terça-feira, 28 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10305: Estórias do Juvenal Amado (43): Olha o Silva!!!




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Fotos: © Juvenal Amado (2012). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado, com data de 21 do corrente

 Caro Luís, Carlos, Magalhães e restante Tabanca Grande

Esta pequena estória serve para recordar o meu amigo Silva e faz parte da parede que tento construir. Cada nome, cada caso, cada recordação são tijolos para essa parede.

Seguem algumas fotos com a particularidade de que numa delas aparece um africano que eu não tenho a certeza de ser o Jamba. Tentei confirmar junto de alguns camaradas, mas penso que só o dr Pereira Coelho o conhecer hoje. Fiz alguns apelos mas até agora nada.

Mas mesmo assim vou falar sobre o Jamba. O Jamba era um civil contratado pelo quartel que fazia vários trabalhos. De forte compleição, de bom trato ia connosco à lenha, por vezes há água, estava por todo o lado à vontade pois gosava de total liberdade de entrar e sair do quartel. Também fazia os recados do comandante nas relações comerciais com as lavadeiras, levando-lhe a roupa suja e trazendo a lavada.

Enfim era uma pessoa de toda a confiança... Só mais tarde se veio a descobrir que ele era militante do PAIGC na clandestinidade. Quando reunir informação suficiente contarei o resto da estória se ouver material para isso.

Até lá um abraço
Juvenal Amado


2. Estórias do Juvenal Amado > Olha o Silva!!!
por Juvenal Amado
(ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)



O Silva foi 1º cabo do Pel Rec e era um amigo de todas as horas. Fazia parte de um grupo que se tinha formado ainda em Abrantes após a mobilização, todos do mesmo pelotão excluindo eu que fui praticamente adoptado.

Viemos todos do RI6,  na Sra da Hora,  no Porto,  para Abrantes no mesmo dia e no mesmo comboio, eu com os condutores e com pouca ligação ou nenhuma a essa malta, que depois viria a ser e ainda são como meus irmãos.

O Silva a nível dos soldados só tinha amigos, o mesmo já não digo aos graduados, pois não se coibia de criticar e mesmo tomar posições de certa maneira complicadas de ordem disciplinar. A título de exemplo conto uma pequena estória.

Os camaradas que saíam para as patrulhas nocturnas, quando chegavam ao quartel e depois de tomar banho, dirigiam-se para o refeitório por volta da meia-noite para assim jantarem.

Mas o jantar era difícil de comer àquela hora,  frio e normalmente em papas, pois estava feito desde a 18 horas. De queixa em queixa, de crítica em crítica, as situações iam-se repetindo. Uma bela noite o pelotão recusou-se a comer, fazendo um levantamento de rancho ainda que restrito.

Veio o oficial de dia, que tentou convencê-los a comer e não conseguindo, passou às inevitáveis ameaças, das inevitáveis porradas disciplinares. Tudo foi em vão, pois os camaradas do Pel Rec estavam irredutíveis com o Silva à cabeça.

O oficial passou das ameaças e pensando que vergando o Silva os outros se renderiam, agrediu-o para o obrigar a comer. O Silva manteve-se firme e não comeu. Não me lembro como se resolveu o problema gerado pela agressão, mas as partes envolvidas acabaram por chegar a um acordo e a coisa ficou por ali, com a promessa que o problema das refeições seria resolvido, o que veio a acontecer a partir daquela data e nos meses posteriores até ao fim da comissão.

O Silva subiu na nossa consideração e todos lhe gabamos a coragem de fazer frente ao graduado, embora, se o não segurassem, teria ele respondido à agressão e a coisa tinha ido a mais.

Mas o Silva tinha uma particularidade que nós estranhávamos. Nunca se embebedava. Bebia uns copos mas não passava dali. Coisa estranha, pois até os mais controlados acabavam por se “encharcar” e  tanto mais que a comissão já ia bem adiantada.

Um belo dia, com o pré fresco no bolso fomos a Bafatá,  já com os nossos periquitos e foi de arrasar. Iam os do costume, o Silva, o Ivo, o Caramba, o Ferreira etc. Não será necessário aqui mencionar todos, embora tenha que aqui fazer uma ressalva para o Estofador e o Aljustrel que,  não tendo recebido autorização para seguir na coluna, nos foram esperar ao fundo da bolanha e assim passarem a perna ao tenente Raposo que tinha negado a licença aos dois.

