quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9249: À margem da história oficial ou oficiosa (1): Revolta, em Guidaje, da martirizada CCAÇ 19 (Manuel Marinho, 1ª C/BCAÇ 4512; José Martins, CCAÇ 5)


Guidaje > Maio de 1973 >A caminho de Guidaje, os comandos da 38ª CCmds deparam-se com um espectáculo macabro... Cadávares de combatentes das NT e do IN abandonados, na sequência da batalha de Guidaje... Nesta imagem, brutal embora de má qualidade, vê-se dois  cadáveres de elementos das NT (provavelmente da CCAÇ 19), perto da bolanha do Cufeu.


 Foto: © Amílcar Mendes (2006). Todos os direitos reservados




1. Comentário, com data de 18 do corrente, ao poste P6612 (*),

A história aqui contada tem alguma falta de informação.

Era eu o comandante da Companhia [, a 1ª C/BCAÇ 4512,] e tinha vindo a Lisboa. Quando cheguei, e regressei, a 27 de Julho [de 1974], deparei-me com uma situação explosiva.


Estive cercado com os meus alferes e furriéis durante dois dias. Até que os soldados da CCaç [19] me deram um prazo para falarem com um capitão dos Comandos Africanos. Se isso não acontecesse até às 15 horas, eles fuzilar-me-iam na parada.

Chegou um helicóptero às 13h, com um capitão dos Comandos Africanos. Se bem me lembro, era o Cap Sisseco, acompanhado de um Major do Estado Maior.

Os soldados africanos, quando souberam que tinham que sair em Agosto [de 1974], não aceitaram e acharam que nós tinhamos sido uns traidores. Depois da minha ida a Bissau, chamado pelo Comandante Chefe [Brigadeiro] Fabião, conseguiu-se que eles recebessem o pré até fins de Dezembro. 


2. Comentário de José Marcelino Martins, nosso colaborador permanente (*):




O autor do comentário efectuado às 12h03 esqueceu-se de se identificar. No entanto, pelo texto deduzo ser o Capitão Miliciano de Infantaria Francisco da Silva Oliveira. Era bom confirmar esta informação. 



O Capitão Sisseco... seria o Ten Graduado Comando Adriano Sisseco, que foi um dos comandantes da 2ª CCmds Africanos ?!


Quanto aos pagamentos a efectuar aos militares africanos... estavam consignados no artigo 24º do Anexo ao Acordo de Argel, assinado em 26 de Agosto de 1974. Previa-se o pagamento do pré [dos militares africanos] até ao final do ano de 1974. 


Porém, não foi nesta data que o mesmo foi acordado. Teria de vir de reuniões anteriores, uma vez que, na CCaç 5 (Canjadude), desactivada em 24 de Agosto (antes da assinatura do Acordo), o Comandante na altura pagou esses valores aos seus subordinados africanos, tendo para tal de deslocar-se a Bissau o seu 1º Sargento para proceder ao levantamento da verba necessária e proceder ao transporte da mesma.


Renovo que os meus votos de que o subscritor do comentário a que me refiro, além de se identificar, nos faculte mais elementos sobre este período que não está muito documentado "oficialmente".


Também me permito convidá-lo para integrar esta Tabanca, onde todos partilhamos as nossas memórias daquela terra que "odiámos" e, posteriormente, a adoptamos como nossa.

3. Comentário do editor:

Segundo informação adicional do J.M., este Cap Oliveira comandava a 1º CCAÇ do BCAÇ 4512/72. A CCaç 19, presume ele, era comandada na altura pelo Cap Mil Inf António Eduardo Gouveia Carvalho. A CCAÇ 19 foi extinta em Agosto de 1974, como todas as demais companhias africanas.



É contra as normas do nosso blogue aceitarmos comentários anónimos e, menos ainda, darmos visibilidade (e legitimidade), através de um poste, ao anonimato. Abrimos aqui uma exceção, dada o excecional interesse do testemunho, lacónico, mas seguramente autêntico, do comandante da 1ª C/BCAÇ 4512/72. São histórias "à margem da história oficial ou oficiosa". Ora, precisamos de interrogar o silêncio dos arquivos da história da guerra colonial. E já não temos muito tempo para recolher testemunhos dos protagonistas dos acontecimentos.


