terça-feira, 3 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9698: O caso da ponta Coli, Xime-Bambadinca (Jorge Araújo)


1.    O nosso camarada Jorge Araújo* (ex-Fur Mil Op Esp/Ranger da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74), enviou-nos a seguinte mensagem.


Caríssimo Camarada Luís Graça, e restantes operacionais do nosso blogue. 

O mês de Abril tem sido para nós, até ao presente, um mês fértil em recordações e, simultaneamente, de grandes emoções. E este ano não foge à regra, dando conta, nesta nota introdutória, aquelas que se enquadram no âmbito militar. 

Primeiro; porque no dia 04.Abr.1974, faz hoje trinta e oito anos, aportámos ao Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, regressados de Bissau a bordo do Paquete Niassa – com direito a escala no porto do Funchal – depois de aí termos concluído a Comissão de Serviço Militar Obrigatório, para três semanas depois, em “25 de Abril”, termos assistido/ participado naquele memorável dia que levou ao fim da(s) Guerra(s). 

Segundo; porque uma semana depois da chegada, em 12.Abr.1974, minha mãe, Georgina Araújo, comemorou o seu quadragésimo sexto aniversário num ambiente de grande euforia e felicidade recíproca, mais humano e ecológico do que nunca, afirmando, após apagar as velas do ‘4’ e do ‘6’, que a maior prenda que tinha recebido naquele dia foi o de poder contar com a presença do filho, o que se entende. Fará agora, no próximo dia 12.Abr.2012, oitenta e quatro primaveras, não estivéssemos, nós, na Primavera. 

Terceiro; porque no dia 21.Abr.2012, tudo leva a crer, estaremos em Monte Real, no VII Encontro Nacional da Tabanca Grande, emboscados à volta de uma mesa tendo por pares ilustres ex-combatentes falando de coisas de que ninguém sabe – peripécias vividas na Guiné –, preparados para uma O.E. cujo alvo (objectivo) é o prato cheio de coisas boas, sabendo nós que o inimigo está observando os nossos movimentos: o colesterol. Vão ser, certamente, mais umas quantas e boas emoções. 

Quarto; (agora mais a sério!) porque no dia seguinte ao ENTG – 22.Abr.2012 – completa-se quarenta anos em que o meu GComb, da CART 3494, travou a sua primeira grande batalha na Ponta Coli (Xime). E é devido a esse acontecimento que estamos hoje aqui, em comunhão de experiências e sob outra super emoção, na medida em que procurámos dar corpo, alma e desejo, ao que vivemos, sentimos e respirámos naquele dia inesquecível ou que jamais esqueceremos. 

Quinto; (de última hora) porque, quando alinhavamos as derradeiras letras deste texto, fomos confrontados com uma mensagem electrónica enviada pelo nosso camarada Sousa de Castro, tabanqueiro n.º 2 deste n/ blogue, dando-nos conta do falecimento do ex-Furriel Sousa Pinto, também ele protagonista neste episódio na Ponta Coli. O funeral realizou-se ontem, 02.Abr.2012, para o cemitério de Meadela (Viana do Castelo). Que repouses em paz. 

Posto isto, eis então a narração desse acontecimento na Ponta Coli. Uma história mais para juntar ao espólio da Tabanca Grande, que está cada vez maior.

ERA UMA VEZ UMA ESTRADA, PALCO DE JOGOS DE SOBREVIVÊNCIA 

I – O CASO DA PONTA COLI - XIME 

A decisão há muito que estava tomada. Faltava apenas esperar por uma oportunidade, para tornar público, na primeira pessoa, a descrição dos sons, das imagens e de mais alguns detalhes gravados na nossa memória de longo prazo, antes que as mesmas se apaguem, sobre um tema que justificou já a participação neste blogue de vários tertulianos (vidé: P9446 + P9457), ou seja, o «caso da Ponta Coli - Xime», aproveitando este momento de recordações para a (re)baptizar como o «palco de jogos de sobrevivência». 

E essa oportunidade chegou agora por quatro motivos particulares: 

1 – Por terem passado já quarenta anos (1972-2012) sobre essa data, sendo também, poi isso mesmo, uma ocasião para prestar homenagem póstuma ao nosso camarada Furriel Manuel Rocha Bento, falecido em combate nesse local. 

