terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9194: Tabanca Grande (310): Luís Gonçalves Vaz, professor, filho do Cor CEM Henrique Vaz (1922-2001)



Guiné > Arquélago dos Bijagós > 1974 > Luís Vaz na pista da Ilha de Bubaque




Foto: © Luís Gonçalves Vaz (2011). Todos os direitos reservados




1. Mensagem de Luís Gonçalves Vaz, com data de ontem, respondendo ao nosso convite para integrar a Tabanca Grande (*)


Caro Luís Graça:


É com muita satisfação e "alegria interior" que li as palavras que me dirigiu... Penso que as "pesou bem" antes de mas dirigir, e revelou também ser uma pessoa que conhece "muito da natureza humana", pois percebeu a verdadeira razão dos meus artigos para o "Nosso Blogue"... a verdadeira essência, nada mais simples do que homenagear e perpetuar a memória do meu falecido Pai, entre nós, sua família, bem como entre os amigos e os ex-combatentes nesse teatro de operações [, Guiné, 1973/74,].

Os Barcelenses, esses, o irão poder lembrar, lendo o Dicionário de "lustres Barcelenses" que em Junho próximo irá ser publicado.


Quanto ao convite que me faz, a resposta é SIM, e pode-me listar no seu Blogue, como colaborador "Luís Gonçalves Vaz". 

A "estória" que brevemente lhe irei enviar é sobre o "ataque ao edifício da Pide" em Bissau, penso que em 27 ou 28 de Abril [de 1974]... Fugi do Liceu Honório, com alguns colegas guineenses (mais velhos que eu) e eu era o único branco, além dos paraquedistas que cercaram a área, a assistir a este acontecimento na recente História da Guiné... Brevemente enviarei o artigo, meu caro Luís Graça.

Falando de mim, a saber: sou professor de Matemática e Ciências da Natureza numa escola aqui na zona de Braga, com formação académica em Biologia e Geologia (Ainda não fui à Lourinhã ver as pegadas de Dinossauros...). 


A minha Guerra foi na EPC [, Escola Prática de Cavalaria,] em Santarém, onde estive no 2º Curso de Milicianos do ano de 1983, e onde passei 18 longos meses como um operacional... Claro tinha de me relacionar com "prisioneiros de guerra",  isso mesmo que está a pensar. Fui Furriel Miliciano da PE (Polícia do Exército) e transportei centenas de presos entre a prisão de Lisboa e o presídio militar de Santarém. Levei também muitos à Polícia Judiciária Militar em Belém, realizei segurança às altas individualidades Militares e Civis no Exercício Militar "Órion 84", já que o QG das Operações era na EPC e o Teatro de Operações foi no Campo Militar de Santa Margarida, etc.

Ainda convivi e fiz serviço com o Capitão Salgueiro Maia em 1984 (na altura tenente-coronel ou major, vindo dos Açores). Tive o privilégio de ser recebido no meu 1º dia de tropa na EPC pelo na altura capitão Abrantes, que era o mesmo "Tenente Abrantes" que o meu pai fala nas suas notas (adjunto do Brigadeiro, Comandante do CTIG). Convivi com outros oficiais de Cavalaria e ex-combatentes, nomeadamente o já falecido Major Caetano: foi o meu professor nas aulas de "Tácticas de Guerrilha" no Curso de Milicianos (no EIQC da Escola Prática de Cavalaria) e que nos apresentou os filmes de emboscadas no teatro da Guiné. 

Este último oficial entrou em várias operações no TO da Guiné para tentar recuperar áreas "libertadas" pelo PAIGC. Morreu no ido ano de 1984 no rio Tejo, quando praticava caça aos patos (fui eu que levei os Sapadores da EPC para iniciar buscas do seu corpo na zona do Tejo em Alpiarça).

Adorei esses 18 meses de "grande paz", mas fui formado por oficiais e sargentos "que fizeram" a guerra colonial, mas com muita actividade e emoções.

Hoje em dia sou professor, estudo uma Alcateia de Lobos na Serra da Peneda e escrevo pequenas Biografias de outros meus antepassados ou parentes militares.

