segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8767: O que se comprava em Bissau com o patacão da guerra? Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa... ou eram "proibitivos" (3) (Augusto Silva Santos / Hélder Sousa / Juvenal Amado / Luís Borrega / Luís Dias / Rui Santos)



Uma carta de condução "paga" com o patacão da guerra...

Foto: © Augusto Silva Santos (2011). Todos os direitos reservados



1. Mensagem, com data de ontem, do Agusto Silva Santos, relacionado com o último poste aqui publicado (*):


Olá Luís, boa tarde!


Ainda falando sobre o que se comprava na Guiné, nomeadamente em Bissau, com o patacão da guerra, lembrei-me que recentemente ao ter necessidade de renovar a minha carta de condução, fui descobrir no meio de muitas coisas que tenho arquivadas (algumas relíquias), um documento datado de 07-12-1973, relacionado precisamente com este tema.


Estando eu colocado em Brá, portanto muito perto de Bissau, e a muito pouco tempo de acabar a comissão e do desejado regresso à metrópole (o que efetivamente aconteceu em 22-12-1973), resolvi investir o patacão que me restava para tirar a carta de condução.
O documento,  em anexo, foi aquele que me permitiu, aqui chegado, fazer a troca para a carta como então a conhecíamos.


Ainda tentei encontrar o documento (fatura/recibo) sobre o que então paguei (seria interessante), mas já não sei onde ele pára. Passados quase 40 anos, sinceramente também já não me recordo da quantia, mas tenho noção que não foi muito se comparado com o que teria de pagar aqui.


O que eu posso dizer, é que naquela altura o patacão da guerra me deu imenso jeito.
Por certo esta situação foi também comum a muitos dos nossos camaradas, ou seja, aproveitar para tirar a a carta de condução na Guiné.  Era o aproveitar do tempo e do dinheiro para alguma coisa útil.


Se achares interessante,  p.f. edita.


Um Abraço
Augusto Silva Santos


2. Seleção de comentários  ao postes P8766 (*) e P8764 (**)


2.1. Hélder Valério Sousa [, foto à esquerda, ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72]
Realmente, dos polos ou camisetas já não me lembrava, mas é verdade que também comprei pelo menos uma Fred Perry. Quanto aos relógios havia quem gostasse mais dos Ómega e dos Tissot (comprei um destes na casa Salgado & Tomé, dum tio do então Cap Cav  Mário Tomé).

Das bebidas, o Zé Martins lembrou o Dimple de que depois vi fazerem-se muitos candeeiros com aplicação de abajur nas garrafas vazias.

Das estatuetas que o Magalhães Ribeiro mostra,  também tenho algumas em madeira preta. E trabalhos (roncos) com missangas. E pulseiras.

Quando regressei também lá vim com serviços de chá e de café do chamado "bago de arroz".

Uma outra coisa que carreguei e que já tinha trazido de Piche,  foram duas peles de cobra que foram destinadas a sapatos.

2.2.  Luís Borrega [, foto à direita, ex-Fur Mil Cav e MA da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72]

Eu, em Bissau, quando lá estive por ocasião de férias (2 vezes), a aguardar embarque para o CIM de Bolama para dar instrução de Minas e Armadilhas, e aguardar o regresso, passei pelo Taufik Saad, e comprei uma OLYMPUS Trip 35 , na 1ª vez, (onde tirei muitos slides e que continua a funcionar), um relógio YEMA Rally, um rádio relógio SHARP (só funciona a parte do rádio), além de imensos roncos chineses para oferecer. E lá se foi o último patacão...

PS – Lembro-me que foi comprado na Casa YEMA em Bissau.

2.3. Juvenal Amado [, foto à esquerda, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74]
Eu ganhava 960 pesos por ser 1º cabo e já com prémio de viatura. Se não estou em erro,  era obrigado a deixar parte na Metrópole, com o que paguei a minha viagem em Outubro de 1972. O resto mal dava para o tabaco e ir uma ou duas vezes a Bafatá.

Por isso roncos, máquinas fotográficas e aparelhagens de som... KÁ TEM.

2.4. Luís Dias [, foto à direita, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74]


Na verdade, na Guiné comprávamos muitos objetos que não tínhamos oportunidade de adquirir na metrópole, nomeadamente aos preços que lá se praticavam.

Tenho também estatuetas do tipo que o Eduardo apresenta  na foto (trouxe montes delas, para distribuir pela família), machadinhas (símbolo da fertilidade - uma macho e outra fêmea), espadas e punhais fulas, anéis e alfinetes de peito ou para colar trabalhados em prata (Bafatá) e colares e pulseiras em missangas.

Em matéria de bebidas,  tínhamos a Coca cola (Coke), que na metrópole não existia - só aquela que refere o José Marcelino Martins - e os Whisquies para todos os gostos e preços (Monks, President, Dimple, Logan, Martins, Balentines, Something Special, Antiquary, Old Parr, etc.).

Como o Helder Valério também trouxe uma pele de jiboia, já curtida mas, mesmo assim, acabou por se estragar ao fim de alguns meses.

Saudosos tempos para esse tipo de compras.


2.5. Rui Santos [, foto à direita, ex-Alf Mil da 4.ª CCAÇ, Bedanda, 1963/65]

Embora em 1963/64/65 não houvesse muitas ofertas dos produtos já mencionados, afora os whiskies, as máquinas fotográficas, binóculos, máquinas de filmar, em especial vendidas, se não me engano, na Casa Tauffik Saad perto da Amura.

Tenho um serviço de café,  irmão gémeo do que o Edurado nos mostra em suas excelentes fotos, duas máscaras e dois bustos em madeira negra, e aquelas peças de artesanato que adquiri em Bedanda,  feitos do material dos invólucros das balas, por sinal alguns muito mal executados, mas tinha dois muito bonitos que ofereci a amigos, quando cheguei à metrópole.