2 – Pela necessidade de dar conta da minha versão a todos aqueles que viveram este acontecimento, directa ou indirectamente. Este contributo pretende ser apenas mais uma pequena peça do puzzle da CART 3494, e, concomitantemente, uma outra peça do puzzle, naturalmente maior, que é a história do conflito político-militar do C.T.I.Guiné. 

3 – Pelo convite/desafio suscitado pelas dúvidas do camarada CMDT ex-Cap. Artª António José Pereira da Costa (agora Coronel na reserva), na sua MSG de 2009.03.22 publicada no blogue da Companhia, em que manifestou vontade de saber o que se passou em concreto, uma vez que a sua nomeação para liderar a CART 3494 foi causa/efeito dessa emboscada. 

4 – Para transmitir, publicamente, uma palavra de gratidão a todos quantos naquele dia 22.Abr.1972 deram o seu melhor, num contexto que no início nos era francamente desfavorável, superando as adversidades em defesa da vida – das suas e a dos seus semelhantes, camaradas de armas. Não fora essa transcendência singular e os resultados teriam sido bem diferentes, para pior, como poderão constatar pela leitura do ponto seguinte. 

II – O (DES)ENCONTRO DE 22.ABR.1972 – O jogo dos possíveis 

O dia 22 de Abril de 1972 será sempre um dia para recordar, particularmente por todos os ex-militares que constituíram a CART 3494, e em especial por aqueles que viveram, conviveram e sobreviveram ao jogo do “gato e do rato” ou de “escondidas”, como é comum definir-se, no léxico militar, o conceito de “guerrilha”, como foi o caso dos elementos do 4.º GComb (pelotão) – o nosso. 

Se antes, durante a instrução que obedecia a um programa com tempos e ritmos pré-definidos, que era interrompida por cansaço, conflitos surgidos ou por decisões unilaterais, e em que quase tudo tinha um carácter de simulacro e de associação casual de probabilidades, pois o objectivo primeiro era a aquisição de competências sensoriais e motoras, visando ultrapassar possíveis obstáculos surgidos nos diferentes contextos, agora, neste dia 22.Abr.1972, tudo passou, num ápice, do “faz de conta” a uma situação REAL, em que a regra do “jogo” era, então, a eliminação física do opositor ou dos opositores por antecipação e perícia, num cenário que incluía, ainda, a variável designada teoricamente por «Sorte». 

Mas sorte é quando uma coisa boa nos acontece, sem que seja esperada. É habitual afirmar-se também, numa perspectiva de senso comum, que a sorte versus azar andam ligadas ao destino, para quem nele acredita. Trata-se, assim, de uma força invisível contra a qual não há nada a fazer. Segundo essa crença, destino ou fatalidade emergem de um poder divino que está para além do comum dos mortais. 

Com efeito, para nós, à data militares-combatentes cumprindo o superior dever para com … (?), o dia 22.Abr.1972, sábado – dia de Saturno, deus especialmente querido dos Romanos e a que a língua inglesa continua fiel pois chama, ainda, ao seu sábado Saturday – começou com as normais rotinas de cada dia: alvorada, higiene pessoal, pequeno-almoço, preparação para o cumprimento das tarefas e obrigações individuais e colectivas, em função das competências atribuídas anteriormente, que incluíam, entre outras, a preocupação pelo bom funcionamento do armamento e equipamento adequado e outros apetrechos necessários para a missão. 

E umas das tarefas atribuídas diariamente à CART 3494, do BART 3873, era a de garantir a segurança possível em parte do troço que ligava o Xime a Bambadinca, por causa/efeito do tráfego rodoviário que aí ocorria, uma vez que a possibilidade mais exequível para chegar à cidade de Bissau, ou desta ao extremo leste do território – Bafatá, Nova Lamego, Piche, Canquelifá, Galomaro, Xitole, Saltinho, etc. –, só poderia acontecer por via marítima (Rio Geba) em que o Xime, situado na margem esquerda desse rio, era ponto de chegada e de partida de civis e militares, assumindo-se deste modo como local político-militar-económico estratégico por excelência. 