Reforço o convite do meu camarada José Martins (também ele um homem que lidou, tal como eu, com soldados do recrutamento local) para que o ex-Cap Mil Inf Francisco da Silva Oliveira se junte a este já numeroso grupo de camaradas da Guiné quie lutam para que a memória não se apague


 Boa saúde e longa para o nosso camarada Oliveira. Saudações natalícias.


_________________ 


Nota do editor:

(*) Vd. poste de 18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6612: Estórias avulsas (89): Guidaje em revolta após Abril (Manuel Marinho)



(...) Manuel Marinho (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), dá-nos conta de um momento de tensão em Guidaje, já depois do 25 de Abril, resolvido à custa do regresso da sua Unidade ao local onde jamais pensariam voltar (...)


(...)  Em finais de Julho, (ou princípios de Agosto) recebemos ordens para levantar novamente o armamento, para fazer face a uma insubordinação que acontecia em Guidaje, onde o nosso Gr Comb estava como que refém dos camaradas africanos que estavam relutantes na entrega do seu armamento, face à falta de garantias mínimas que não existiam para eles.


A apreensão tomou conta de nosso pessoal que de imediato quis saber em que consistia a nossa ida a Guidaje, e a nossa recusa terminante em tomarmos alguma medida que pusesse em causa camaradas nossos, o pessoal militar africano de Guidaje [ a CCAÇ 19,]teria que resolver o problema já que nada poderíamos fazer, e em nada contribuíramos para a situação criada.


A operação consistia em se utilizar os meios necessários incluindo a força (confrontação armada?) para que os revoltosos entregassem as suas armas a fim de permitir a entrega pacífica do aquartelamento ao PAIGC.


Na fronteira do Senegal estavam forças do PAIGC, atentas ao evoluir da situação, e a pressionar com a sua presença os revoltosos. Lá seguimos mais uma vez para Guidaje, novamente armados e a querer parecer que os ecos de Abril ali não tinham chegado, a minha HK-21 voltou às minhas mãos depois de me ter “despedido” dela, parecia que o “divórcio” amigável não se queria consumar.


Avançamos pela estrada que tinha sido construída e durante a deslocação fomos confrontados com uma viatura militar vinda de Guidaje com dois soldados africanos (Comandos?), a ordem era para não deixar passar ninguém, mas depois da paragem da viatura e de breve diálogo, nada questionaram e voltaram para trás.


Estávamos assim numa situação que além de perigosa, não deixava de ser bizarra e irónica, a “alinhar” com o PAIGC para desarmar camaradas africanos que tinham combatido a nosso lado.


Ao entrarmos no quartel, somos rodeados de Milícias e Militares da CCaç 19 que nos insultam e nos culpam pela situação existente, chamando-nos f… da p… e traidores entre outros “mimos”, e muito exaltados,  culpando-nos da situação existente.


Antes de lá irmos já nos tinham alertado para a calma que teríamos de ter para resolver a questão e levar a bom termo com a máxima persuasão possível a questão da entrega do armamento por parte das forças de Guidaje, embora a tensão existente não fosse a mais favorável.


Embora o conhecimento mútuo das nossas Ccaç  pudesse ajudar, foi complicado e teve que haver muito discernimento, e muitas conversas isoladas com este e aquele mais exaltado, já no interior do quartel, e evitando qualquer sinal de animosidade.


Entre as nossas 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512 e a CCAÇ 19, apenas havia ocorrido um episódio menos agradável entre Grupos de Combate de ambos os lados em Binta depois de uma coluna, mas tinha sido um caso pontual, embora tenso para ambos os lados.


É evidente que não se vislumbrava o PAIGC embora eles já tivessem tido encontros bilaterais com a  CCAÇ 19, pelo menos a nível superior, mas alguma coisa tinha corrido mal, e nós teríamos de ajudar a sanar o problema, agora era connosco, era caso para citar o velho ditado, 'quem vier atrás que feche a porta'. (...)


Não sei o que foi tratado a nível superior, mas a deposição das armas,  por parte da tropa africana existente em Guidaje, foi conseguida, mas fiquei sempre com a triste imagem dum camarada africano perfeitamente fora de si olhando para nós e gritando-nos na cara que éramos traidores. (...)

7 comentários:

Luís Dias disse...

