quarta-feira, 7 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9576: O PIFAS, de saudosa memória (8): Homenagem aos atuais profissionais da rádio Armando Carvalhêda, João Paulo Diniz e Faride Magide, evocados aqui pelo nosso saudoso camarada Daniel Matos (1950-2011)

1. Outra referência ao PFA (Pograma das Forças Armadas) (*),  fomos encontrá-la no nosso blogue, na notável série Os Marados de Gadamael, da autoria do nosso saudoso camarada Daniel Matos (1950-2011), ex-Fur Mil da CCaç 3518 (Gadamael, 1972/74) [, foto à esquerda, em Gadamael, 1973] ...

Por ele ficámos a saber (ou confirmámos a informação de) que entre os locutores, militares, do PFA figuravam  o Armando Carvalhêda e o João Paulo Diniz, hoje grandes nomes da rádio... Aqui vão alguns excertos de um dos postes do Daniel Matos que,  em  24 de maio de 1973, vive nas valas de Guidaje, dia e local em que toma conhecimento,  através de um paraquedista da CCP 121,  que Guileje tinha acabado de ser abandonada pela tropa e pela população... (LG). 

2. Vozes da rádio... nas valas de Guidaje, 24 de maio de 1973 (**)
por Daniel Matos (1950-2011)


(...) O nosso cabo artilheiro vasculha dentro da mala que tem deitada debaixo da cama, saca de um transistor do meio da roupa e das cartas, confirma se já está tudo acordado e põe o rádio a tocar. Escutam-se sons de kora (espécie de harpa mandinga, mas cujo formato é mais parecido com uma viola), depois ngumbé, ritmo nacional guineense, mas não deve ser tocado pelo grupo Cobiana Djazz, impedido de actuar na UDIB de Bissau e cujo vocalista, – José Carlos Schwarz [, 1949-1977,], o Zeca Afonso da Guiné – estará ainda na prisão de Djiu di Galinha – a Ilha das Galinhas, onde se situa a espécie de Tarrafal guineense, o Campo de Trabalho no arquipélago dos Bijagós (...).


 Não sei que raio de língua ou dialecto fala o locutor que entre os temas musicais pronuncia uma algaraviada de coisas esquisitas para os nossos ouvidos. O que escuto na telefonia do artilheiro virá da Emissora Nacional (**) ou de postos de rádio dos países mais próximos (ouvimos com maior ou menor dificuldades emissões de onda média do Senegal, Gâmbia, Mali, Guiné/Conacry, Serra Leoa).

Quanto a música africana, as emissões nacionais transmitem sons guineenses, de preferência instrumentais. Vocalmente, um ou outro tema do grupo Voz da Guiné. De Cabo Verde, sobretudo Bana e Luís de Morais, e também os angolanos Duo Ouro Negro e Lili Tchiumba.


A Rádio Libertação − A Voz do PAIGC, Força, Luz e Guia do Nosso Povo, tem os seus noticiários e passa músicas muito variadas (cheguei a ouvir música portuguesa que é proibida em Portugal).




O popularíssimo PIFAS, a mascote do PFA, o programa de rádio das Forças Armadas, aqui completo, de microfone em punho e gravador na mão... O PFA era da responsabilidade do Serviço de Radiodifusão e Imprensa da Repacap (Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológico) do  Com-Chefe, a que estiveram ligados militares como Otelo Saraiva de Carvalho e Ramalho Eanes. (A Repacaq é uma das repartições inovadoras do QG, juntamente com  a RepOp - Repartição das Populações, criadas por Spínola).


Imagem enviada, no Natal de 2010,  pelo nosso camarada José Romão (ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 16, Bachile, 1971/73).



E há o PFA [, Programa das Forças Armadas], umas quantas horas por dia, com espaços que procuram distrair a tropa, mas muito distintos entre si. (****)


Por vezes chega a ser imbecilizante um programa produzido pelo “casal Primeiro Dias e Senhora Tenente”. Havia de tudo, desde espaços de entretenimento inteligente, com o Armando Carvalheda (nosso artilheiro em Gadamael que, felizmente para ele, viria a mudar de ramo e a trocar o obus pelo microfone) – ainda hoje um profissionalão de rádio e uma das vozes mais influentes da RDP/Antena 1, onde é o principal divulgador da música popular portuguesa no seu palco da rádio, ao vivo, todas as semanas.