O tempo diário desse controlo acontecia, maioritariamente, no período em que havia claridade (luz do dia), entre as 07:00/07:30 e o regresso após o Sol se pôr (ocaso), ou, em situações excepcionais, até que ficassem concluídas as actividades portuárias. O ponto escolhido para essa segurança ficava situado numa zona compreendida entre a bolanha contígua ao Xime (Taliuará) e Amedalai, sendo esse local designado por Ponta Coli, e onde permaneciam diariamente os militares escalados para essa tarefa/acção/missão, considerada “Rainha” no conjunto de todas as outras. 

Considerando que em situações ditas normativas as Companhia Operacionais eram constituídas por quatro GComb, no caso da CART 3494 só três estavam aquartelados no XIME, na medida em que o 2.º pelotão encontrava-se destacado, em permanência, na Tabanca do Enxalé, esta situada na margem direita do Geba, em frente ao Xime. Daí que o cumprimento desse dever diário era feito de três em três dias por cada GComb, excepto quando a Companhia tinha de efectuar outras acções ou operações que envolvessem a totalidade dos seus elementos.

Naquela data, o grupo escalado para cumprir a acção/missão referida anteriormente era o 4.º pelotão, constituído por vinte elementos, entre sargentos e praças, uma vez que não havia nenhum oficial (ex: alferes) adstrito, no preciso momento em que o nosso calendário registava apenas oitenta dias de efectiva permanência na região. 

Ao efectivo militar sobredito juntava-se sempre um Guia, no caso o Malan, natural da Guiné, e mais dois condutores auto, uma vez que o transporte até ao local da segurança era feito em duas viaturas Unimog. 

Porém, naquele dia, a saída do aquartelamento não aconteceu à hora que era mais ou menos habitual por se terem verificado diversos factos que contribuíram para algum atraso, o último dos quais relacionado com o esquecimento de um rádio emissor/receptor AVP1, que normalmente era levantado no posto de TRMS ou entregue, na parada, pelo militar de serviço nesse posto a um dos furriéis do GComb. 




Estando reunidas, então, as condições de marcha, após uma análise global de todos os procedimentos habituais, saímos rumo ao objectivo previsto (Ponta Coli) eram aproximadamente 08.00 horas. Os vinte e três elementos que constituíam o universo dos militares destacados para a missão, e que seguiam nas duas viaturas, foram distribuídos de forma aleatória, contabilizando-se doze elementos na viatura n.º 1 (a que seguia à frente) e onze na viatura n.º 2 (a que seguia atrás, naturalmente). 


Para além da nossa companheira residual no mato - G3 - na panóplia do armamento constava, ainda, um morteiro 60, uma bazuca e as respectivas granadas de cada de um deles, distribuídas entre todos os militares. 

Após termos percorrido aproximadamente quatro/cinco Kms. a uma velocidade reduzida, em que se respeitou a distância de segurança entre as duas viaturas, e quando no horizonte se avistava já o «ponto X», e as viaturas continuavam a sua marcha cada vez mais lenta, estando quase a parar, eis senão quando tudo passou a ser diferente, estranho, complexo, num quadro de enorme entropia, em suma, um verdadeiro caos.


Tínhamos caído numa emboscada montada por um bi-grupo do PAIGC (de 52 unidades, de acordo com as informações recolhidas mais tarde), iniciada a partir da linha de segurança por nós utilizada habitualmente, esta situada a cerca de sessenta/ setenta metros da estrada, e que viria a ser a primeira experiência do género vivida por elementos da CART 3494

Ao som das primeiras rajadas de “costureirinhas” (kalashnikov) e de rebentamentos de granadas de “RPG7”, que procuravam atingir os alvos que se encontram nos centros das miras dos guerrilheiros, os nossos camaradas lançaram-se das viaturas para o asfalto, e reagiram, ou não, em função da situação em que cada um deles se encontrava, continuando as viaturas a sua marcha, agora desgovernada, rumo à valeta da estrada, servindo estas de refugio nos instantes iniciais para alguns de nós. 

Entre gritos, gemidos e choros, misturados com a utilização de uma linguagem de elevada erudição adquirida na escola da vida e que, naquele cenário, era própria de quem estava em aflição e, sobretudo, em inferioridade física e numérica, havia mortos, alguns feridos, desmaiados e poucos em condições de estabelecer o equilíbrio entre um dos lados da contenda. 

Tendo em consideração a situação adversa e o papel atribuído a cada um de nós enquanto combatentes, e porque me encontrava na posse de todas as capacidades físicas e psicológicas, pois, como vim a verificar mais tarde tinha sido o único ileso da 2.ª viatura, havia que dar resposta na mesma linguagem bélica, utilizando os recursos disponíveis. 

