sexta-feira, 6 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10125: Notas de leitura (377): Massacres em África, de Felícia Cabrita (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 16 de Maio de 2012:

Queridos amigos,
O objetivo destas recensões é juntar o maior número de possível de materiais para quem quiser conhecer ou estudar aquela guerra que vivemos.
Tive que ler duas vezes com muito cuidado a reportagem da Felícia Cabrita sobre a operação Tridente. Creio que a jornalista brincou com coisas sérias, vinha na predisposição de registar uma epopeia, sonegou dados e transformou os cerca de 70 dias que durou a batalha num cerco de Leninegrado, um épico de onde certamente esperava que a convidassem a fazer uma série televisiva para mostrar como os militares portugueses se revelaram incapazes de conquistar posições onde pontificavam mulheres heroínas.
É uma reportagem inqualificável, convém deixar escrito.

Um abraço do
Mário


Massacres em África

Beja Santos

A jornalista e escritora Felícia Cabrita conheceu a notoriedade em reportagens sensacionais denunciando, por exemplo, o caso Casa Pia. É autora de séries televisivas como “O Ouro Negro”, “Capitão Roby”, “Ballet Rose” e a “Joia de África”. O seu livro “Amores de Salazar” tem tido reedições sucessivas e estes “Massacres em África” vão já em terceira edição (A Esfera dos Livros, 2011). A jornalista investigou um conjunto de situações que vão desde o massacre em S. Tomé, no tempo do governador Carlos Gorgulho, em 1953, as atividades terroristas em Luanda, em 1961, até à execução de Sita Valles e o drama de uma mãe que pretende tudo saber sobre a morte de um filho em Angola, numa ação de comandos do Galo Negro. Quando se esperava encontrar referências ao massacre do Pidjiquiti vamos encontrar a operação Tridente e mais adiante a morte de vários oficiais, em 20 de Abril de 1970, em pleno chão manjaco.

Depois de lida a reportagem que Felícia Cabrita efetuou na Ilha do Como, de colaboração com Nino Vieira, fica-se com sérias dúvidas se alguma vez consultou a documentação existente em Portugal sobre esta operação. Em estilo bombástico, a jornalista usa sem artifícios o enredo de uma telenovela, com arremedos de caráter épico: “Mal pisei terra, tinha à espera alguns dos combatentes que enxovalharam a tropa portuguesa. Começámos por fazer o reconhecimento do terreno. Parecia ter caído no Vietname. Fora em Como, a sul da Guiné, que, em 1963, fora hasteada a bandeira de independência. Para pôr fim à afronta, mil e tal homens dos três ramos das Forças Armadas, crentes de que ali estava instalado o santuário da guerrilha apetrechada à soviética com abrigos antiaéreos, hospitais construídos abaixo do chão e centenas de guerrilheiros com armamento sofisticado, partiram para o ocupar. Por lá andaram por dois meses e meio à sede e à fome sem conseguirem penetrar na mata que, afinal, era defendida por mulheres e um punhado de homens”. De premeio, temos peripécias mirabolantes e os picantes da superstição e da macumba: “Numa tabanca perto da praia, vive Sona Camará, uma balobeira, mulher de visões capaz de influenciar os mortos para o combate. Sempre estive do lado das minhas fontes sem sobranceria. Os homens são conduzidos a maior parte das vezes pela sua fé ou pela ausência dela”. Confessa que depois de publicada esta reportagem no Expresso Alpoim Calvão a chamou de doida. Sona Camará aparece na reportagem como uma padeira de Aljubarrota, no Como estariam 20 guerrilheiros, 8 armas e 4 granadas. Nino Vieira, escreve, pedira reforços a Como para atacar um quartel (historicamente improvável, Nino fora para Cassacá, para uma reunião convocada por Amílcar Cabral que acabou por se transformar em congresso). E temos aqui um relato de batalha, os homens dividem-se em grupos de 5 e vão travar as tropas portuguesas no tarrafo. Se passou a haver a lenda de Sona Camará também nasceu a do Kabi, o Leão. Felícia Cabrita viaja com Nino Vieira até ao Como. Temos mais espetáculo: “Aterrámos em Como, onde jipes militares nos aguardam. O chefe da segurança trepa para os estribos de todo-o-terreno que leva o presidente. As mulheres dos bijagós, nas saias de palha de arroz multicolores dançam ao ritmo da batucada. Ao almoço fala-se daquilo que os une, não do que os separa. Da pobreza. Sona Camará, a mulher que batizou Nino de Leão, leva-o à sua baloba, onde abundam as garrafas de aguardente de cana com que alimenta os espíritos”. Nino Vieira fala da sua juventude e da instrução militar que recebeu na China.

