sábado, 28 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9822: Blogoterapia (210): "Estórias" da guerra colonial (Carlos Pinheiro)

1. Mensagem de Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro* (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), com data de 18 de Abril de 2012:

Camarigo Carlos Vinhal
Depois de uma certa ausência, aqui estou de novo a dar mais uma colaboração ao nosso Blogue com o artigo que envio em anexo.
Não se trata de um trabalho exclusivo sobre as realidades da Guiné que nós vivemos, mas sim de um trabalho mais exaustivo sobre a problemática da guerra e da preparação que nos era dada para a mesma e algum enfoque nas condições, ou melhor na falta delas, do transporte do pessoal para África.

Se entenderes por bem editar mais este artigo, o que agradeço, atrevo-me a sugerir-te que o ilustres com fotografias dos barcos que mais iam à Guiné, o Uíge, o Niassa, o Carvalho Araújo, o Rita Maria ou o Ana Mafalda.
Tudo isto fica ao teu critério.

Nota: - Este artigo foi escrito há quatro anos e publicado no jornal "O Almonda" na sua edição de 2 de Maio de 2008.

Um abração
Carlos Pinheiro


"Estórias" da guerra colonial 

As "estórias" começavam cá, mesmo muito antes do assentamento de praça. Eram as preocupações pelo desconhecido, porque a informação que nos davam a "beber" era só a que interessava à situação, pois a mesma estava absolutamente controlada. Tínhamos a Emissora Nacional, o Diário de Noticias e a generalidade dos jornais que, para saírem, tinham que ir ao lápis azul da censura. Era a situação. Salvava-se, por vezes, com muita ginástica, o República, fundado por António José de Almeida e nos últimos anos dirigido por Raul Rego, que pouca gente podia ler e o Diário de Lisboa, da família Ruela Ramos, que também utilizava muita imaginação para dizer alguma coisa que não nos deixavam contar. Salvavam-se também aqueles felizardos que podiam ir estudar para Coimbra, Lisboa ou Porto, onde os contactos permitiam uma consciencialização política muito acima da média. Outros, muito à socapa, ainda iam ouvindo a Rádio Moscovo, clandestinamente claro, como alguns, os do partido liam o Avante, e outros até a Voz da América ou mesmo a BBC, que sempre iam dizendo verdades que não conhecíamos, apesar de muitos casos se passarem à nossa porta.


E, quer queiramos quer não, guerra é sempre guerra, o maior flagelo da humanidade, e era para a guerra que a malta estava destinada. Uma guerra de guerrilha, talvez por isso, pior do que a chamada guerra convencional. Muita psico-social, lá e cá, pois os espíritos eram fracos e desinformados e assim melhor trabalhados. Teimosamente sós, era a política daquela época. Mas mesmo assim muito armamento da NATO era desviado para a guerra colonial a começar por alguns navios de guerra e a acabar no rearmamento vindo da Alemanha, especialmente viaturas ligeiras e pesadas, a partir de certa época. Já tínhamos perdido o "Estado da Índia", já tinha havido a "estória" do "Santa Maria" a que Henrique Galvão chamou "Santa Liberdade", e a malta começava a tomar consciência que estávamos em guerra na Guiné, em Angola e em Moçambique, mas que também se tinham reforçado posições em Cabo Verde, em S. Tomé, em Macau e em Timor. Tudo isto, como se a descolonização por parte do resto da Europa não tivesse existido, como se fôssemos diferentes, como se fôssemos mais fortes, como se conseguíssemos resistir sozinhos.

Navio de Transporte de Passageiros Santa Maria

A emigração, principalmente a clandestina, estava no auge. Era a pobreza franciscana em que o país vivia, era a falta de perspectivas de futuro, era a falta de escolas e as dificuldades de ingresso na Universidade e era também o sentimento de alguns, mais esclarecidos, que não queriam participar na guerra. Paris e seus arredores, chegou a ser a cidade onde mais portugueses viviam. Está tudo dito.