Entretanto, uma nova contrariedade fez engrossar as dificuldades de então, na justa medida em que não nos era possível comunicar com o aquartelamento, dando conta da ocorrência e sinalizando a nossa posição, para uma primeira ajuda que bem precisávamos por parte da artilharia pesada aí existente (obuses) e depois para o reforço de efectivos no terreno, uma vez que o rádio AVP1, aquele equipamento que fez retardar a nossa saída, estava em parte incerta, vindo a ser localizado, mais tarde, junto ao corpo do Furriel Manuel Rocha Bento, já cadáver. 

Aos poucos, ao ritmo de um tempo que parecia não passar, os desmaiados começam a acordar, os feridos tomam consciência de que ainda têm força suficiente para reagirem, e com os cinco ilesos que continuavam activos e operacionais, através dum impulso colectivo vindo das entranhas e de um grito de contra-ataque, contribuímos para anular a terceira tentativa de sermos apanhados à mão por parte dos elementos do PAIGC, que muito porfiaram mas sem sucesso. 

Por outro lado, o nosso sucesso ficou a dever-se justamente ao esforço de todos, mas em particular a um MALAN (guia) que, sangrando abundantemente da cabeça onde existiam pelo menos duas perfurações, como tivemos a oportunidade de observar in loco, empunhava duas G3, uma em cada braço apoiadas pelas suas axilas, e de pé, em plena estrada, despejava carregadores sem cessar. 

Outra situação que contribuiu, também, para a debandada dos guerrilheiros teve a ver com a circunstância dos municiadores de morteiro e de bazuca, após recuperarem a consciência, depois de terem ficado atordoados na sequência do salto das viaturas em andamento, fazerem uso das suas armas a uma cadência de tiro inconstante, mas mesmo assim relevante, uma vez que o desempenho de ambos estava/ficou dependente da localização das suas munições (granadas) que acabaram por ficar dispersas ao longo da estrada, numa frente de cento e vinte metros aproximadamente, dando a ideia de que estávamos fortemente armados.


Passado o tempo de todas as incertezas, que se estima entre quinze a vinte minutos, durante os quais o meio ambiente se alterou profundamente, produzindo novos odores resultantes da combinação de diferentes elementos, de que são exemplos: o capim e restante vegetação, a terra e a pólvora, mesclados com a humidade e o aumento da temperatura externa e interna - a dos nossos corpos -, os corações começaram a bater a um ritmo cardíaco mais aceitável, e a boa notícia, que era possível transmitir a partir daquele momento, era de que a situação militar estava controlada, caminhando para a normalidade, com a chegada dos primeiros apoios externos e, também, por via da fuga do IN. 

O primeiro elemento a chegar junto de nós, foi o nosso CMDT, Cap. Artª. Vítor Manuel Ponte da Silva Marques, que nos perguntou: “então, Araújo, o que se passou …?”, logo secundado por um enfermeiro da Companhia, que não recordo o nome mas tão só o seu rosto, pois era portador de uma mala de primeiros-socorros. Mais apoios foram chegando à medida que iam sendo mobilizados, quer do Xime quer do Batalhão sediado em Bambadinca, para onde foram transportados os feridos mais graves ou aqueles que justificavam maior atenção. 

No final, o balanço da primeira emboscada sofrida pela CART 3494, foi de um morto (Furriel Manuel Rocha Bento), dezassete feridos entre graves e menos graves nos quais estava incluído o Furriel Raul Sousa Pinto, ferido com dezenas de estilhaços espalhados pelo corpo, mas com maior incidência na cabeça, sendo este o segundo de três Furriéis que enquadravam os restantes militares do GComb, e contabilizados apenas cinco ilesos, fazendo eu parte desse reduzido grupo. Este camarada acaba de nos deixar para sempre. O seu funeral realizou-se ontem - 02.Abr.2012. 

Que dizer mais? 

Que viver é sempre uma possibilidade para qualquer ser humano quando não está em ambiente de guerra convencional. Porém, viver num contexto como aquele que esteve na génese desta narrativa, era uma constante incógnita e/ou interrogação que nos ocupava parte do pensamento, em virtude de poderem ocorrer novos encontros/desencontros no mesmo local e à mesma hora, como veio a verificar-se 222 dias depois, em 01.Dez.1972, tendo por protagonistas os elementos do mesmo GComb, ou seja o 4.º pelotão. 