Chegou a hora da reportagem entrar na operação. A vivacidade da repórter não tem freio: a aviação larga panfletos nas ilhas, as mulheres e os poucos guerrilheiros põem-se em movimento. Se tudo já faz prever o épico temos agora cinema a três dimensões: Muk Na Pono era um jovem que nada assustava, pegou na Mauser e foi à luta, N’Dine Na Barne entrincheirou-se na mata com a única metralhadora pesada que havia; do lado português, Júlio Santos sente-se protagonista de O Dia Mais Longo, filme do desembarque da Normandia; começam as baixas e o suplício de remover os feridos para um improvisado posto de socorros; do lado português, acentua a repórter, há medo e desespero, há quem invente doenças e há gente enlouquecida e segue-se uma descrição para fazer chorar as pedras da calçada: “Joaquim Ganhão negou-se a olhar para Henrique, porque coreu entre os soldados mil e uma coisa. Que o corpo estava decepado, os olhos furados, ele acreditou e chorava como uma criança”. A epopeia, a fazer fé no que escreve a jornalista, andou sempre do lado guerrilheiro: enquanto as forças portuguesas disparavam fogo, os guerrilheiros levavam os seus feridos no fundo das canoas, esgueiravam-se entre fragatas e regressavam atafulhados de armas. A força portuguesa queria progredir mas não podia: “Na mata de Como vivia-se ao ritmo das bombas. As copas dos poilões e das palmeiras formavam uma carapaça que abrigava a guerrilha. A tropa portuguesa experimentou tudo para perfurar a selva que se fechada como uma ostra para os expulsar. O napalm apagava-se num segundo, mal encontrava a folhagem densa e verde, e as bombas lançadas pelos velhos Dakotas rebentavam assim que tocavam o topo dar árvores. Tentaram bombas de profundidade com 250 kg de trotil que só tinha poder de sopro, rebentavam os tímpanos da tropa e faziam pouco estragos. Nas primeiras três semanas, explodiram 262 bombas, foram lançados 347 foguetes e dispararam 31 846 balas”. Maior heroísmo não podia haver: “As mulheres faziam sabão, continuavam a parir, e à noite subiam para cima das árvores, espiavam a floresta enquanto os guerrilheiros descansavam”.

Do lado português aumentavam as neuroses, militares que se motivavam, até o médico Francisco do Nascimento tomava Librium 10 para se manter de pé. Até há cenas de um Apocalypse Now: “Ao domingo, no fim da tarde, na imensa praia de Caiar, onde o comando estava instalado, o médico assistia à missa do padre Gama, foi das mais lindas que ouviu, e por uns momentos sossegava. Ao fundo, na areia molhada, Alpoim Calvão cantava ópera ou descarregava a arma nas garrafas de cerveja”. Os dias arrastavam-se, havia um alferes conhecido por Shelltox que se vangloriava de matar até se fartar, talvez fosse um gabarola, do dia em que foram rodeados pelo inimigo recuou sem dar ordem de retirada. Fernando Cavaleiro, o comandante da operação Tridente garantia o sucesso da operação mas ninguém acreditava, escreve a jornalista que sintetiza: as derrotas são osso duro de roer. Terá entretanto ouvido Alpoim Calvão que tinha outra leitura: “Não há vitórias absolutas, mas também não foi uma derrota. Já não havia gente suficiente na ilha que justificasse a nossa presença. Mas Como foi uma grande escola, encontrámos o inimigo muito aguerrido e manobrador”. As mulheres guerreiras personificaram as gesta sublime, a tal ponto que Amílcar Cabral, quando soube das baixas, ordenou que abandonassem a ilha, mas Cadi Camará, a única mulher que usava pistola que conhecia as profecias, gritou aos homens: “Se estão com medo, dispam as vossas calças e vistam as nossas saias que nós vamos combater”.

Não tivesse lido o que outros camaradas aqui têm escrito sobre a operação Tridente e teria de cismar como é que mil e tal portugueses tinham sido travados por um punhado de homens e mulheres extraordinárias, tudo previsto por uma balobeira que previa um milagre. São estes despautérios que levam a perguntar como é possível ser tão leviano na descrição da operação Tridente.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10101: Notas de leitura (376): "Aviltados e Traídos - Resposta a Costa Gomes", por Mello Machado (Mário Beja Santos)

9 comentários:

armando pires disse...

Se a leviandade da autora se ficasse por aí, não vinha mais mal ao mundo do que este insulto que nós também somos capazes de suportar.
O pior é que a sua leviandade, dura e amarga para tanta gente, só terá limite no dia em que alguém se decidir a escrever a sua, dela, própria história.
armando pires

Anónimo disse...

