sábado, 24 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9651: Blogoterapia (203): O Meu Pai (Joaquim Mexia Alves)


1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves (ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73), fundador da Tabanca do Centro, com data de 20 de Março de 2012:

Para os meus camarigos
A propósito do dia do pai, partilho convosco este texto.
Um abraço do
JMA


O MEU PAI

O meu pai era um homem alto, forte, uma figura que chamava a atenção, tanto mais que tendo nascido em 1899, não havia muita gente do seu tamanho, naquele tempo.

Se bem me lembro nunca o vi fazer uso desse seu tamanho para impor fosse o que fosse, mas era antes um homem calmo, ponderado, de quem emanava uma forte autoridade, sustentada por um testemunho de vida coerente com tudo aquilo em que acreditava.

Tendo servido cargos de Estado, nunca se serviu deles, (até por eles terá sido prejudicado), tal como nunca foi contra os seus princípios, sendo um homem livre e independente, nunca permitindo que as suas obrigações colocassem em causa a sua coerência de vida.

Não me lembro de o ouvir alguma vez gritar, mas impunha-se pela sua presença e autoridade imanente.

Embora lhe tivesse um enorme respeito, um quase temor reverencial, sempre senti nele, apesar da austeridade de tratamento, um amor forte, profundo, paternal, que me fazia sentir seguro não só no momento, mas também no futuro.

O meu pai “transformava-se” nas festas de família, sobretudo no Natal e na Páscoa.

Parecia-me que nesses dias se aproximava de mim, (“falo” por mim, mas julgo que o que escrevo poderá ser subscrito pelos meus irmãos), se tornava mais perto, mais terno, mais carinhoso, mais pai de amor, embora e sempre educador.

Muitos diriam ou pensariam que com um pai assim, austero e educador intransigente, a minha infância teria sido dura ou menos feliz.

Estão completamente errados, pois tenho saudades imensas da minha infância, da minha adolescência, do meu crescer suportado nos seus ensinamentos, em palavras e testemunho de vida.

Julgo até que seria impossível ter sido mais feliz!

Mas uma das suas características mais marcantes, para mim, era a profundidade da sua Fé!

Ainda a Igreja, (suponho eu), não tinha falado da família como “igreja doméstica”, e já, olhando agora para trás, eu vejo como o meu pai, (sempre com a minha mãe, claro), moldava a sua/nossa família como uma “igreja doméstica”, sobretudo nesses dias de festa religiosa.

Haveria tanta coisa para escrever, para testemunhar sobre o meu pai, que não pararia de escrever e tornaria este texto de tal maneira longo, que perderia o sentido que lhe quero dar: uma homenagem ao meu pai, para lembrando-me dele, novamente aprender com ele a ser pai nestes tempos tão difíceis que a família agora atravessa.

Mas uma coisa não posso deixar de testemunhar, pois é algo que ainda hoje em dia me toca profundamente.

Sendo, como afirmei no inicio, um homem “imponente”, quando entrava numa igreja para rezar, para participar na Eucaristia, tornava-se “pequeno”, como que desaparecia aos olhos dos outros, e durante todo aquele tempo nada o perturbava, numa comunhão intima com Deus, numa profundidade de oração que ainda hoje me toca e gostaria de imitar.

Hoje, apesar da minha idade, sinto falta da sua segurança, sinto falta da sua presença forte e conselheira, mas sei, no íntimo de mim mesmo, que tenho a sua contínua intercessão no Céu, junto de Deus, que foi a sua razão de viver, que foi o “segredo” da família que criou e moldou, de tal modo, que apesar dos tempos que se vivem, a marca de Deus pelo meu pai deixada, contínua viva no coração de todos nós, sua família, até naqueles que não vivem a fé no seu dia-a-dia.

Louvado seja Deus, pelo pai que me deu, pela mãe que me deu, pela família em que me fez crescer, e pela família que colocou nas minhas mãos de pai e avô.

Marinha Grande, 19 de Março de 2012

Nota:

O meu pai e eu.
Fotografia tirada em 1 de Dezembro de 1971, 20 dias antes da minha partida para uma comissão militar na Guiné.