Bom, em Bafatá,  o circuito do costume, começou na Transmontana e entre este mata- bicho e o almoço já encomendado no Libanês, a cerveja corria a rodos.
- É hoje que pregamos uma bebedeira no Silva. - combinamos nós.

E assim foi quando chegamos ao restaurante do Libanês, já todos íamos bem bebidos. Lá como de costume, corria a rodos o vinho branco bem fresco a acompanhar o bife. Depois vinham os charutos e o whisky, normalmente oferecido pelo dono da casa. Inconsolável estava o meu periquito, porque o não deixamos beber nada a não ser Fanta e Coca-Cola.

Não será preciso ter grande imaginação, para ver em que estado estávamos e em que estado chegamos ao quartel. Ao Silva, esse estava que ninguém o podia aturar. Uns usavam o termo “atravessado”, que é um estádio entre a bebedeira e a negação do facto, outros diziam que ele estava com uma “cabra” de todo o tamanho. Uma coisa era certa, ninguém o segurava, não dava um minuto de descanso pois queria apresentar-se ao comandante, ou ir chatear o tenente Raposo, beber um copo à messe, ir para a tabanca e sabe-se lá o que ele faria se o largássemos.

Já noite ia adiantada quando finalmente o deixei no abrigo do Pel Rec e fui para o meu, que era no extremo oposto do quartel. Estava a pegar no sono, pensando que não contassem mais comigo para o embebedar, e que finalmente o gajo tinha sossegado, levo uma palmada fortíssima na coxa, acompanhada de um exclamação do Silva com aquela pronúncia dos Carvalhos:
- Olha o Amado!!!!! estás aqui,  filho da puta!!!! - E tive que o aturar o resto da noite.

Este grupo onde está também o Passos [, foto acima,] tem-se mantido sempre em ligação excluindo o Ferreira que nunca mais deu sinal de si e a ultima vez que o vi, foi numa foto numa revista, quando ele ganhou uma viagem à Disneylândia.

Eu fui ao casamento do Silva com a Ester  [, foto acima,] e eles posteriormente vieram ao meu. O Silva, depois de muito ter trabalhado num negócio que montou, acabou por ter que emigrar para França há meia dúzia de anos. Nunca mais o vi. Esteve cá agora de férias na sua terra, mandei-lhe um abraço virtual e pensei que gostava de estar com ele, mas desta vez bebia cerveja sem álcool.

Um abraço

Juvenal Amado
______________

Nota do editor:


Último poste da série > 12 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9890: Estórias do Juvenal Amado (42): O arroz do nosso descontentamento

15 comentários:

Luís Graça disse...

Juvenal:

Confirma-se o teu talento para contar pequenas histórias do nosso quotidiano de guerra. Falta agora o livro. Temos que pensar nisso. Há já editores a mostrar interesse pelo nosso blogue, que tem sido montra de muitos talentos. Tu és de facto um deles.

As tuas "estórias", e já lá vão mais de quatro dezenas, são sobretudo as da grande camaradagem e da amizade que uniam os "bravos do pelotão"...

Na ausência, em férias curtas, do Carlos Vinhal, teu habitual editor, quero que fiques a saber que fui eu, cedinho, quem editou a tua estória nº 43... E tive muito gosto em fazê-lo...

Um abraço para o Silva, por onde quer que ele ande... Um xicoração afetuoso para ti. De Candoz, com o "cacimbo" matinal, típica da bacia hidrográfica do Tãmego e do Douro.

PS1 - Tão fiz muitas vezes o percurso da "boa vida" de Bafatá... Transmontana, Libanesas, Bataclã, ... De regresso a casa (Bambadinca), bebíamos o último copo no Teófilo...

PS2 - De manhazinha cedo funciona melhor a Net... Aqui, em Candoz, as operadoras estão-se "cagando" para os queridos clientes... A cobertura é má... Estou rodeado de serras (Marão, Aboboreira, Montemuro...)... O retransmissor mais próximo é na serra de Montedeiras... E eu estou a maieo da encosta...

antonio graça de abreu disse...

Muito bem Juvenal, é destas histórias que o blogue precisa, com gente vivíssima, amiga, de grande coração.
Abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...


Olá Juvenal Amado
Pois é camarada e amigo, as nossas estórias têm sempre algo em comum, o que é perfeitamente natural. Esta tem também algo a ver comigo no que respeita a deixarem os "piras" só beber Coca-Cola ou Fanta. Vou aproveitar a "deixa" para tentar contar o que também me aconteceu quando cheguei a Jolmete um ano depois dos meus camaradas da CCaç.3306. Um Grande e Forte Abraço. Augusto Silva Santos

José Marcelino Martins disse...