Por hoje já chega de falar de mim...

Um forte abraço.

Luís Gonçalves Vaz



2. Comentário de L.G.:


Luís, um das nossas regras de ouro, no blogue, é o tratamento por tu, "entre camaradas"... E por camaradas entende-se aqueles que "dormiram" - etimologicamente e fisicamente falando -  na mesma cama (do latim, camerate), na mesma caserna, no mesmo abrigo, no mesmo buraco, no mesmo bunker, no mesmo Bu...rako,  na mesma morança, por detrás do mesmo bagabaga ou do mesmo poilão... O conceito é mais vasto do que o simples operacional... Na Guiné, no "mato", éramos todos combatentes, do simples auxiliar de cozinheiro, básico, até ao comandante operacional, em geral, comandante de companhia... Mas também os oficiais superiores, nas sedes de batalhão, estavam sujeitos a "apanhar com elas"... Mais raro era a participação, apeada,  de oficiais superiores em operações no mato. No meu tempo, o Gen Spínola dava o exemplo, indo cumprimentar-nos por vezes nos sítios mais insólitos e até perigosos...


Outra das nossas regras de ouro é... considerar que "os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são"... Em  todo o caso, eles pertencem à categoria dos amigos da Guiné, e também já são algumas dezenas. Neste caso, o tratamento por tu é faculatativo.


O mais importante é, hoje, juntos, partilharmos memórias e afetos, valorizando sobretudo o que nos une mas sem ignorar ou escamotear aquilo que nos pode separar, e que também nos enriquece enquanto comunidade virtual... Costumamos dizer também, por graça, que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!  E que é debaixo de um mítico, mágico, centenário, gigantesco, protetor, solidário e fraterno poilão - como aqueles que existiam no nosso tempo nas tabancas da Guiné - que nos sentamos hoje, à sua sombra, sem divisas nem galões, sem heróis nem vilões, contando as nossas histórias, mostrando os nossos álbuns fotográficos, trazendo mais uma peça para a reconstituição/reconstrução do "puzzle" da nossa memória... As nossas motivações podem ser as mais diversas, mas  há um elemento comun, o dever de memória, a camaradagem, a obrigação (moral) de transmitirmos vivências e valores à geração seguinte, etc.


Dito isto, meu caro Luís, és o tabanqueiro nº 530. Bem vindo a bordo! LG


PS - Na Lourinhã, de que sou natural, terei muito gosto em proporcionar-te uma visita guiada ao nosso Museu, conhecido nacional e internacionalmente pelas suas valiosíssimas colecções de fósseis de dinossauros (incluindo ovos) do Jurássico Superior... Sou sócio e já fui presidente, durante vários anos,  da assembleia geral da associação que é a proprietária e a gestora do museu... As famosas pegadas de dinossauro (o maior trilho do mundo), a que te referes,  ficam perto, mas mais a norte, já no distrito de Leiria, no Parque Natural das Serras d'Aire e Candeeiros, na antiga "pedreira do Galinha", abrangendo os concelhos de Ourém e Torres Novas... Lourinhã é o último concelho do distrito de Lisboa...

_________________

Notas do editor:

(*)  Convite ao LGV. enviado ontem:

Meu caro Luís:

Você já deu mais contributos para a preservação e divulgação da nossa memória na Guiné do que muitos ex-combatentes... Você é um dos nossos, e nessa medida a sua presença na nossa Tabanca Grande (a nossa comunidade virtual, constituída por cerca de 530 "amigos e camaradas da Guiné") só nos pode honrar e orgulhar... Reitero, pois, o meu convite para ingressar neste blogue coletivo e "autorizar" que o seu nome seja acrescentado à nossa lista alfabética... Como quer ser "listado" ? Luís Vaz, Luís Gonçalves Vaz ? 

Já conhece os nossos 10 mandamentos... De resto, pacíficos. Somos um blogue de paz e tolerância... Aqui só não entra a nossa atualidade, nem as questões do domínio da política, da religião e do futebol... Partilhamos memórias e afetos à volta da Guiné do tempo em que estivemos a fazer a guerra e a constrtuir a paz... Já vi que a sua família é minhota, eu também sou casado com uma nortenha e tenho casa no Marco de Canaveses... Gosto muito das "gentes do norte", pese embora as minhas raízes "sulistas", ou melhor, "estremenhas"...