Mas a malta que cá ficava ia de certeza para a tropa. Escapavam os cegos, os coxos e os aleijados. O resto era tudo apurado. Por isso, depois da entrada, eram os rigores de uma vida nova, aparentemente sem sentido, passava-se a ser só um número, havia horários para tudo, menos para descansar e conviver, de dia e de noite, nos campos, nos matos, nas carreiras de tiro, nas salinas, nas marchas, nos exercícios, era tudo a correr, sempre em fila, por vezes ao toque de caixa, mas era tudo sempre a correr.

Eram precisos soldados, muitos soldados, com sangue novo para a guerra. Rapidamente e em força, era o slogan.

A recruta era feita num qualquer quartel que já não existe, viajava-se ao fim de semana a caminho de casa, onde se ia buscar o farnel para semana, quando era possível, sempre de noite, naqueles comboios que pareciam pintados de verde por dentro. Depois era a especialidade, normalmente noutro quartel também daqueles que já não existem, e aí o sofrimento, dado o rigor, por norma era ainda maior.

Ao longe, parece que já se ouviam as sirenes dos barcos que haviam de levar, um dia, aquela malta toda para África. E esse dia chegava quase sempre, para a esmagadora maioria da rapaziada. Para uns chegava mais cedo do que esperavam. Para outros chegava mais tarde, quando pensavam que já tinham escapado à mobilização.

De noite, de camioneta ou de comboio, a malta lá era despejada no Cais da Rocha ou de Alcântara, vinda dos seus quartéis de origem, lá se perfilava como mandavam as regras e ao som de marchas militares lá embarcava, depois de um ou outro discurso de circunstância, no "Uíge", no "Timor" no "Niassa", no "Índia", no "Vera Cruz", no "Rita Maria", no "Ana Mafalda" ou no "Alfredo da Silva" e até, na parte final, no velho "Carvalho Araújo", e lá ia durante 5, 8, 10 ou 30 dias conforme fosse para a Guiné, para Angola ou Moçambique e até mesmo para Macau ou Timor.


Quando se começavam a subir as escadas de acesso ao barco, lá estavam, para além da Polícia Militar, aqueles fulanos que vestiam sobretudo e usavam chapéu e bigode, estrategicamente colocados, as senhoras do Movimento Nacional Feminino que davam à soldadesca um macito de cigarros, por vezes um isqueiro e até uns aerogramas, os chamados bate estradas, para a malta escrever quando lá chegasse. Era porreiro, pá!

A partida era sempre dolorosa. Os familiares apinhavam-se nas varandas do Cais ou junto às grades que separavam a gentalha dos senhores. Os lenços da despedida desfraldavam-se ao vento e as lágrimas escorriam, de um lado e muitas vezes também do outro, pela cara abaixo. E o barco a afastar-se vagarosamente, a música da banda militar que tinha ficado no cais, cada vez se ouvia mais longe, passava-se por baixo da ponte Salazar, via-se o Bugio, Lisboa cada vez ficava mais para trás até deixar de se ver e lá estávamos no mar alto, no mar salgado.

Eram dias desgraçados. Só se via mar e céu e quando o tempo estava bom, era azul por baixo e azul por cima. Por vezes os golfinhos lá vinham visitar o barco e distrair, por momentos, a rapaziada. Os barcos, apesar de civis, eram considerados "Transporte de Tropas" e diziam-nos, para nos sossegarem, que íamos escoltados, para nossa segurança. Mas nunca se viram aviões ou barcos de guerra e, claro, muito menos qualquer submarino a proteger-nos. Lá íamos entregues à nossa sorte.

