quarta-feira, 18 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10165: Em bom português nos entendemos (9): Uma declaração de amor, bem humorada, à língua portuguesa (Teolinda Gersão + netos)


Sítio do Observatório da Língua Portugesa (OLP)... Constituído em Junho de 2008, o OLP -  é uma associação sem fins lucrativos que tem por objectivos contribuir para:  (i) o conhecimento e divulgação do estatuto e projecção, no mundo,  da Língua Portuguesa; (ii) o estabelecimento de redes de parcerias visando a afirmação, defesa e promoção da Língua Portuguesa; e (iii) a formulação de políticas e decisões que concorram relevantemente para a afirmação da Língua Portuguesa como língua estratégica de comunicação internacional, hoje já com 250 milhões de falantes.


1. Porque (i) somos um blogue lusófono, com milhões de "baites" debitados para a blogosfera,  e (ii) fazemos questão de "em bom português nos entendermos", todas as questões da defesa e da promoção da língua portuguesa não nos são indiferentes, antes pelo contrário... Além disso, também (iii) temos (muitos de nós) filhos e netos em idade escolar, fazendo por isso parte da comunidade educativa... Mais: (iv) como antigos combatentes, também gostamos de escrever e de contar histórias aos mais novos, na escola ou fora dela... Temos, na Tabanca Grande, (v) gente que até já dá autógrafos e tem livros sobre a temática da guerra colonial... Enfim, e não menos importante, (vi) achamos que ninguém é dono da língua portuguesa, a começar pelo sr. ministro da educação de Portugal, mais todos os srs. ministros da educação da CPLP e os demais (e)duqueses, portugueses, brasileiros ou outros. Para aqueles que a têm como língua materna é provavelmente a única coisa que nada nem ninguém lhes pode roubar, mesmo cortando-lhes... a língua.


Com a devida vénia ao Observatório da Língua Portuguesa, reproduz-se aqui um bem humorado mas oportuno e contundente artigo de crítica ao atual estado do ensino da língua portuguesa, a nível do ensino básico e secundário, sob a forma de uma redação de um neto, João Abelhudo, do 8º ano C (Cê... de Carvalho). A autora é a avó Teolinda Gersão, que também é contra o NAO (Novo Acordo Ortográfico). O texto foi originalmente publicado no jornal "Público".


Teolinda Gersão é uma conhecia escritora de língua portuguesa. [Foto à esquerda]:  (i) nasceu em Coimbra; (ii) estudou Germanística e Anglística nas Universidades de Coimbra,Tuebingen e Berlim; (iii) foi leitora de Português na Universidade Técnica de Berlim; (iv) docente na Faculdade de Letras de Lisboa e posteriormente professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa, onde ensinou Literatura Alemã e Literatura Comparada até 1995; (v) partir dessa data passou a dedicar-se exclusivamente à literatura;  (vi) além da Alemanha (3 anos), viveu ainda em São Paulo, Brasil (2 anos...reflexos dessa estada surgem em alguns textos de Os Guarda-Chuvas Cintilantes,1984); (vii) conheceu Moçambique, cuja capital, então Lourenço Marques, é o lugar onde decorre o romance A Árvore das Palavras (1997); (ix) foi ainda escritora residente na Universidade de Berkeley (Fevereiro e Março de 2004).

B. Teolinda Gersão faz uma declaração de amor à Língua portuguesa

Tempo de exames no secundário, os meus netos pedem-me ajuda para estudar português. Divertimo-nos imenso, confesso. E eu acabei por escrever a redacção que eles gostariam de escrever. As palavras são minhas, mas as ideias são todas deles.11-06-2012

Redacção – Declaração de Amor à Língua Portuguesa

Vou chumbar a Língua Portuguesa, quase toda a turma vai chumbar, mas a gente está tão farta que já nem se importa. As aulas de português são um massacre. A professora? Coitada, até é simpática, o que a mandam ensinar é que não se aguenta. Por exemplo, isto: No ano passado, quando se dizia “ele está em casa”, ”em casa” era o complemento circunstancial de lugar. Agora é o predicativo do sujeito.”O Quim está na retrete” : “na retrete” é o predicativo do sujeito, tal e qual como se disséssemos “ela é bonita”. Bonita é uma característica dela, mas “na retrete” é característica dele? Meu Deus, a setôra também acha que não, mas passou a predicativo do sujeito, e agora o Quim que se dane, com a retrete colada ao rabo.