Também João Paulo Diniz (que regressado à metrópole passou, penso que a pedido de Otelo, que o conheceria de Bissau, o tema E Depois do Adeus, primeiro sinal radiofónico antes da senha Grândola Vila Morena).

E outros nomes que, de tanto os ouvirmos, ficaram na nossa memória: Faride Magide, julgo que técnico de som que terá estado anos depois em Coimbra, na RDP; e também censores políticos que eram militares, e que faziam os cortes mais absurdos em programas enviados pelas unidades que estavam no mato. Ainda se os cortes fossem originados pela má qualidade do som (eram gravações geralmente efectuadas em cassettes domésticas) compreender-se-ia! Mas não, era censura política pura e dura, às locuções e à música que se incluía nesses programas.

Isso sucedeu connosco, gravámos um belo dum programa no meu quarto em Bafatá (meu, e dos furriéis José Alberto Ferreira Durão, mecânico-auto, e Hélder Pereira Calvão, – o nosso ranger, isto é, de operações especiais). Quando ouvimos a transmissão do nosso programa Frequência 3-5-1-8 (participaram também o fur mil de transmissões Domingos Gomes Pinto, o fur mil  de minas e armadilhas Ângelo Silva e o fur  mil atirador António Guerreiro), no lugar do fado de Coimbra cantado por José Bernardino apareceu uma doce canção dos Beatles, o poema O Rico e o Pobre (altamente subversivo, declamado entusiasticamente pelo homem de transmissões José Elias Gomes de Oliveira), também foi à vida!, saiu tudo alterado, segundo apurámos, por um zeloso guardador do regime, um tal Madeira.

E pensar que à testa do PFA estava o capitão miliciano José Manuel Barroso, ligado ao Comércio do Funchal, jornal que, apesar de dar vivas ao marxismo-leninismo-maoísmo (para achincalhar a CDE - Comissão Democrática Eleitoral - em período dito pré-eleitoral), aparecia nas bancas como sendo de oposição ao regime (o capitão Manuel de Sousa recebia-o algumas vezes e eu permutava com ele o 'meu' Notícias da Amadora, O Mundo da Canção e, às vezes, outros recortes de notícias que os meus amigos Acácio Vicente e Fernando Simões me mandavam).

Embora nesta altura não se registe a presença incómoda de muitos mosquitos, nem as noites se carreguem de frígido cacimbo, pernoitar ao relento não é pêra doce nenhuma. Todavia, o sono só nos verga pelo cansaço. Fumar no escuro é arriscadíssimo (só com mil cuidados para evitar que o morrão do cigarro se veja de longe) e nem uma gota de álcool temos para nos aquecer o corpo e a alma. Resultado: tagarela-se, de preferência baixíssimo, para que ninguém nos oiça para lá do cotovelo seguinte da vala.  (...)

Como se sabia que o nosso poiso de origem tinha sido Gadamael, um pára-quedista quis saber se já tínhamos notícias de Guileje. Não tínhamos, claro. Novidades só trazidas de fora! Sem se aperceber que a história ainda desmoralizaria mais qualquer Marado, informou que quartel e aldeia de Guileje tinham sido abandonados e que toda a gente (cerca de duzentos militares e mais de meio milhar de civis) estava agora refugiada em Gadamael, que terá ficado a rebentar pelas costuras!



O pessoal ouve com incredulidade. Será também esta a nossa sorte ? (...)


Daniel Matos 
_________________


Notas do editor:

(*) Vd. último poste da série > 7 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9574: O PIFAS, de saudosa memória (7): Quando a malta do SPM dava música... e o Armando Carvalheda e o Carlos Fernandes eram locutores... (Hélder Sousa, Armando Pires, António Carvalho)

(**) Excerto (com título do editor), retirado do poste de 14 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6154: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (8): Os dias da batalha de Guidaje, 24, 25 e 26 de Maio de 1973

(***) O PFA era emitido a partir de Nhacra, a 25 Km de Bissau, onde se situava o emissor regional da Guiné,  que integrava a rede da Emissora Nacional de Radiodifusão.