A escrita é como a música: meia dúzia de caracteres, dispostos de forma harmónica, e eis composições fabulosas, cujo presente texto é prova evidente.

Onde é que estão os editores da nossa praça? Onde é que estão os livreiros? Que fazem milhares de livros "expostos" à espera de leitor, quando existem no nosso país, histórias brilhantes?

Não são só interrogações, são também preocupações.

Parabens, Juvenal, e um abraço.

Manuel Joaquim disse...

Olá, meu caro Juvenal!
Bela "historia", belo texto: nesta tarde quente de agosto, um esplendoroso "copo de água fresca", tão agradável e inebriante como um bom gole do melhor vinho verde!
Um afetuoso abraço

Luís Dias disse...

Caro Camarada e Amigo Juvenal

É sempre bom ler-te e lembrar histórias de Galomaro e do nosso batalhão. As idas a Bafatá eram dos melhores momentos que ali passávamos e claro que a malta regressava sempre com um pinguinho na asa que, no caso da malta do Dulombi, nos passava quando após o cruzamento para Bangacia, entrávamos na picada propriamente dita para o Dulombi.
Fiquei triste de saber que houve um oficial que fez esse disparate (nunca tive conhecimento disso), mas dado que o não identificas, e conhecendo os meus camaradas milicianos, quer da CCAÇ3491, quer da CCS, não consigo imaginar que algum deles fosse capaz de fazer isso.
Um abraço.
Luís Dias

Torcato Mendonca disse...

Juvenal aí vai um abraço e digo-te, meu caro camarada, há algo que fazes muito bem, com o teu sentir, o teu saber estar na vida: - o cultivares a amizade. Isso é tão bonito pá!

Aí vai, mais um abraço forte do, T.

JD disse...

Viva Juvenal!
E viva a camaradagem!
Um grande abraço para a Tabanca
JD

Anónimo disse...

E vivós os comentaristas: AGA (como está o Império do meio ?), Zé Martins (beijinhos pra Manela!), Manel Jaquim (mando um alfa bravo para o Fortunato, se o vires!), Luís Dias (Galomaro, e Mindelo, sempre!),. TM (como vai esse coraçãozinho ? E a Ana ?), JD (o pessoal da linha tem-se portado bem?)... Continuem a alimentar este "diniossauro"... Tive notícias do alfero Cabral, teve uns problemazitos de saúde, felizmente está bem, e manda saudades pra todos... Mandou "estória"... Abraços, muitos e longos, desde candoz. Luis Graça

JD disse...

Caríssimo Chefe,
O pessoal da Linha, imagino, porta-se bem. Mas sou apenas um subalterno, daqueles que já não tem esperança de progressão na carreira, mas, acagaçado, cumpre sempre, com zelo e oportunidade, as instruções de que o incumbem.
Por acaso o Sr Comandante não tem exibido a sua proeminente figura nos passeios da Linha, onde se admiram, que a idade já não permite conquistas, belas e insinuantes bifas, pelo que, repito, imagino, deve estar a passar muy bien em alguma das suas propriedades. E faz ele bem, que a vidinha são 3 dias!...
O Sr 2º.Comandante é que não vejo Há bué! Andará fugido ao fisco? Que para o IN tinha ele bom corpo e valentia.
Dos restantes, como se diz popularmente, não havendo notícias, é porque não há lugar a preocupações.
Goze V.Exa. pelas paragens dourienses, e abuse!
JD

Luís Graça disse...

Juvenal, se não me engano, tu estás à direita da noiva... Certo ? E usavas calças à boca de sino, de acordo com a moda da época... LG

jpscandeias disse...

Pelo que li era apanágio os nossos gloriosos oficiais resolverem à chapada a sua falta de capacidade de comando. Só assisti a isso em Cabuca na Ccav e foi o autor, leia-se agressor, foi o cap. Moura em 1972, o agredido, já me recordo o nome mas era conhecido pelo “Tira Picos” e era cozinheiro.

Joao silva ex-furriel mil. Ccav 3404, 1772, Ccaç 12, 1973 e CIM (Bolama)1974

Hélder Valério disse...