No ano passado havia complementos circunstanciais de tempo, modo, lugar etc., conforme se precisava. Mas agora desapareceram e só há o desgraçado de um “complemento oblíquo”. Julgávamos que era o simplex a funcionar: Pronto, é tudo “complemento oblíquo”, já está. Simples, não é? Mas qual, não há simplex nenhum, o que há é um complicómetro a complicar tudo de uma ponta a outra: há por exemplo verbos transitivos directos e indirectos, ou directos e indirectos ao mesmo tempo, há verbos de estado e verbos de evento, e os verbos de evento podem ser instantâneos ou prolongados, almoçar por exemplo é um verbo de evento prolongado (um bom almoço deve ter aperitivos, vários pratos e muitas sobremesas). E há verbos epistémicos, perceptivos, psicológicos e outros, há o tema e o rema, e deve haver coerência e relevância do tema com o rema; há o determinante e o modificador, o determinante possessivo pode ocorrer no modificador apositivo e as locuções coordenativas podem ocorrer em locuções contínuas correlativas. Estão a ver? E isto é só o princípio. Se eu disser: Algumas árvores secaram, ”algumas” é um quantificativo existencial, e a progressão temática de um texto pode ocorrer pela conversão do rema em tema do enunciado seguinte e assim sucessivamente.
No ano passado se disséssemos “O Zé não foi ao Porto”, era uma frase declarativa negativa. Agora a predicação apresenta um elemento de polaridade, e o enunciado é de polaridade negativa.

No ano passado, se disséssemos “A rapariga entrou em casa. Abriu a janela”, o sujeito de “abriu a janela” era ela, subentendido. Agora o sujeito é nulo. Porquê, se sabemos que continua a ser ela? Que aconteceu à pobre da rapariga? Evaporou-se no espaço?
A professora também anda aflita. Pelo vistos no ano passado ensinou coisas erradas, mas não foi culpa dela se agora mudaram tudo, embora a autora da gramática deste ano seja a mesma que fez a gramática do ano passado. Mas quem faz as gramáticas pode dizer ou desdizer o que quiser, quem chumba nos exames somos nós. É uma chatice. Ainda só estou no sétimo ano, sou bom aluno em tudo excepto em português, que odeio, vou ser cientista e astronauta, e tenho de gramar até ao 12º estas coisas que me recuso a aprender, porque as acho demasiado parvas. Por exemplo, o que acham de adjectivalização deverbal e deadjectival, pronomes com valor anafórico, catafórico ou deítico, classes e subclasses do modificador, signo linguístico, hiperonímia, hiponímia, holonímia, meronímia, modalidade epistémica, apreciativa e deôntica, discurso e interdiscurso, texto, cotexto, intertexto, hipotexto, metatatexto, prototexto, macroestruturas e microestruturas textuais, implicação e implicaturas conversacionais? Pois vou ter de decorar um dicionário inteirinho de palavrões assim. Palavrões por palavrões, eu sei dos bons, dos que ajudam a cuspir a raiva. Mas estes palavrões só são para esquecer. Dão um trabalhão e depois não servem para nada, é sempre a mesma tralha, para não dizer outra palavra (a começar por t, com 6 letras e a acabar em “ampa”, isso mesmo, claro.)

Mas eu estou farto. Farto até de dar erros, porque me põem na frente frases cheias deles, excepto uma, para eu escolher a que está certa. Mesmo sem querer, às vezes memorizo com os olhos o que está errado, por exemplo: haviam duas flores no jardim. Ou: a gente vamos à rua. Puseram-me erros desses na frente tantas vezes que já quase me parecem certos. Deve ser por isso que os ministros também os dizem na televisão. E também já não suporto respostas de cruzinhas, parece o totoloto. Embora às vezes até se acerte ao calhas. Livros não se lê nenhum, só nos dão notícias de jornais e reportagens, ou pedaços de novelas. Estou careca de saber o que é o lead, parem de nos chatear. Nascemos curiosos e inteligentes, mas conseguem pôr-nos a detestar ler, detestar livros, detestar tudo. As redacções também são sempre sobre temas chatos, com um certo formato e um número certo de palavras. Só agora é que estou a escrever o que me apetece, porque já sei que de qualquer maneira vou ter zero.