Recorde-se que em 1969, no governo do Marcelo Caetano, e sendo ministro do Ultramar, Silva Cunha, foi integrada, na Emissora Nacional de Radiodifusão, a até então chamada Emissora Oficial da Guiné Portuguesa, pelo Decreto-Lei nº 49084, de 16 de junho de 1969. Segundo o art. 2º daquele diploma legal, passava a competir " à Emissora Nacional de Radiodifusão, através do Emissor Regional da Guiné, assegurar todo o serviço de radiodifusão indispensável à satisfação das necessidades da província e à salvaguarda e defesa dos interesses nacionais, substituindo, em matéria de radiodifusão, a actividade até agora exercida pela Emissora Oficial da Guiné Portuguesa, anteriormente designada por Emissora Provincial da Guiné Portuguesa" (art. 2º).

Em Abril de 1972, aquando da visita do ministro do Ultramar, Silva Cunha, foi inaugurado o novo centro emissor de Nhacra, capaz de fazer frente às "potentes emissoras de Dakar e Conakry, onde a propaganda do PAIGC ocupa lugar proeminente - em tempo de emissão" (...).

Nesse ano de 72, e segundo informação do nosso camarada Eduardo Campos (, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74), Nhacra e o centro emissor terão sido flagelados duas vezes: "(...) fomos informados que Nhacra e o Centro Emissor foram flagelados pelo IN duas vezes: a primeira ao tempo da CCAÇ 3326, em Maio de 1972, por um grupo equipado com armas automáticas e RPG-2 e 7, e a segunda em Agosto de 1972, utilizando também um canhão s/r. Em ambos os casos sem qualquer consequência material ou pessoal para as NT".
 
(****) A Repacap (Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica), em 1971, emitiu um total de 2372 horas de emissão, utilizando os emissores de ondas curtas e médias da Emissora Oficial da Guiné Portuguesa. Mais de 46% desse tempo foi destinado ao PFA (Programa das Forças Armadas). Os restantes foram destinados aos chamados PNL (programas em línguas nativas: crioulo, balanta, fula, mandinga, manjaco, sosso...), além dos progrmas para o exterior, em francês,  destinado às populações do Senegal e da Guiné-Conacri.

 O PFA fazia,  nesse ano, uma emissão diária de 3 horas (1095h no total anual). Presumimos que o tempo de emissão tenha aumentado  depois da entrada em funcionamento do novo emissor, mais potente, de Nhacra, em Abril de 1972.

Fonte: 


Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Relatório de Comando, Secreto, 1971. Citado por Francisco Proença de Garcia - Os movimentos independentistas, o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974). [ Em linha] Capítulo IV - O independentismo e o poder português em confronto. [Consultado em 6 de março de 2012] Disponível em:  http://triplov.com/miguel_garcia/guine/cap4_autoridades_portug.htm .

6 comentários:

Anónimo disse...

Estive com o João Paulo Diniz no PIFAS, várias vezes a cantar com o meu Amigo Luis Bettencourt...Continuo ligado por laços de muita amizade a estes dois camaradas de guerra...
Abraço

Jorge Ganhão

Luís Graça disse...

Já aqui falámos em ti, camarada Jorge Ganhão (e não Canhão, é outro Jorge, esse, tabanqueiro)... Tens aqui um lugar, se assim o entenderes, à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande....

Vejo, pelo teu currículo, que...


(i) nasceste há 58 anos em Santiago do Cacém.

(ii) fundaste grupos de baile locais, dos quais se destacam "os Eklas " e o "Compacto", este último, com um percurso único no panorama musical, de quase todo o Alentejo;

(iii) na Guiné, continuaste o teu caminho pela música, tendo como parceiros o baterista Vilas Boas, o músico/cantor Dany Silva, Victor Barros e outros;

e por aí fora...