Numa outra oportunidade, relataremos o que ficou da nossa experiência acerca deste novo episódio ocorrido na Estrada Xime-Bambadinca, no local transformado em palco de muitas emoções/tensões, num jogo de sobrevivência impregnado de superações e de transcendências. 

III – CAUSAS/EFEITOS DESTA EMBOSCADA 

No dia seguinte, domingo no calendário solar também conhecido por Juliano, de Júlio César, o militar (general) e político romano, a vigorar desde o ano de 709 de Roma (45 a.C.), a vida dos combatentes da CART 3494 voltou a ter, na sua agenda, uma nova missão de segurança à Ponta Coli, desta feita a cargo do 1.º pelotão. 

Uma primeira causa/efeito do episódio de má memória do dia anterior foi o de ter produzido uma mudança de atitude na estratégia utilizada anteriormente, no trajecto entre o aquartelamento e aquele local, fruto do debate interno levado a cabo pelo grupo de furriéis operacionais da Companhia, do qual fazíamos parte, no sentido de minimizar os riscos pessoais de cada um de nós, sempre muitos expostos no cumprimento dessa acção/ missão diária. 

E o que ficou acordado, a partir de então, foi a alteração das rotinas anteriores, passando cada GComb a ser auto transportado somente até ao limite da bolanha do Xime e o restante trajecto até à Ponta Coli a ser efectuado a pé, com esquemas diferenciados de progressão e distribuição espacial do respectivo efectivo. 

Uma segunda causa/efeito daquele acontecimento foi a diminuição do número de militares operacionais, consequência dos diferentes graus de enfermidade e de inferioridade física provocados pelos ferimentos em cada um deles, levando à evacuação dos casos mais graves para o Hospital Militar de Bissau, onde permaneceram algumas semanas. Como consequência, o 4.º pelotão ficou inoperacional durante algum tempo. No nosso caso, transitámos de imediato para o 1.º pelotão, uma vez que este GComb se encontrava desfalcado de quadros de comando. 

Uma terceira causa/efeito da emboscada foi a distinção, com o «Prémio Governador», de dois elementos do GComb: o soldado Manuel de Sousa Monteiro, natural da Batalha, e o 1.º Cabo Manuel Amorim do Alto, natural de Terroso, Póvoa do Varzim, os quais adquiriram o direito de gozar na Metrópole, como se dizia à época, um mês de férias. Estes militares eram os municiadores do Morteiro 60 e da Bazuca, desconhecendo eu o nome, ou nomes, a quem se deve a iniciativa de propor estas duas distinções. 
   
Uma quarta causa/efeito deste episódio, e que viria a ter grande influência no devir da organização da unidade social designada por CART 3494 foi o facto do nosso primeiro CMDT, Cap. Artª. Vítor Manuel Ponte da Silva Marques, também conhecido nos meios militares por «Salta-me a Cabeça», consequência do uso frequente deste termo, se ter autoexcluído de a ela continuar ligado. No dia imediato assinou a sua própria guia de marcha, com destino aos Serviços de Psiquiatria do Hospital Militar de Bissau, para não mais regressar ao Xime para junto dos seus camaradas milicianos. 

Durante um pouco mais de três meses a CART 3494 deixou de poder contar com o seu líder, vindo este a ser substituído por uma nova liderança a cargo do Cap. Artª. António José Pereira da Costa (agora Coronel na reserva, como foi já referido na nota introdutória), situação verificada no início do mês de Agosto de 1972. 

Este nosso novo CMDT, o segundo, passados apenas meia-dúzia de dias da sua chegada ao Xime, viria a viver, conviver e a sobreviver, tal como nós, a mais um episódio negativo que marcou a história da Companhia, e do Batalhão, este relacionado com o «naufrágio no Rio Geba», ocorrido no dia 10.Ago.1972. Sobre este acontecimento, e noutra oportunidade, darei a conhecer publicamente a minha versão dos factos que, também eles se encontram ainda gravados na minha (nossa) memória. 

