar o bem conhecido toque de corneta, os duzentos homens, tresmalhados pelo universo variado daquele mundo, pequeno mas completo, começaram a formar a companhia, em tronco nú e de chicatas de esponja, nos pés, ( o traje habitual que se imponha a toda a gente) apreensivos com o motivo daquele toque inesperado.

Chegou o último soldado, - era sempre o mesmo, o castiço e pacholas soldado Faria, parecia um pouco atrasado da bola, mas não, era assim mesmo, um ensonso, com a sua regra muito pessoal e sem remédio, por mais que o comandante o repreendesse.
─ Ó meu comandante, eu estava a dar de cadeiras quando ouvi o toque a corneta…e não podia… atalhou ele com a habitual inocência.

Uma gargalhada geral. Agora toda a gente sabia o que era isso de dar de cadeiras…como se dizia no Alentejo…
─ Meus senhores. A nossa companhia já não é maçarica. Também não é velhadas…Ainda vai ter de aguentar mais uns anitos, por estas bandas…

Ouviu-se um urro geral, respeitoso, em uníssono, saído daqueles pulmões bem puxados e bravios…─ Anos?… Nunca. Só uns mesitos. Sim…─ gritou um dos mais atrevidos, como os há sempre.

E o capitão continuou. Todas as companhias precisam de um nome de guerra, em vez do número que lhe deram.
─ 728 é lá para os “mangas” da CCS (Os serviços administrativos)
─ É verdade.  ─  crescentou alguém, lá do meio.
─ Aqui, o nosso alferes Mendes Gomes pensou num nome que me parece bem. Vamos ver o que é que vós pensais dele. Ele vai explicar.
─ Então qual é?…gritou um dos tais que nunca conseguem conter-se.

O alferes Mendes Gomes avançou para a frente da companhia, postada, de olhos arregalados e orelhas arrebitadas…
─ O nome que encontrei é “ OS PALMEIRINS”.

Uma risada geral, entrecortada de um nervoso miudinho , logo interrompida, para ouvirem bem a explicação. O nome soava bem mas não lhes dizia nada. Ainda se fosse o nome de algum animal feroz, de meter medo ou respeito a toda a gente…Os Leões…Os Lacraus…Os Panteras… Palmeirins, que é isso?…Deve ter alguma coisa a ver com palmeiras, mas mais nada…
Foram as interrogações que o alferes começou a avançar como sendo as que lhes estava a ler na cara deles. Começou então a contar os traços essenciais da época famosa da cavalaria, nos tempos recuados da Idade Média, em todos os países da Europa e, principalmente, na Inglaterra e Portugal . Citou o exemplo conhecido da maioria, apesar dos muitos analfabetos que havia, do nosso D. Nuno Álvares Pereira, o vencedor da Batalha de Aljubarrota.

Via-se que as coisas já estavam a ganhar algum sentido. Pois bem, quem estudou a História da Literatura Portuguesa, ouviu falar dum romance famoso que conta história de um guerreiro inglês, chamado “ O Palmeirim de Inglaterra”. Foi um livro tão famoso e lido pelas pessoas daquele tempo, como agora se lê a história do Tio Patinhas… [Vd. à esquerda capa da  Crónica de Palmeirim de Inglaterra, de Francisco de Moraes, ed. 1786, publicada originalmente em Lisboa, em 1592, cortesia do sítio Open Library]

De novo, uma gargalhada rebentou. Bom sinal…

Esse Palmeirim era um guerreiro terrível para conquistar castelos. Nem um só lhe resistiu. O simples boato de que o Palmeirim e o seu pelotão de cavaleiros andavam, por perto, era o bastante para toda a gente fugir dos campos e aldeias e se fechar a sete chaves nas muralhas do castelo, até a onda de terror passar.
 
─ Era um “gajo fodido”, meu alferes. ─ avançou, inesperadamente, de forma interrogativa e a resumir, bem à sua moda, aquela lengalenga duma cavalaria, atrasada, movida a fardos de palha que já não dizia nada a ninguém  ─ um dos habituais soldados, desavergonhados, mas com a malandrice toda deste mundo meida na cabeça.

O alferes, que ainda continuava a ser, um tanto, púdico, demais para a maioria, apenas esboçou um ligeiro sorriso, o bastante para se peceber o seu acordo, parcial e continuou a descrever as virtudes daquele energúmeno, inglês, na tentativa de conquistar não só a simpatia como a admiração e orgulho do novo patrono de guerra…Diga-se que sentiu medo de o não vir a conseguir e, no seu íntimo, chegou a arrepender-se de o ter indicado.