Gostaria de ter uma pequena história sua, do tempo em que passou em Bissau..., muito possivelmente, já adolescente, e com os seus manos e pais. Se quiser, fale-me também um pouco mais de si para eu o poder apresentar ao nosso Batalhão... Dou-lhe os parabéns pela sua demonstração de amor filial. 

9 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Bem vindo a bordo

ASb T.

José Marcelino Martins disse...

Caro Luis Vaz

Bem vindo ao grupo, batalhão ou esquadrão, conforme a arma, já que falo de Exército.

A vossa geração saberá ocupar o nosso lugar, na defesa dos valores que formaram a nossa geração e as que nos antecederam.

A nossa História merece e precisa de ser contada sem substerfugios, para que a verdade seja a VERDADE.

José Marcelino Martins disse...

Caro Luis Vaz

Bem vindo ao grupo, batalhão ou esquadrão, conforme a arma, já que falo de Exército.

A vossa geração saberá ocupar o nosso lugar, na defesa dos valores que formaram a nossa geração e as que nos antecederam.

A nossa História merece e precisa de ser contada sem substerfugios, para que a verdade seja a VERDADE.

https://cart3494guine.blogspot.com/ disse...

Bem vindo à grande Tabanca! Aqui podes dissecar todas as memórias para que a nossa "Estória" fique mais completa e verdadeira. Quero dizer também, que me sinto lisongeado pela tua entrada na Tabanca, conforme troca de E-mails entre o "presidente" Luís Graça, Luís Vaz e eu próprio.
Sousa de Castro

De: Luís Graça [mailto:luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com]
Enviada: terça-feira, 6 de Dezembro de 2011 10:37
Para: Sousa de Castro
Cc: Carlos Esteves Vinhal
Assunto: Fwd: [Luís Graça & Camaradas da Guiné] Novo comentário sobre Guiné 63/74 - P9136: Troca dos últimos prisioneiro....

Caro amigo Luís Vaz,
Reencaminho esta MSG do responsável pelo blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné do qual faço parte desde a primeira hora, reforçando o convite para a entrada e participação neste mundo de estórias sobre a guerra colonial da Guiné. Conforme o editor do blogue Luís Graça diz, cito: ‘O blogue está aberto aos filhos dos nossos camaradas, que nossos filhos são’, assim sendo não me importo de apadrinhar a sua entrada. A inscrição tem um custo simbólico, basta para o efeito, uma estória e uma foto sua, mas também uma de seu pai, para assim compartilhar com todos os ex. combatentes.

Saudações bloguísticas,
Sousa de Castro


Meu querido amigo e camarada: Queria que fosses tu, o tabanqueiro nº 2, a "apadrinhar" a entrada do Luis Vaz... Já o convidei. O blogue está aberto aos filhos dos nossos camaradas, que nossos filhos são... Reforça o meu convite. Manda-me uma foto dele... E as pencas do Natal já estão boas ? Abração. Luis

Luís Graça disse...

Meu caro tabanqueiro nº 2, Sousa de Castro: Foi lapso não ter mencionado o facto de seres, tu, efetivamente, o "padrinho" do agora tabanqueiro nº 530, Luís Gonçalves Vaz... Aqui fica reparada a injustiça. Tome-se boa nota, para a "pequena história" da Tabanca Grande. LG

Anónimo disse...

Caro LGV
Se a memória não me falha, a fuga do Liceu Honório Barreto foi logo no dia 26. Nesse dia fugi mais um colega em direcção à Câmara Municipal (onde a minha mãe trabalhava) escoltado pelo meu pai. Lembro-me depois de chegar a casa (uma rua por trás da messe de sargentos páraquedistas, corpo a que o meu pai pertencia) e de haver buracos de balas visíveis em alguns sítios. Foi também esse o dia das primeiras manifestações com o slogan "Vivó Spínola" e da quebra e pilhagem de montras. No dia 27 faltou já na nossa turma um colega (o Martinho) cujo pai era agente da DGS. Pelo que se comentou na altura penso que quando o pai foi preso a família foi junto (não foi presa mas acompanhou-o).
Um Abraço
Nuno Rodrigues

Luís Gonçalves Vaz disse...