Parabéns pela tua página

http://jorgeganhao.blogs.sapo.pt/1557.html

Anónimo disse...

Às tantas da madrugada conseguia apanhar a Rádio Globo em onda curta, onde me deliciava com os relatos de futebol..."brama shopii na jógada", "banheiiiira", "entrou na meia cancha, passou chutou...é goooool", "mandou a minina a bejár o véu da noiva", "o minino vestido de luto é ceguinhoooo".

O"pifas"apanhava-se muito mal de dia,em Gadamael, e que me desculpem os camaradas locutores , não estava muito interessado em ouvir.
Ouvia ainda a BBC,Voz da América,Rádio Moscovo,a "Maria Turra", claro, e todas as rádios das redondezas em Francês.
No dia 25 de abril 74,sete da manhã,ouvia a BBC,..golpe de estado em Portugal..."General Spainoula"..blá..blá..soube a essa hora.
Um alfa bravo

C.Martins

Luís Graça disse...

Camaradas (os/as):

Respondam lá à sondagem(zita) no prazo de seis dias...

Com que regularidade ouviam, no vosso tempo, o tal programa de rádio, o PIFAS, de que a malta dos anos 70 tanto fala...

Assinalem só uma das seguintes hipóteses de resposta:

(i) Todos ou quase todos os dias

(ii) Pelo menos uma vez por semana

(iii) Quando podia

(iv) Só muito esporadicamente

(v) Não me interessava

(vi) No mato era difícil sintonizá-lo

(vii) Não tinha aparelho de rádio

(viii) No meu tempo não existia o PFA


Obrigado. Os editores

Anónimo disse...

A tabanca dos melros possui no seu espolio um exemplar do Pifas.

Um abraço
Vasco Ferreira

Luís Graça disse...

Numa bonita e singela homenagem que fez a um camarada da CCAÇ 3520 (Cacine e Cameconde, 1971/74), o "Vicente, Piu", que a morte tinha precocemente levado, o Daniel recorda os tempos em que ambos fizeram parte do conjunto musical do CISM de Tavira...

Escreveu o Daniel: (...) "No que concerne ao pop-rock as nossas preferências coincidiram muitas vezes: ambos ouvíamos muita música (da que chegava pelas ondas hertezianas, mas sobretudo da que possuíamos em cassettes gravadas); e acompanhávamos a imprensa especializada desses anos, como o Musicalíssimo ou o Mundo da Canção, de que fui assinante do primeiro ao último número; e ambos conhecíamos pormenores das novidades divulgadas pela Rock & Folk, que à data nem sempre chegavam às discotecas portuguesas"...

Vd. poste de 22 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6211: In memoriam (40): Pequena Homenagem ao Piu, da CCaç 3520/Cacine (Daniel Matos)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2010/04/guine-6374-p6211-in-memoriam-40-pequena.html


Mais uma vez uma referência à revista MC - Mundo da Canção, que fez parte da formação intelectual, musical, cívica e até política do Daniel de Matos e de outros jovens da nossa geração... Sei que era lida na Guiné...

Recorde-se que o MC – Mundo da Canção tinha sido lançado em finais de 1969, tendo como fundador e editor Avelino Tavares. Tinha (e tem) a sua sede no Porto. Tiragem inicial: 4 500 exemplares. Chegou a ter tiragens da ordem das três dezenas de milhar.

Não é apenas um caso de longevidade...Desta revista se disse o seguinte, no seu 36º aniversário:

(...) “Percursor da imprensa musical escrita em Portugal, divulgador incansável das tradições musicais dos quatro cantos do mundo e de cantautores portugueses e estrangeiros socialmente correctos (contudo, politicamente incorrectos), o MC – Mundo da Canção acaba de comemorar 36 anos de existência. Apesar de terem nascido em 1969, não descobriram o caminho para a lua, mas contribuíram decisivamente para que as palavras abertura, diversidade, curiosidade, entrassem no nosso léxico”.

Fonte:

http://cronicasdaterra.com/cronicas/2006/04/07/os-36-anos-do-mc-mundo-da-cancao/