Mas quando se lembrou, sentiu tanta alegria e certeza que nunca imaginaria que não fosse aceite. Se o não fosse, seria porque não tinha sido capaz de o apresentar à rapaziada. 
O capitão gostou logo, lembrou-se, de si para si, num esforço íntimo de se mostrar mais convincente.

De repente, uma salva de palmas irrompeu inesperada e estrepitosa. Estava consagrado o acordo de toda a gente. Nem era preciso mais histórias. Que alívio invadiu o alferes Mendes Gomes, já quase a esgotar as ligeiras recordações que ainda se encontravam na memória. Não tinha ali um só livro de literatura, onde pudesse ir beber qualquer coisinha.


Guiné > Região de Tombali > Pendão da CCAÇ 728, Os Palmeirins (1964/66)


Foto: © J. L. Mendes Gomes (2006). Todos os direitos reservados




Pronto. Agora, havia que desenhar o emblema para a bandeira dos “PALMEIRINS”.  Desenho, isso, já não era para a sua mão pesada e cegueta…

Alguém haveria de arranjar um desenho. E arranjaram. A tempo de o nosso famoso Primeiro Sargento, de carreira, levar consigo, para mandar fazer na metrópole, quando fosse de férias…em Julho seguinte. Um fundo preto. Duas palmeiras, fera, altas e esguias, ao centro de um quadrilátero em movimento . Uns traços sugestivos, a amarelo e vermelho e ali estava o futuro símbolo daqueles guerreiros, com muito sangue na guelra, mas que, - a verdade é para se dizer- ainda não tinham tido o seu baptismo de fogo !…

Mais uns tempos e já era corrente o uso fraternal de palmeirim, no trato matinal e saudação de cada novo encontro dentro da companhia.

A ideia do alferes fora um sucesso.

(Continua)
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Nota do editor:

/*) Vd. poste de 29 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1634: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (10): A morte do Alferes Mário Sasso no Cantanhez


(...) 2.15. O dia final do alferes Sasso

As densas matas do Cantanhez, só de ouvir o seu nome, causavam calafrios aos mais corajosos… Aí, se acoitava uma forte concentração de casas mansas, uns verdadeiros fortins inexpugnáveis, mesmo à força da intensa metralha de artilharia. Podia dizer-se que ali se encontrava o quartel general, inimigo, da zona sul da Guiné.

De lá saíam expedições constantes de grupos a espalhar a insegurança por todos os nossos aquartelamentos, quer por emboscadas quer por ataques às unidades isoladas.

Além disso, controlavam uma população nativa muito numerosa que, voluntariamente ou não, trabalhava os campos, fonte principal do seu abastecimento.

Por todas estas razões tornou-se premente efectuar uma grande operação que desagregasse aquele bastião. Foi o que se pretendeu com a Operação Tornado.


Os três batalhões sitiados no sul, com as unidades de artilharia e cavalaria, mais um grupo de fuzileiros e uma LDM, ajudados pela força aérea, ficaram responsáveis por esse objectivo.

A CCAÇ 728, aproveitando a maré-cheia, saíu, à noitinha, do cais de Catió a bordo de uma LDM; atravessou o estuário do Cacine e foi deixada, nas primeiras horas da madrugada, algures, em terra firme, do território inimigo.

Todo o cuidado era pouco. Tocou ao meu pelotão seguir à frente, logo depois do destemido grupo indígena do João Bacar Jaló.

Caminhou-se toda a noite; quando o dia começava a querer alvorecer, estávamos a atravessar a zona, crítica, de Dar es Salam [na carta de Cacine, Darsalam]. De repente, alguns tiros caíram sobre o pelotão que seguia na cauda da fila, comandado pelo alferes Sasso.

A resposta foi pronta e, depressa, tudo se calou. À frente, nada se tinha passado.

Só quando o dia nasceu e um helicóptero chegou, tivemos conhecimento de que o Mário Sasso tinha sido atingido com um tiro nas costas que lhe vasou o pulmão e coração. A esperança de sobreviver era pouca… e assim foi. (...)

1 comentário:

José Marcelino Martins disse...

Mais um texto do Mendes Gomes que, como sempre, nos traz "Histórias de Vida".

Os que "por lá tombaram" estão sempre no nosso pensamento, dos camaradas que os conheceram e dos que apenas ouviram o seu nome.

Sobre o Alferes Sasso, escrevi:

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search?q=m%C3%A1rio+sasso