Caros camaradas

Este livro execrável,não tem qualquer relevância histórica,pelo simples facto de ser escrito por uma pessoa doente do foro psiquiátrico,pelo qual ela não tem culpa e é por isso inimputável.
Culpa, e muita, tem quem lhe publica as suas alucinações.

C.Martins

Eduardo J.M. Ribeiro disse...

Amigo e Camarada C. Martins,

Não li este livro/dejecto, graças a Deus!

Mas, pelo que tenho ouvido, bem dito, com poucas e objectivas palavras.

Sublinho por inteiro.

Um abraço Amigo
Magalhães Ribeiro

Antº Rosinha disse...

Esta autora, é daquelas que eu não resisto de dar uma "olhadela" quando vou à mercearia fazer as compras para a minha "veia".

Ela escreve o resultado de entrevistas.

E os entrevistados e os entrevistadores encaminham as coisas como entenderem e como vender mais.

Por isso é que não há como continuarmos a escrever pelo próprio punho, com e sem nostalgia.

Antes que outros escrevam por nós.

Porque o que fizemos não foi só passado, "é ainda presente e vai ser futuro"

Esperemos que tudo acabe bem.

Cumprimentos

Luís Graça disse...

Meu caro Rosinha, meu caro camarada mais velho, que eu leio sempre com o respeito, a atenção e a consideração que me merecem os camaradas e os mais velhos:

"Massacres" e "África" são dois temas que vendiam, ou ainda vendem (enquanto fazemos o processo de luto coletivo pelo fim do império...), no nosso mercado livreiro (onde, apesar de pequeno, cabem todos os anos cerca de 16 mil novos livros, entre originais portugueses e traduções). Há um nicho de mercado para estes e outros temas, incluindo todos os sensacionalistas e escabrosos.

Há gente que se especializa neste tipo de jornalismo de investigação (?). E ainda bem. É uma fileira livreira que eu não acompanho. O livro em questão só o folhei, não o li, pelo que, e para ser intelectualmente honesto, não vou emitir opinião sobre ele e muito menos a sua autora.

Deixa-me só dizer que também aqui, e em geral, "depressa e bem não há quem"... A investigação (historiográfica) requer tempo, rigor, seriedade, triangulação de fontes, etc.

Sou, por outro lado, contra os assassínios de carater. Um livro deve valer por si, não pelos méritos ou desméritos do seu autor.

Felizmente que ainda vivo num país onde há liberdade de pensamento e de expressão, e onde ainda não vigora o pensamento único.

Felizmente que ainda não morremos todos, e lá vamos alinhavando as histórias que vivemos. A mesma sorte não têm os leões, em vias de extinção. São os caçadores que contam e continuarão a contar as histórias de caça ao leão. É tão triste ver um leão, moribundo, que foi um grande predador e combatente, contar a sua história à hiena... Mas o mundo é assim, é cruel, e sem piedade...

Antº Rosinha disse...

Grande Luís Graça, o que gosto mais de ler sobre o nosso antigo ultramar, é aquilo que os africanos escrevem.

Porque o que nós, (não africanos) escrevemos, já poucas novidades podem surgir.

Imagina o que eu já li e ouvi como retornado que sou!

Por isso agradeço muito este trabalho de Beja Santos que me poupa tempo.

Mas como agora já existem algumas leituras de africanos ou luso africanos, já temos mais alguma complementaridade para a compreensão do que se passou e passa ainda com a "a nossa guerra".

A última que atravez dos jornais nos chegou, é que alguns dirigentes guineenses estão dispostos a abandonar a CPLP.

Mas parece que pode haver, segundo os jornais, quem preencha a vaga da Guiné-Bissau, se as ideias da FLAMA forem avante.

Luís, censor jamais, mas a "viola no saco" também não.

Anónimo disse...

Caríssimo camarada Luís Graça

Sou frontalmente contra os assassinatos de "carácter".
Se interpretaste como tal não foi essa a minha intenção.
O livro é execrável,porque inventa deturpa e até entra no campo da ficção para não dizer "alucinações".
Um trabalho que pretende descrever factos históricos..acabam por ser apenas transcrições das suas "alucinações".
A autora parece-me ter uma personalidade e comportamento esquizofrénico.
Julgo que tenho autoridade profissional para o afirmar.

Um alfa bravo

C.Martins

Eduardo J.M. Ribeiro disse...

Amigo e Camarada C. Martins,

Já escrevi e repito que não li este livro/dejecto, graças a Deus e quem perde o seu tempo a ler tais aberrações!

Po isso volto a sublinhar por inteiro as tuas palavras.

Um abraço Amigo
Magalhães Ribeiro

João Carlos Abreu dos Santos disse...

...
sendo lixo prolixo, p'ró lixo... !
Além do mais, este blogue mai-los camaradas, não sendo lixo, não merecem que esta poia aqui fique exposta... tal o pivete que exala!