A vida a bordo era soturna. Nalguns barcos ainda havia instalações menos más, para alguns. Mas a maioria passava o tempo nos porões, que em tempo de paz serviam para o transporte de todo o tipo de mercadorias. Não havia outras condições. Lá muito em baixo, onde a luz do sol só chegava por um buraco, que era a boca do porão, mal se respirava, dados os odores lá acumulados ao longo de anos. Havia excepções: O "Rita Maria", o "Ana Mafalda" e o "Alfredo da Silva" só viajavam até à Guiné, eram barcos pequenos e normalmente levavam pouca gente e só em rendição individual. Estes eram barcos da "Sociedade Geral", uma empresa da "CUF" que não era só dona do Barreiro como dona de quase toda da Guiné. Também o "Carvalho Araújo" escapava, de certo modo, à regra. A malta viajava à mesma nos porões, mas estes tinham circulação de ar porque o barco, em tempos, tinha sido adaptado para o transporte de gado dos Açores para o Continente e o gado, esse precisava sempre de ar fresco. Mas em contrapartida a viagem neste barco demorava sempre mais uns dias. Era muito vagaroso e gastava muito combustível. Para ir à Guiné tinha que passar por S. Vicente, em Cabo Verde, para meter água e nafta, que na Guiné não havia. No regresso parava sempre no Funchal para se reabastecer e a malta aproveitava para ver aquela Pérola do Atlântico depois de dois anos de guerra. Lá em baixo, muitos jogavam às cartas, especialmente à "lerpa", e alguns iam surripiando os outros. Quando chegava a hora da refeição havia um sinal e só os doentes é que não subiam ao convés, mas, para esses, havia sempre um camarada que lhes trazia uma bucha e uma pinga de água enquanto não iam para a enfermaria, que por norma era pequena. Bebia-se muita cerveja, daquelas "bazookas" holandesas que a malta cá não conhecia. Bebia-se Coca-Cola, inglesa ou de Moçambique, que cá era proibida. Era raro tomar-se banho, porque os barcos não tinham sido construídos para transportar tanta gente de cada vez. Até as casas de banho, as chamadas retretes, eram escassas e normalmente improvisadas no convés, numas barracas de madeira, como ainda hoje se vê para aí nalgumas obras.

Muitos enjoavam, principalmente naqueles dias em que o mar parecia que tinha poucos amigos.

A comida, essa tinha dias e era conforme os barcos. Ninguém empanturrava com o que lhe era dado, mas comia-se sempre menos-mal na viagem de ida do que na do regresso. Vá-se lá saber porquê?

Os dias passavam, assinalava-se a passagem do equador com uma espécie de festa e a meio da viagem fazia-se um simulacro como se o barco estivesse em perigo e cada um lá se desenrascava como melhor podia ou sabia.

Entretanto a temperatura começava a subir e as águas a mudarem de cor. A chegada estava próxima.

Na maioria dos casos os barcos atracavam ao cais, mas na Guiné, até certa altura, ficavam ao largo, especialmente o "Uíge" e o "Niassa" e a malta era transferida para batelões até ao cais, onde colunas de viaturas aguardavam a chegada daqueles reforços que eram sempre bem-vindos para os que já lá estavam e a muitos dava a oportunidade de rendição e por consequência, do tão esperado regresso.

Alguns, mal tinham tempo de pôr os pés em terra. Mal chegavam, embarcavam outra vez, numa "LDG", ou "LDM", lanchas de desembarque grandes ou médias, conforme o contingente, directamente para o mato onde os esperavam dois anos de privações e outras aflições. Outros ainda iam uns dias para os Adidos, quartéis exemplares no pior sentido, onde nada havia, e outros ainda eram encaminhados para campos militares nos subúrbios da cidade, onde iam completar a instrução da metrópole e aclimatarem-se à nova vida.

Depois, depois era o desconhecido. Era a guerra na pior acepção da palavra, era o arame farpado, as operações para reabastecimento de tudo e mais alguma coisa, incluindo a água. A fome, a sede e as emboscadas eram frequentes, como eram os combates e os ataques aos aquartelamentos, os mortos e os feridos, as evacuações pelo ar, a saudade, etc.

E o tempo lá ia passando. Quem podia, quer dizer quem tinha dinheiro para tanto, lá vinha passar um mês de férias à Metrópole e muitos, depois, até se enganavam no dia do regresso a África e lá iam de comboio ou a salto até Paris.