Caro Manuel Marinho

Para além do facto de, após terem sido quase "desmobilizados" em Bissau, voltarem a "aparelharem-se" para enfrentarem um conflito muito estranho entre forças que combatiam do mesmo lado e o terem de enfrentar uma CCAÇ africana que, cara a cara, os chamam de traidores! Não pode ter sido fácil e compreendo a dor que muitos terão sentido e até a "vergonha" da situação que lhes foi criada. Aqueles africanos foram colocados no lado errado dos ventos da história, repentinamente, sem lhes terem sido assegurados os direitos que a honra de serem militares portugueses, lhes devia conferir.
Um abraço.
Luís Dias

Antº Rosinha disse...

Penso que só na Guiné houve esta vergonha para os comandantes portugueses, e comandantes e dirigentes do PAIGC.

O povo da Guiné não merecia ter que viver com este pesadelo do crime que se seguiu e que era preciso acautelar pelas duas partes.

Cumprimentos
E era fácil evitar, pelo menos para o PAIGC, que durante vários anos foram "senhores de tudo" sem contestação.

Em Caboverde, militares do exercito português de origem caboverdeana foram absorvidos pelo PAIGC de Caboverde, vem nos jornais,

Em Luanda, o MPLA aprovou tudo o que soubesse dar ao gatilho.

Como em Moçambique a guerra continuou ainda uns anos, talvez tenha havido serviço para tudo que fizesse fogo.

Não quer dizer que em Angola e Moçambique ténha havido melhor fim.

Anónimo disse...

Caros camaradas:

Hoje ao visitar o blogue, para ver as novidades, qual é o meu espanto ao deparar com um texto meu republicado a propósito de Guidaje, texto esse motivado por um comentário anónimo de quem se suspeita ser o ex-cap da 1ª / Bcaç 4512, ao qual eu pertenci.
Fiquei confuso, acreditem, então agora o texto é republicado por aparecer supostamente um ex-possivel cmdt da minha Ccaç?
Agora o texto tem valor histórico e antes não teve?
Qual o critério?

“A história aqui contada tem alguma falta de informação”.

Este título do comentário, deixou-me tranquilo, pois não põe em dúvida o que escrevi na altura, aliás ainda carrega mais o tormento, as datas condizem, enfim tudo isso me deixa em paz com o que escrevi sobre os “festejos” antecipados que tem nome e já escrevi sobre eles.
Depois camaradas fico mesmo feliz por ter ajudado alguém que andava desaparecido a testemunhar aqui no blogue, se é quem é, se não for….
Depois acentua-se a minha dúvida, e se meu texto não correspondesse ao do sr – possivel cmdt?
A palavra de um cmdt tem mais força? Eu até fui só 1ºCabo….
Por estas e por outras tenho sido crítico nas apreciações que faço ao blogue, mas estou sempre a respeitar todos os camaradas que fazem parte dele, é claro?
Já agora camaradas estou a refazer um trabalho sobre Guidaje já tem cerca de 90 páginas, relatórios, mensagens, etc.
Mais haverá a dizer sobre Guidaje, mas fico a aguardar notícias do anónimo.
Um Feliz Natal para todos vós
Abraços
Manuel Marinho

Anónimo disse...


Caros camaradas

Este apontamento era muito mais longo, mas vou reduzir ao essencial para que fique apenas como um desabafo, e aqui como comentário a este texto que escrevi, que poderá não estar totalmente completo, mas o essencial está cá escrito.

Não ficaria de bem comigo, se não dissesse o que me vai na alma, depois de visionar o penúltimo episódio da série “A GUERRA”, (nº 41) transmitido no dia 1 de Maio, fiquei perplexo e a tentar perceber as atitudes do ex. Capitão António Gouveia Carvalho, que à data do 25 – Abril74, comandava a Ccaç 19 de Guidaje.

Do que entendi, o então Capitão Gouveia, já tinha instruções clandestinas, para preparar a desistência das NT na guerra, mas houve posteriormente implicações que convém não ignorar, sob pena de estarmos a falar dos aspectos acessórios e esquecer o essencial.

O respectivo depoimento, choca-me apenas pelas implicações que poderiam advir da atitude (que não foi isolada), de militares que deveriam ter acautelado os homens que comandavam, e não o fizeram.