E pronto, que se lixe, acabei a redacção - agora parece que se escreve redação. O meu pai diz que é um disparate, e que o Brasil não tem culpa nenhuma, não nos quer impor a sua norma nem tem sentimentos de superioridade em relação a nós, só porque é grande e nós somos pequenos. A culpa é toda nossa, diz o meu pai, somos muito burros e julgamos que se escrevermos ação e redação nos tornamos logo do tamanho do Brasil, como se nos puséssemos em cima de sapatos altos. Mas, como os sapatos não são nossos nem nos servem, andamos por aí aos trambolhões, a entortar os pés e a manquejar. E é bem feita, para não sermos burros. 

E agora é mesmo o fim. Vou deitar a gramática na retrete, e quando a setôra me perguntar: Ó João, onde está a tua gramática? Respondo: Está nula e subentendida na retrete, setôra, enfiei-a no predicativo do sujeito.

João Abelhudo, 8º ano, turma C (c de c…r…o, setôra, sem ofensa para si, que até é simpática).



Teolinda Gersão, junho, 2012
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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10074: Em bom português nos entendemos (8): O angolês, termos angolanos que pode dar jeito integrar no nosso léxico (Luís Graça, com bué de jindandu para o Raul Feio e demais kambas kalus)

8 comentários:

Anónimo disse...

Camaradas
Este texto fala por si.
Não há que discutir. Somos mesmo mal conduzidos por estes "incletuais" que nos gerem há mais de 30 anos. Esta do acordo pornográfico foi o máximo. Quererem convencer-nos de que temos que fazer um acordo ortográfico com a Guiné ou Timor, onde não se fala português. E Cabo Verde e São Tomé falam português? O caso do Brasil é o mais paradigmático...
Apresentar como razão a necessidade de termos "peso internacional" para sermos não sei quantos milhões a falar português por esse mundo de Deus é um vício de raciocínio.
Já pensaram na desgraça dos húngaros, romenos, checos, noruegueses, suecos, etc. Quão frustrados esses povos se devem sentir! Fazer um acordo com os países da CPLP que é um órgão que ninguém sabe para que serve e onde estão as ex-colónias portuguesas é de partir o coco e rir...
E os alemães já fizeram um acordo com as suas ex-colónias? E a Inglaterra já o terá feito com os EUA ou com a própria Índia?
Enfim, um autêntico show do Mounty Pyton...
´"Mandámezios vir, agora aturêmezios"...
Um Ab.

Luís Graça disse...

Senhor()a) comentador(a): Não se esqueça, por favor, de ass(ass)inar a sua mensagem.

Os editores agradecem, no cumprimento das regras bloguísticas. Com oito anos e tal de blogue, já somos de resto catedráticos... em Bloguística! Os editores.


PS - Ou pelo menos doutorados:

I Ciclo de Bolonha (equivalente ao antigo grau de bacharel ou licenciado): 3 anos (2004/2006): 60 ECTS x 3 = 180:

II Ciclo de Bolonha (equivalente ao antigo grau de mestre):

2 anos (2007/2008): 60 ECTS x 2 = 120

III Ciclo de Bolonha (equivalente ao grau de doutor):

3 anos (2009/2011): 60 ECTS x 3 = 180.

Total 480 ECTS (acrónimo de European Credit Transfer and Accumulation System, ou seja, Sistema Europeu de Acumulação e Transferência de Créditos)...

... Mais 22, 23 ou 24 meses de Guiné (enter 1961 e 1974), somos... catedráticos em Ciências da Guerra & da Paz pela Universidade da Tabanca Grande.

Antº Rosinha disse...

Entender em português um Cuanhama, um balanta, um cearense, um riograndense do sul, ou no Funchal, é o que motivou a existência (perene) deste rectângulo onde falta Olivença.

Quem não compreender esta simplicidade, vai ter muita dificuldade em compreender porque a nossa geração passou o que passou há 40 anos.

E tambem não compreenderá porque os ingleses e os franceses suportam orçamentos militares e culturais descomunais comparado com os nossos "perdões da dívida" à guiné e meia dúzia de GNR para Timor.

Que desculpe o anónimo dos romenos e húngaros, mas estes países são aquilo que os outros quizeram que fossem, mas nós somos e fomos aquilo que ninguem queria que fossemos.

Sobre os acordos dos ingleses com os americanos, indianos, canadianos e paquistaneses etc. são sagrados, andam todos juntinhos pelo afeganistão, iraque, malvinas, gâmbia, e ainda veneram a Isabel.