No regresso, no mesmo ou noutro barco e alguns até já de avião, lá regressavam, muitas vezes cheios de mazelas no corpo e no espírito, mas era sempre uma alegria o regresso. A cena do cais agora era ao contrário. O barco começava a aproximar-se, normalmente bem cedo, pela manhã, e os lenços a acenar desta vez queriam manifestar a satisfação pelo regresso. Os outros, alguns, mas só alguns dos que por lá tinham tombado, esses eram retirados mais tarde, longe da vista da multidão e depois encaminhados em armões militares para as suas terras de origem. Era a guerra que resistiu treze longos anos e que mesmo depois do 25 de Abril ainda causou baixas em alguns teatros de operações. Dizem as estatísticas que foram cerca de 10.000 mortos contabilizados.

É certo que muito se tem escrito ultimamente sobre este capítulo da nossa História, mas relatos destes, simples mas honestos, nunca serão demais para que a memória não esqueça e para que os mais novos fiquem a saber o que uma certa juventude, a daquele tempo, passou e que os senhores do poder continuam a não reconhecer. Mas até isso faz parte da História. A carne para canhão sempre foi barata e esquecida. Serviram-se dela mas nunca a reconheceram, pelo menos por cá. É esta a realidade dos factos que convém não esquecer mesmo agora que se está a comemorar mais uma vez, a 38ª, a Revolução dos Cravos, o 25 de Abril, que levou ao fim da guerra.

Carlos Pinheiro

Nota do Editor: Fotos dos navios, com a devida vénia a Navios Mercantes Portugueses
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9273: Recordações dos tempos de Bissau (Carlos Pinheiro) (6): Notícias da Guiné de 9 de Fevereiro de 1969

Vd. último poste da série de 17 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9762: Blogoterapia (209): Sensibilizado pela prova de amizade da tertúlia e pelo nascimento da décima neta (Jorge Picado)

8 comentários:

Luís Dias disse...

Camarada Carlos Pinheiro

Outro navio (misto) que fazia transporte de tropas para a Guiné era o "Angra do Heroísmo".

O navio pertencia à Empresa Insulana de Navegação - E.I.N., e teve como seu primeiro comandante, António Silva Bagão Júnior que transitou do navio Carvalho Araújo. Tinha como características principais, as suas 9.831 T., uma velocidade máxima de 19 nós e alojamento para 323 passageiros, bem como espaço para 5.000 T de carga. Foi construído em Hamburgo em 1956.

Foi neste navio que partiu para a Guiné, em 18 de Dezembro de 1971, o Batalhão de Caçadores nº 3872, aportando primeiramente no Funchal para receber 3 companhias independentes madeirenses (CCAÇ 3518, CCAÇ 3519 e CCAÇ 3520). Chegámos à Guiné em 24 de DEzembro (véspera de Natal).
Um abraço.
Luís Dias

Antº Rosinha disse...

Carlos Pinheiro, com tantos barcos em movimento, durante tantos anos, e apenas falas nos navios da CNN, CCN e Sogeral, imagina que este blog era lido por jovens de hoje que só ouvem falar em crise.

É que nem falas nos barcos da Marinha que patrulhavam permanentemente costas de milhares de quilómetros em Angola e Moçambique.

E nem referes os aviões Boeing com viagens diárias, desde que estes apareceram.

Estes governantes que hoje "faliram" com dois submarinos e é uma choradeira por causa de tanto desperdício de dinheiro, se lessem este blog ainda diziam que nós os velhos é que somos os culpados por não haver dinheiro para as reformas.

Gastámos tudo em viagens para os trópicos.

E ainda diriam que por "teimosia" destes velhotes, têm neste momento os motores da Vasco da Gama a aquecer,à espera da maré para subir o Geba em grande velocidade.

O que vale é que essa juventude nem se dá ao trabalho de saber o que foi a crise de há 40 anos.

Este post dá uma imagem interessante da tarefa em que Portugal se envolveu.

Cumprimentos

Anónimo disse...

