quinta-feira, 10 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9883: Da Suécia com saudade (36): Quando os mortos choram os vivos (José Belo)

 
1. Mensagem do nosso camarada José Belo (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70), Cap Inf Ref a viver na Suécia:

Caro Amigo e Camarada
A propósito da fotografia do cemitério de Bissau, junta ao poste de Tiago Teixeira, que é um verdadeiro "Grito em Silêncio".

José Belo



Cemitério de Bissau

Foto: © Tiago Teixeira (2012). Direitos reservados


Quando os mortos choram os vivos

Nós, os que voltámos, nunca iremos esquecer o sabor acre daquela poeira vermelha
que comungámos em rebentamentos de minas...

Nós, os que voltámos, ainda hoje sentimos o calor da terra que abraçámos,
e contra a qual nos comprimíamos em desespero de emboscadas....

Nós, os que voltámos ainda ouvimos o ruído miraculoso das chuvas na mata...
os odores variantes da terra molhada...
os trovões na noite tropical....

Nós, os que voltámos,
 recordamos o bater matinal dos pilöes em tranquila Tabanca...

Nós, os que voltámos!

A terra vermelha lá está...
abraçando-os.

As chuvas caem,
misturando-se com invisíveis lágrimas de saudade.
gritos abafados de "näo haverem sido"...

Os relâmpagos iluminam as lages, ano após ano...

Ver-se-ão nomes?
Datas?
Referências militares?....

Ou, simplesmente...
um soldado de Portugal?...
Esquecido.

Um abraço do
José Belo
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9855: Ser solidário (126): Da mesma maneira que muitos dos ex-combatentes sentem aquela pulsão de regressar, eu também a sinto (Tiago Teixeira)

Vd. último poste da série de 13 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9479: Da Suécia com saudade (35): Humildade cristã e....diálogos provocadores (José Belo)

10 comentários:

Juvenal Amado disse...

José Belo

Parabéns pelo texto que nos faz retroceder no tempo e aviva o que deixamos para trás, mas que teima em se agarrar à nossa pele como se fosse uma tatuagem.
Num país onde trata tal mal os vivos, o que esperavas que se fizesse aos mortos?

Um abraço deste canto onde começa a cheirar a Verão.

Um abraço

Anónimo disse...

Caro José Belo!

"Vim", aqui, ver as novidades e deparo-me com estas suas palavras.

Nunca ninguém falará melhor de algo, do que aquele que o viveu.

Não posso nem devo falar do que não vivi, mas também não posso deixar de sentir as palavras ditas por quem viveu e fala!

Creia, que as interpreto correcta e sentidamente.

Obrigada!

Um abraço fraterno, a partir de Lisboa.

Felismina Costa

Anónimo disse...

Sobre o que escreveste que dizer José, Belo.
Um abraço,
BS

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

A foto do Tiago é bastante impressionante. Já o tinha sentido quando a vi publicada. O branco das campas, a solidão (própria do local), as cores de fundo com o clarão de luz a dar aquela forma difusa... enfim, uma imagem propícia à reflexão.
E foi o que o Zé Belo fez.
Reflectiu sobre ela e saiu aquele texto que é ao mesmo tempo uma bela homenagem aos nossos camaradas que ali 'repousam', uma espécie de 'oração', um 'lamento', também um grito de revolta.
Foi o que senti.

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Não deixemos esbater a memória dos camaradas que lá tombaram.
Responder como fez o Tiago Teixeira, remendo para Blogger uma imagem que tem um significado de muita dor pelos familiares, amigos e companheiros que sentiram um desaparecimento que a história que alguns dos homens desprezam, não será, enquanto restarem vivos alguns de nós que por lá deixamos máguas, amarguras. solidão e raiva, ESFUMADO DO CORAÇÃO ALTIVO.
Obrigado José Belo, um abraço.

Anónimo disse...

Pois é, José Belo.
É isso:
- o esquecimento e a erosão pela passagem do tempo e
- as lembranças espaçadas e momentâneas devidas a lampejos de trovoadas ou de memórias.

Pobre de quem morreu sem saber como e por lá ficou sem saber porquê!

Isto pode provocar momentos de poesia, mas eles não serão NUNCA (como o teu não foi) momentos de lirismo.

Abraço
Alberto Branquinho

José Marcelino Martins disse...

Caro Zé Belo

Não me contive e. mal acabei de ler o texto, copiei-o para o meu "face".
Abraço fraterno

paulo santiago disse...

José Belo

Texto sentido

As famílias continuam a chorar os entes queridos,mas com eles tão longe,nunca fazem o luto...imenso trauma.

Abraço

Torcato Mendonca disse...

Mando-te um abraço, José Belo

que País este que não cuida dos vivos e desleixa os que por ele, dizem, deram a Vida...gente de juventude interrompida, gente sofrida...

Gostei do texto. Com pouco se diz tanto!

Ab T.

manuelmaia disse...

Caro Zé Belo,

Falta-lhes o carinho de uma prece e o cheiro reconfortante de uma flor.
E isso,não posso perdoar à corja político/militar que nestes trinta e oito anos de farsa, de vilipêndio,de roubo, de nojo,desfez um país e nem sequer soube honrar os seus mortos.