domingo, 9 de outubro de 2011

Guiné 63/74 – P8878: Memórias de Gabú (José Saúde) (9): Batuque em Gabú e na Messe de Sargentos


1.   O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem, dando seguimento ao desfilar das suas recordações.

BATUQUE EM GABÚ E NA MESSE DE SARGENTOS

  NOITE DE DESCONTRAÇÃO

O som do batuque deliciava-me! Noite de batuque era noite de ronco na tabanca. A população, numa correria louca, desfazia-se em contactos e os nativos, faustosos, marcavam presença no local do estrondo. O tocador, ou tocadores, bem cedo diziam presente. As bajudas, sempre destemidas, envergavam indumentárias garridas e davam cor ao espectáculo. Os rapazes, com vestes compridas, impunham a sua condição de machos negros e as pomposas donzelas esculpiam os seus rabos ao toque do tambor.

Ao lado, homens e mulheres já entrosados com a idade, agitavam-se com os estrondos vindos dos instrumentos das mãos dos tocadores. Os corpos do pessoal do batuque desenhavam figurinos encantadores. Descalças e descalços o pessoal da tabanca obsequiava com humildade os convivas. Paulatinamente os corpos joviais, alguns divinais, iniciavam o processo da destilação. Um processo que não colocava senãos a gentes que por teimosia ousavam desafiar o calor da noite. Os cheiros não importavam!

Recordo as minhas saídas nocturnas na companhia de outros camaradas a caminho de Gabú para ouvirmos e vermos ao vivo as maravilhas de um batuque das gentes guineenses. Em noite de luar era mais fácil a aproximação “à manga de ronco”. A pequena multidão, em círculo, facturava momentos ímpares de incontidos prazeres.

O toque do batuque generalizou-se, também, a nível dos quartéis. Era comum os militares terem nas suas instalações os respectivos tambores. Numa noite de plena descontracção a rapaziada juntou-se e toca a batucar. Nesta perspectiva um grupo de tocadores improvisados brindou a malta da messe de sargentos em Gabú com os melodiosos sons oriundos de caixas feitas pelos ilustres mestres negros.

A receptividade da iniciativa mereceu honras dos camaradas que a seguir, e à nossa volta, se predispuseram para ofertar refrescantes bebidas aos tocadores. Numa noite de batuque, e sem danças ondulantes, uma cuba livre foi divinal!

 Tocadores acertaram as “mãos” nos instrumentos e os camaradas… gostaram!
Um abraço a todos os camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

5 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 – P8862: Memórias de Gabú (José Saúde) (8): Guiné em tempo de paz: Visita a Madina Mandinga

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro camarigo José Saúde

Este teu artigo fez-me recordar e sentir o que se passou comigo quando estive em Piche.

Ainda em dezembro de 70 ou já em Janeiro de 71 houve também lá pela Tabanca uns dias (vários...) em que o batuque começava cedo e prolongava-se, prolongava-se, prolongava-se...

Se calhar não era assim, a memória hoje é que faz recordar desse modo, mas na verdade era verdade que se começava a ouvir, depois aquilo talvez estivesse já quase a incomodar, mas depois, estranhamente, ou talvez não, dei por mim a caminhar ou a bombolear ao ritmo da música e a achar aquilo cada vez mais agradável.

Não me recordo se também houve a tentação de 'tamborilar' mas tenho a ideia que sim, acho quase inevitável.

Já agora, aproveito para enfatizar o 'miolo' do comentário que o Cherno fez ao José num artigo anterior, em que refere que transparece dos textos e memórias do José uma paz interior, uma serenidade, próprias de quem está bem consigo mesmo e com o seu semelhante. Acho o mesmo!

Abraço
Hélder S.