Passados aproximadamente três anos sobre o abandono da Companhia por parte do nosso primeiro CMDT, Cap. Vítor Manuel Ponte da Silva Marques, a sua pessoa e o seu nome acabariam por ficar mais uma vez na história, agora da História de Portugal no período pós 25 de Abril de 1974. O seu nome ficará ligado para sempre ao que foi considerada uma tentativa contra-revolucionária de 11.Mar.1975, conforme nos dá conta o Diário da República de 21.Mar.1975, Decreto-Lei n.º 147-D/75, pp. 430 (4:5), assinado pelo General Francisco da Costa Gomes (1914-2001), à data Presidente da República, acto que levou os seus autores a serem expulsos das fileiras das Forças Armadas. 

Face ao fracasso do seu propósito e de mais dezoito oficiais dos três ramos das forças armadas, no qual o General António de Spínola (1910-1996) se assumiu como líder, o Cap. Vítor da Silva Marques, entretanto promovido ao posto de Major (e que já não está entre nós), e o General António de Spínola, que foi governador militar na Guiné, como sabemos, entre 1968 e 1973, acabariam por fugir para Espanha (Badajoz) e depois para o Brasil, a exemplo, aliás, do que acontecera cento e sessenta e sete anos antes (1808) com o exílio do Rei D. João VI. 
     
Chegados ao fim deste episódio, o primeiro menos agradável que consta no nosso currículo de ex-combatente na Guiné, resta-me enviar para todos os meus camaradas «Fantasmas do Xime», ilustre cognome da CART 3494, votos de muita saúde, e que esta história real que agora passei a escrito, e que certamente acompanharam com muita atenção, vos possa dar o ânimo necessário para continuarem a lutar pela vossa sobrevivência. 

Que sejam felizes! 

Um grande abraço para todos, e até … ‘ao meu regresso’, isto é, até à próxima emboscada. 

Jorge Araújo
Ex-Furriel Mil Op Esp/RANGER da CART 3494
____________  
Nota de M.R.:

Vd. poste de apresentação do Jorge Araújo em: 



4 comentários:

Manuel Joaquim disse...

Caro Jorge Araújo:

Para lá da tua descrição de factos tão dramáticos que atingiram o teu pelotão, onde sobressaem a raça e o pundonor da "malta" combatente, tomei nota do seguinte:
i) Com 80 dias de Guiné a CArt.3494 tinha um pelotão sem "nenhum oficial (alferes) adstrito".
ii) Tinha um outro pelotão "desfalcado de quadros de comando".
iii) Tinha um "Salta-me a cabeça" como comandante, o qual se escapuliu ao primeiro contratempo! Deve ter ido para Bissau à procura da cabeça!

Aqui temos mais uma achega para juntar a outras (muitas) do mesmo género. E assim se percebe melhor o fim a que tudo isto levaria caso não tivesse surgido um memorável acontecimento, o "25abril".

Abraço

Anónimo disse...

Camarada
Um ab. e parabéns pela descrição, tão pormenorizada. Há uma correcção a fazer: eu cheguei ao Xime, para comandar a CArt, em 22JUN72 (não me esqueço, pois é o dia dos meus anos)e não em AGO72, como consta na História da Unidade.
Um Ab e falta o resto das histórias da CArt.
António J. P. Costa

José Nascimento disse...

Sou o furriel Nascimento da Cart 2520 que esteve no Xime de Junho/69 a Junho/70. Presto aqui a minha homenagem aos nossos valentes militares que morreram na Ponta Coli. Só de pensar nisso fico arrepiado e até julgo que houve alguma força que nos protegeu nas dezenas de vezes que por lá passámos e nas protecções que nós fizemos para que outros passassem em segurança, sem nenhum mal nos ter acontecido.

Hélder Valério disse...

Caro Jorge Araújo

Gostei bastante de estar a conversar contigo no nosso VII Encontro em Monte Real. Esteve de facto um excelente ambiente e isso proporcionou bons momentos, com o senão de não ter sido possível dedicar o mesmo tempo a todos.
Isto vem a propósito de, como consequência dessa conversa, já ter tido oportunidade de ler em antecipação este relato que penso que pode servir para melhor se conhecer o ambiente vivido.
E isto também porque passei nessa estrada, de Bambadinca para o Xime, em 16 de Abril de 71, e nem tinha consciência de poder haver perigo maior.
É assim, a ignorância às vezes é boa conselheira.
Abraço
Hélder S.