Caro Juvenal

Mais uma 'pincelada' do quotidiano das NT, algures na Guiné. Não seria assim em todo o lado, em todo o tempo que durou a presença de militares portugueses 'metropolitanos', mas dá para fazer uma boa aproximação.

A cena que relataste da agressão do graduado fez-me lembrar uma situação parecida, apenas uma tentativa, que presenciei, passada no então RTm, no Porto, ali à Arca d'Água, entre um capitão e um 'cabo miliciano' que relatarei logo que refresque a memória com mais pormenores.

Abraço
Hélder S.

Juvenal Amado disse...

Caros camaradas muito obrigado pelas vossas palavras.
Efectivamente são pequenas estórias de um Mundo à parte, como Mundo à parte é o da amizade, que se mantem todos estes anos.
Porque o colectivo, não tem que ficar com as culpas de um homem que em determinado momento perdeu a cabeça e usou o seu posto de forma mais ao menos a despropósito, só digo que o seguinte.
Nunca foi minha intenção nem será, ajustar contas com o passado uma vez que momentos de tensão, raiva e descontrolo, não fizeram de nós maus rapazes mas sim as ocasiões fazem por vezes os ladrões.(passe o ditado popular).
Vou aqui citar parte de uma estória do Jaime Froufe de Andrade a que ele chamou o Interrogatório. Diz ele;
“Em situações de tensão, a distância que vai do razoável ao abominável é pequena”.
“O homem, com idade para ser meu pai, perdia-se em conjecturas perante questões de resposta ime¬diata. Tanta delonga irritou-me. Fiquei em brasa. A "exploração" do suspeito não atava nem desatava. Decidi tomar medidas. Sentia-me capaz de tudo. A meu mando, o intérprete fez-lhe um aviso: se continuai a fugir às perguntas, a moca que lhe fora confiscada iria trabalhar...
Ficou aflitíssimo. Tornou-se rápido nas respostas. Continuava a jurar nada ter a ver com a guerra. «Iwi-yabonza», gritei-lhe, para o fazer acreditar que falava a sua língua. Surpreendido, voltou a cabeça na minhadirecção e foi assim, encarando-me, que continuou a desfiar as suas razões. A meu lado, o intérprete já nem se dava ao trabalho de traduzir, apenas repetia insis¬tentemente que o homem era um mentiroso, um bandi¬do, um turra. A minha fúria tornou-se avassaladora, levantei a moca. Nesse momento, senti alguém tocar--me suavemente no ombro. Era o alferes-capelão.
Introvertido, de poucas falas, aparentemente alheado de tudo o que se passava à sua volta, o pa¬dre Sequeira desta vez não se distraíra. Sem se fazer anunciar, entrara. Na hora exacta. E operou mara¬vilhas. O seu gesto aplacou-me o estado paranóico.
0 mau transe sumiu-se, como água em areia. Senti--me calmo, aliviado. Pronto até para ouvir uma longa homilia recriminatória. Então, apontando o prisio¬neiro, disse-me simplesmente: «Não te esqueças de que ele é teu irmão». E saiu.
Hoje, pároco em Vila Nova de Tazem, Joaquim Sequeira sorri quando lhe chamo falso distraído.
Dou-lhe nota, muitos anos depois, como foi decisivaa sua intervenção. Um toque no ombro, uma frasejuizada, e eis-me outro, vacinado contra a brutalidade. Por isso, gabo-lhe a eficácia. Ele esclarece-
«Quando, em momentos difíceis, falo às pessoas, sinto que não sou eu quem o faz. E o Espírito Santo pela minha boca».
E foi assim que vestimos uma farda, andamos armados e fomos por vezes prepotentes.
Um abraço para todos

Anónimo disse...

Mensagem (particular) do Juvenal Amado que entendo dever partilhar com o resto da Tabanca Grande e demais leitore sod blogue:

Caro Luís, em primeiro lugar a continuação de boas férias junto com a tua esposa e mais familiares.

Muito obrigado pelas tuas palavras e só te quero dizer, que não há possivelmente quem não gostasse de ver publicadas as suas estórias.
Na verdade nunca levei muito a sério essa questão, pois o investimento é impensável para mim, além que elas teriam que ser revistas a a nivel gramatical e tudo isso custa dinheiro que não tenho.

Sendo assim, já me vou dando por muito feliz a boa aceitação que elas tem tido e pela oportunidade, que o blogue me dá de ir preenchendo este tempo de forma para mim tão agradável.

Sem mais delongas um grande abraço

Juvenal Amado