Camarada Luis Dias
Peço desculpa mas de facto esqueci-me do ANGRA DO HEROISMO que eu conheci bem. Mas também me esqueci do QUANZA que também levou muita gente para a guerra. Possivelmente ter-me-ei esquecido de outros. Mas não me esqueci do UIGE que me levou em Outubro de 69 nem do CARVALHO ARAUJO que me trouxe de regresso em Novembro de 1970.
Para o António Rosinha, digo que tamb+em tens a tua razão. Mas não pretendi falar desses barcos que falas das costas de Angola e de Moçambique mas lembro-me muito bem do problema do ANGOCHE, em Moçambique, que nunca foi esclarecido. Quanto aos aviões, eles não foram do meu tempo. Boieng era o da TAP que ia a Bissau e voltava depressa.
Quanto aos mandantes deste país, de facto já era tempo de eles aprenderem alguma coisa. Mas se calhar não têm tempo, digo eu.
Um abraço
Carlos Pinheiro

Anónimo disse...

Caro camarada C.Pinheiro

Simplesmente ANTOLÓGICO..com palavras simples se escreve uma grande história.
Eu fui um sortudo..fui e vim de avião..mas imagino o que milhares e milhares de camaradas praças passaram em porões de navios.
Um alfa bravo
C.Martins

Anónimo disse...

Carlos,

Gostei da tua descrição.

Claro que não foste de avião, nasceste cedo demais para isso e ainda mais cedo para teres escapado de lá ir, é a vida.

Estou como o C. Martins, fui sortudo por ter ido e vindo de avião, mas imagina se lá não tivesse ido...

Uma coisa sei, já passou e só isso possibilitou conhecer toda esta imensidão de pessoas, com história.

Um abraço,
BS

Hélder Valério disse...

Caro camarigo Carlos Pinheiro

Trata-se de um relato/descrição a partir da tua experiência mas que se pode aplicar a uma larga quantidade de jovens que tiveram percursos semelhantes.

Quanto às minhas viagens elas foram de barco 'para lá' e de avião 'para cá'.
E a viagem 'para lá' (que já relatei na minha primeira ou segunda contribuição escrita) foi muito interessante e permitiu-me ter o meu primeiro 'cruzeiro'. Foi num cargueiro, o "Ambrizete", com 6 cabinas duplas para 12 passageiros (no porão só carga.. nada de tropas) e assim foram 6 civis e 6 militares, tudo pessoal das Transmissões, 3 TPF e 3 Ilustres TSF. Tudo muito bom (salvo a inclinação a 7º por má acomodação da carga), com várias refeições (sempre muito boas) na companhia do Sr. Comandante do navio.
Em resumo, dadas as circunstâncias, um verdadeiro luxo, ainda hoje recordado.
O regresso teve outros contornos, mas como ainda não os contei em história própria, fica para outra ocasião.

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Para o C. Martins, Belarmino Sardinha e Helder Valério e para quem mais interessar, só vos digo que a viagem no porão era do pior que se pode imaginar devido aos cheiros nauseabundos que por ali estavam entrenhados há décadas, pela falta de circulação do ar e até pelos acessos que eram escadarias em madeira, ingremes como o caraças e de vez em quando lá caía um para o buraco. Só conheci o UIGE para lá e o CARVALHO ARAUJO para cá e posso-vos dizer, repetinho, que as condições dos porões deste último barco eram menos más na medida em que o mesmo andou anos e anos a transportar gado dos Açores para o Continente e o gado não se aguentava se não tivesse, água, palha e ar. Nós, nesse Carvalho Araújo não tinhamos água, passámos 9 dias sem tomar banho, isto a passar latitudes a ferver, o prato era lavado com água do mar e a ferramenta andava sempre no bolso. E "palha" também sempre tivémos pouca e de má qualidade. Só no dia em que chegámos ao Funchal para o barco reabastecer, é que nos apresentaram uma refeição apresentável. Claro que não comemos e invadimos o Funchal cheios de larica.Histórias que só quem passou por elas é que sabe...
Um abraço para todos
Carlos Pinheiro
10.05.12

Carlos Pinheiro disse...

Duas pequenas rectificações.
Para o Rosinha digo que também me referi ao CARVALHO ARAUJO que era da Insulana e que foi o barco que me trouxe na sua última viagem.
No meu post de 29 de Abril referi 69 como o ano do meu embarque mas foi lapso. Foi em 23 de Outubro que embarquei para lá e regressei em Novembro de 70.
Carlos Pinheiro
22.07.12