Percebo que o não ter estado em Guidaje, quando aquilo “aqueceu”, ajuda a perceber estas atitudes, mas para mim não as entendo, são feitios.

Mas quando o Capitão Gouveia para lá vai, estava tudo muito mais calmo, ou não?

Não havia necessidade de ir tão longe, até porque estavam camaradas nossos enterrados no aquartelamento de Guidaje, e sem querer ser virtuoso, isso deveria ter pesado na consciência de quem comandava.

Parece obvio que estes exemplos explicam o que se passou na Guiné no pós-Abril, onde muitos dos que deveriam ter assegurado o normal funcionamento da entrega do novo país ao PAIGC., se acotovelaram para vir sob qualquer pretexto até cá a Portugal, onde os militares na altura eram uns heróis.

As declarações do ex-Capitão Gouveia Carvalho, apenas confirmam que a sua iniciativa de aproximação (palavras suas), com o PAIGC a negociar a desistência da guerra, poderiam ter causado sérios dissabores às NT.

Na data que alude 4MAI74 (para o PAIGC, pela voz do seu responsável, Leopoldo Alfama (Duky Djassi) foi antes do 25ABRIL74), se foi assim ainda é pior, havia muita actividade operacional na zona, designadamente a construção da estrada
Binta – Guidaje, onde a minha 1ª Ccaç, e a 1ª/ Bcaç 4516, faziam protecção aos trabalhos da Eng.ª, nessa altura já muito perto do Cufeu, mas sem licença ainda para desistir.

Anónimo disse...

Continua….

Parece irreal o que ouvi, negociar as idas para o mato com o PAIGC para não se atacarem mutuamente?


Eu e os meus camaradas estávamos sujeitos a intensa actividade operacional por essa data, e em Guidaje já havia tácitos acordos de cessar-fogo….

Saberá por acaso o que representaria uma emboscada no trajecto do Cufeu para Binta?

Sim porque aí éramos nós que montávamos segurança à picada para as colunas.

Será que nós também estávamos incluídos no “acordo”, celebrado pelo Capitão Gouveia com o PAIGC?

Saberá também que íamos (GrComb da minha Ccaç) muitas vezes para lá do Cufeu fazer patrulhamentos?

Se eu fosse ingénuo, hoje passados 40 anos, agradecia por ter negociado a não agressão!

Mas não! Repudio todas as atitudes que irresponsavelmente foram tomadas, nessa altura

E o ex-Capitão Carvalho Gouveia, quando se refere a ter estado quase a ser fuzilado, é aí que nós para lá vamos, mesmo até por termos alguns camaradas nossos lá no aquartelamento a assegurar a manutenção do aquartelamento até à sua entrega.

Que houve promessas feitas aos nossos camaradas africanos de Guidaje e que não foram cumpridas é um facto, depois houve as consequências para eles já de todos nós conhecidos.

E desde lhe já faço um apelo, é preciso contar o que aconteceu em JUL74, existe apenas a minha versão já contada neste blogue, e com defeitos pelos vistos…

Sinto-me orgulhoso por o responsável “Duky Djassi”, não ter mencionado Binta, ele lá sabe porquê, e eu desconfio que também sei.

Que cada um tire as suas conclusões, eu apenas comento o depoimento dum ex. militar que era apenas e só o CMDT da Ccaç 19, tropa africana que veio posteriormente a sofrer consequências bem pesadas.

Por último, como é evidente, não pretendo julgar ninguém, apenas e só encontrar as respostas para muita asneira que eu e os meus camaradas da 1ª /Bcaç 4512, sofremos de quem comandava a todos os níveis, pela minha parte se estiver errado nas apreciações que faço, serei o primeiro a pedir desculpas, mas foi o que eu vivi no TO da Guiné.

Faço votos para que o ex – Capitão Gouveia Carvalho, escreva sobre o que realmente se passou nesse período, eu ficar-lhe-ia muito grato

Um abraço para todos
Manuel Marinho


Anónimo disse...

Enfim Manuel Marinho, tudo bons rapazes essa gente que nos Des(comandou)e jogou com as vidas, nossas e dos infelizes que foram entregues pelos novos Judas.

Simoa disse...

Caro camarada Marinho,

Compreende-se e percebe-se o teor do teu comentário...

Saudação amiga,
José Pechorro