Mas caro anónimo, dá vontade de se expressar assim ou pior, como o faz, mas os cuanhamas e os fulas e a fáfá de belem merecem todos os acordos do mundo.

Até o jardim da Madeira merece, agora que ameaça tornar-se um novo PALOP.

Amigo anónimo, sobre os que nos governam, é o destino, temos que aguentar. Faz parte do nosso currículo, ter governantes assim , até que um dia aparece o mau da fita.

Até eu que sou retornado, compreendo quando ouvi no dia 26 de Abril (day after)um ministro revolucionário dizer que até o Algarve podia ser independente se os algarvios quizessem.

Olha agora ter que mandar professores de português excedentes do Minho e Beiras para o Algarve, para não apreenderem só o inglês, como os zézécamarinhas!

Sem o nosso idioma, seriamos mais periféricos do que somos.

Os acordos unem, até neste caso vai unir.

Anónimo disse...

Peço desculpa, mas fiz turbo licenciatura com o Ervas, perdão com o Relvas. Doutorei-me na Modernaçs, de modo que me esqueci de assinar.
Pelo texto haveras de ver que era eu...
De modos que olvidei-me...
Um Ab. do
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Viva o nacional-porreirismo!
Viva!
Um Ab. para o Rosinha cá do anónimo
António Costa

Luís Graça disse...

Logo imaginei, meu coronel... O estilo de Vossa Excelência é inconfundível... mas não fica dispensado de ass(ass)inar, já que as NEP são para se cumprir, tanto pelo básico como pelo general...

Anónimo disse...

Ex.mo Sr.Prof.Dr.
Luís Graça

Venho por este meio pedir que me explique essa coisa dos ciclos de Bolonha...é que fiquei completamente baralhado...
Gostava de o informar que sou vice-presidente de um clube de caça e pesca e presidente da assembleia geral de uma IPSS.
Gostava de saber se terei direito a equivalências a uma qualquer licenciatura...não importa qual..
Sobre o poste, confesso que não percebi nada das novas regras gramaticais..logo eu que até aprendi latim na mesma escola de V.exa (seminário patriarcal de Santarém).
Peço desculpa em escrever como aprendi..é que burro velho não aprende novo acordo ortográfico.

Espero compreensão de V.exa..e vá lá.. dê-me aí uma licenciaturazita..ou pelo menos uns créditos ou equivalências...pelo meu vasto e rico currículo..julgo ser merecedor..é que não queria morrer sem ser tratado por DR.
Este que se assina e espera compreensão e benevolência.

PS.
Não envio este requerimento em papel selado, porque me disseram que estava esgotado.

C.Martins

Anónimo disse...

Mas ainda há dúvidas que um espetador é um intrumento de espetar e não aquele senhor que está sentado na fila da frente do Politeama a ver as pernas das meninas e que no último ato não ata nada?
O que será 'o ato de atar uma corda aos espetadores'?

E, já agora um ator o que é?

O tal 'acordo' leva em conta que no falar 'acrioulado' que se usa no Brasil (e só depois se escreve; a fala precede a escrita) se empregam frequentemente vogais abertas (como é típico no falar das 'ex-colónias'), o que condicionou a forma como se foi edificando a escrita?
O tal 'acordo' leva em conta que, então, naquelas 'longínquas paragens', onde se edificava esta nova escrita, os emigrantes que para lá desandaram nem sonhavam com a implicação da etimologia, de que decorra o uso, e da sua importância no plano fonético e fonológico e que algumas das consoantes que se pretende eliminar (chamam-lhes surdas ou uma cois'assim) determinam o valor de vogais que por vezes nem adjacentes lhes são e que, em geral abrem, a vogal precedente para que se possam ver as pernas das miúdas do La Féria sem ter que espetar nada nem ninguem?
Tudo isto nada tem a ver com a substituição do grupo 'ph' pelo 'f', a não ser que se trate de mijar para o ar, por causa da acidez...
da acidês!
(o que faz ali aquele 'z'?)

Acorde-se de vês...
(desculpe!)
de vez!

SNogueira


PS
..e se ensinassem os brasileiros a escrever português em vez de cristalizar a deturpação?
Ou, que se deixe cada um falar como fala, uma vez que se trata da mesma língua, que todos entendem, nos diferentes contextos.