JMA

(In Que É A Verdade?, página do nosso camarada Joaquim Mexia Alves)
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9597: (Ex)citações (177): Relembrando, em Mato Cão, no dia dos meus anos, a presença do então maj art José Faia Pires Correia, oficial de operações do BART 3873 (Bambadinca, 1971/74) (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 23 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9647: Blogoterapia (202): Louvo e peço a benção de quem vela por nós (Ana Paula Ferreira, filha do ex-1º cabo Fernando Ferreira, o cabo 14, da CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió e Cachil, 1964/66)

3 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Camarigo

Falta, muitas vezes, aquele porto de abrigo...
Abração T

manuelmaia disse...

Camarigo,

Felizmente,para mim, ainda posso falar dos meus pais no presente,mas sei,pela minha mulher,o que representa a saudade de os ter visto partir.
Falta o tal porto de abrigo,como diz o Torcato.
Abraço
manuelmaia

Luís Graça disse...

Joaquim:

Estava, depois do almoço, de portátil ligado, no lar onde estão os meus pais, justamente a ler ao meu velhote as palavrinhas que lhe publiquei, no blogue, no dia do pai, e a dar-lhe a ver e ouvir o vídeo com a sua coladera preferida... A "tracolança", como eu lhe chamo, numa soberba interpretação da Cesária Évora... Quis fazê-lo de viva voz, de algum modo ajudando-o a preparar-se (e a preparar-me) para uma morte anunciada... Na nossa cultura, na nossa sociedade, fugimos da morte, como o diabo foge da cruz... Mas ela é tão "natural" (e misteriosa) como o nascimento e a vida... Eu, e a Alice, e os meus filhos, pelo menos, gostaríamos de poder estar de mãos dadas, com ele, nesse minuto em que a vida se apagar... Não gostaria que ele morresse sozinho...

Estava eu nessas cogitações, com o portátil ligado, quando - e antes de o fechar - fui dar uma vista de olhos ao blogue e ler, com agrado e emoção, a bonita homenagem que fizeste ao teu pai Olimpio que teria, se fosse vivo, 112 ou 113 anos.

E de repente dei-me conta que tenho uma pequena dívida de gratidão ao teu pai que não conheci, mas de quem já tinha ouvido falar, com respeito e apreço, por parte de amigos e conhecidos de Leiria, região aonde ia com muita frequência nos últimos 25 anos do século passado...

Uma pequena dívida de gratidão ao pai Olímpio e ao filho Joaquim, que no dia 26 de junho de 2010, em Monte Real, no dia do nosso V Encontro Nacional, me ofereceu carinhosamente quatro livros escritos por Olímpio Duarte Alves,o fundador das Termas de Monte Real:

-Monte Real, no passado e no presente (1955);

- Monte Real, costumes e tradições das terras de Ulmar (1963);

- Os morgados de Ulmar (1970);

- Cancioneiro de Monte Real ou Poesias do Acaso (1971),,,

O Joaquim é como o pai, um homem da palavra e das palavras... Do Joaquim, que o conheço, posso acrescentar que é também um homem de afetos... Um homem grande, de coração grande, como facilmente constatam os seus amigos. E num dos livros escreveu a seguinte dedicatória:

"Para o meu amigo Luís Graça. Estes quatro livros são memória do meu pai. Ofereço-tos como prova de um profundo apreço pelo teu trabalho em prol da união dos combatentes da Guiné e testemunho de amizade verdadeira"...

Chego a Lisboa, e - estranha coincidência - foi surpreendido pela notícia da morte do seu irmão José... Se todos os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são, também podemos dizer o mesmo dos irmãos...

Quero aqui publicamente, na Tabanca Grande que nos irmana, transmitir ao Joaquim e à sua família, o meu sentimento de pesar por este desfecho... E estou certo que serei acompanhado por muitos amigos e camaradas da Guiné que conhecem e estimam o nosso camarigo Joaquim, um elemento sénior e valioso do nosso blogue e o grande "régulo" da Tabanca do Centro...

Se não for antes, será no dia 21 de abril que te levarei, Joaquim, o meu abraço de compaixão e solidariedade pela perda do teu mano. Guardaremos, antes do almoço, 1 minuto de silêncio, pelo desaparecimento do teu mano bem como de camaradas nossos que nos deixaram recentemente... E agora cumpre o teu doloroso dever que é o de acompanhá-lo até à sua última morada nesta terra.

Um Alfa Bravo sentido deste teu camarigo, Luís Graça

Luis