Olá Nuno.

O que conta é muito familiar!!! será que fomos colegas? eu também tinha um colega que faltou no dia seguinte.... não me lembro se era o "Martinho"! sei que era de Sº Tomé e filho de um elemento da DGS, sei pelo meu pai, (na altura Chefe do Estado-Maior do CTIG) que foram reunido todos os Pides com as respectivas famílias no CUMERÉ (centro de instrução perto de Bissau)... Tinha 13 anos e frequentava o antigo 3º ano do liceu, o Honório Barreto? Aguardo uma resposta meu caro Nuno! outra coisa, na data de 26 de Abril não houve libertação de presos... só em 27 ou 28!!! brevemente enviarei essa "Estória", mas fiquei a saber que mais colegas, fugiram do Liceu, para "Viverem na 1ª pessoa tais momentos Históricos"!

Forte Abraço:
Luís Gonçalves Vaz
(Tabanqueiro nº530)

Anónimo disse...

Caro LGV

Às vezes a memória prega-nos partidas e reconstroi ela mesmo os eventos. Tinha para mim que a confusão havia começado logo a 26, mas pode muito bem ter levado mais um dia ou dois.

Tivemos necessariamente de ser colegas, pelo menos de Liceu (de turma já era pedir muito, mas não sei quantas turmas havia do 3º ano). No ano lectivo de 73/74 frequentava o 3º ano dos Liceus no Liceu Nacional Honório Barreto, em Bissau, mas tinha 12 anos (nessa altura andava um ano "desfasado"). Ainda por cá tenho, algures, a caderneta do Liceu se quisermos aferir a turma. A nossa sala ficava em baixo, com janelas para a rua (acho que todas tinham), mas já não sei identificar qual delas era, sei que não era logo a primeira. Dessa turma reencontrei cá dois colegas, um dos quais ainda contacto diariamente.

Na manhã do "estouro" (aquilo pareceu um estouro de pânico da manada) nunca percebemos o que lhe deu origem. Só me lembro do pânico irracional e da fuga subsequente, da malta a saltar aquele portão, liso e altíssimo, como se tivesse asas, só para depois voltar para trás porque, mais à frente, estavam uns miúdos ao pé do campo da bola a atirar pedras. Mais tarde apareceu no largo do Liceu, penso que era a P.M., em jipes e com megafones a mandar evacuar as ruas. Foi nessa altura que o meu pai apareceu a pé, não sei de onde, e lá fugimos atrás dele direito à Câmara Municipal (atrás não será o termo correcto, quem ficou para trás foi o meu pai). Também me lembro de na altura dizerem que o pessoal da DGS estava detido no Cumeré com as famílias.

Fico a aguardar a "Estória" com expectativa.

Um abraço
Nuno Rodrigues

Luís Gonçalves Vaz disse...

Meu caro ex-colega Nuno Rodrigues:

É cada vez mais "nítido" que fomos colegas da mesma turma no Liceu Honório Barreto!!! basta que me confirme que o nosso colega "Martinho" era ou não natural de S. Tomé? Pois se me confirmar, era o mesmo colega que nós no dia 28 de Abril sentimos falta e ficamos a saber estava "retido" no Cumeré com a família para a sua segurança e da sua família ... (lembro-me de ver várias "perseguições" a informadores da PIDE ... e no fim entregavam-nos à Polícia Militar...). Gostei da sua Estória, conte outras neste blog. Sobre o episódio do "Cerco da Pide" que presenciei, já está publicado em http://cart3494guine.blogspot.com/2012/01/p1-25-de-abril-de-1974-na-guine-na.html
Pois não sei se o Editor Chefe (Luís Graça) irá publicar aqui a minha História?

Forte Abraço:

Luís Gonçalves Vaz