Há que não esquecer aqueles produtos que vinham da África do Sul, belos chocolates, leite creme e enlatados diversos, muito superiores aos nossos... à época.

Muito obrigado por me terem feito recordar...

[Revisão / fixação de texto, em conformidade com o Novo Acordo Ortográfico]: L.G.

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Notas do editor:

7 comentários:

Mário Beja Santos disse...

Meus caros confrades, convém também distinguir entre o proibitivo e proibido. Proibitivos eram igualmente os Christofle, os vidros de Murano, as louças Rosenthal, que se podiam adquirir na Taufik Saad. Pinto da Fraça, foi embaixador na Guiné-Bissau, em 1977, e contou no seu livro "Tempo de Inocência", de que já aqui se fez recensão, que as lojas do Bissau Velho eram autênticas cavernas de Ali Babá, as posições pautais, durante a guerra, permitiram que estes produtos aparecessem mais facilmente nas "províncias ultramarinas" que na Europa. Proibidos eram os livros que podíamos comprar no café Bento, pois que a censura não tinha preocupações com a Guiné: desde as actas do Congresso Democrático de Aveiro até aos livros de Roger Garaudy tudo ali se podia comprar, mesmo ao lado da revista Flama. E canção de protesto e intervenção? Havia de tudo, desde o Zeca Afonso até ao Adriano Correia de Oliveira. Mesmo em Bafatá, como escrevi nos meus livros, se comprava o último grito da música clássica: dois discos de vinilo com a ópera Carmen, última gravação operática da Callas, custaram-me 400 escudos. Enfim, contradições e errâncias que até nos deram muito jeito. Um abraço do Mário

Antº Rosinha disse...

As cartas de condução obtidas na Guiné Bissau pós independência, tinham as mesmas normas portuguesas durante vários anos, e como eram válidas em Portugal, motivou várias viagens aéreas /Lisboa/Bissau/Lisboa, em que se chegava a Bissau na segunda feira desencartado, e regressava-se encartado com todas as cartas na sexta-feira.

Até que...parece que se arranjou maneira de parar com a pouca vergonha.

P.S. A maior injustiça da qualquer guerra, é um soldado raso e um capitão ou sargento, expostos às mesmas balas, nessa hora terem um poder de compra diferenciado.

JOSÉ NUNES disse...

Os vestigios são poucos,um relógio YEMA,um serviço de café,outro de chá,com a dita japonesa no fundo,das camisas de Macau e dos polos já foram,umas almofadas pintadas com motivos japoneses ,uma velha máquina fotográfica que ainda faz fotos.
Muitos litros de liquidos vários,muita ostra e camarão,o quarto em Bissau,a diária no Restaurante da Natália,o pagamento da viagem de regresso na TAP.
Como tecnico trabalhei muito para a sociedade civil,STEIA,CM Bissau,o pré não dava para ter estas mordomias.

Rogerio Cardoso disse...

Cartas de condução, nos anos 64 eram assim, claro para quem não estava em Bissau. Havia na citada cidade, um escritório chamado Procuradaria Geral, que encarregava-se de tratar das cartas, incluindo o exame. Nessa altura o custo, incluindo o transporte aéreo, para cada mancebo era de 900.00 esc., que incluia todas as cartas, excepto transportes publicos, preço para grupos de pelo menos 15 a 20. O sujeito, natural da Guiné, passava todos mesmo quem não sabia conduzir, e nem era necessária estar presente. O facilitismo era tal, que ele começou a ser investigado, chegando os responsáveis da provincia á conclusão que era elemento do PAIGC, e como tal foi dentro e o departamento encerrado. A corrida á troca da carta na metrópole foi grande, alguns conseguiram, outros mais atrasados ficaram pendurados.
Rogerio Cardoso
Cart643-AGUIAS NEGRAS

augusto.d.s.santos@gmail.com disse...

De: Augusto Silva Santos
Camaradas. Há cartas e "cartas". Até acredito que no tempo de alguns de vocês, tirar a carta de condução na Guiné, fosse extremamente fácil (que houvesse algum facilitismo), mas o que eu vos posso garantir é que no meu caso concreto as coisas não se passaram assim. Lembro-me de ter aulas de condução durante 3 meses (duas vezes por semana) num VW "carocha", pois já tinha alguma prática, e que as mesmas me foram ministradas por um instrutor devidamente encartado para o efeito (por sinal era um sargento da marinha), e que o meu exame de condução e de código foi supervisionado por um Engº da DGV (não me lembro se era assim que se chamava na altura) que de tempos a tempos vinha à Guiné. Sei que fiz o exame em Out.73 e ao documento em questão só tive acesso em Dez.73. Que o patacão da guerra deu jeito, deu sim senhor! . . .

José Marcelino Martins disse...

Não sei onde acaba a realidade e começa a ficção.

Mas que "ouvi dizer que", em Nova Lamego se faziam exames de "condução via telefone", ouvi...

Eram "efectuados" na estação dos CTT, junto do Batalhão - estava instalado em vários edifícios desde 1961 - e o aluno estava "acompanhado" pelo instrutor que, verbaltelefonicamente "atestava" a aptidão do examinando.

Como disse, ouvi dizer, mas ....

Anónimo disse...

E QUÊ...
Para mim o "patacão" da guerra foi aquele que ganhei com mais sacrifício,sangue ,suor e lágrimas..foi bem merecido.
Comi cobras, macacos, e outras coisas que nem cheguei a saber o que eram.
Passei fome e sede.
Fui carimbado com aço quente... Muitas vezes vi a minha vida, a qualquer momento, a poder ir desta...para não sei onde..pura sorte..muita sorte..
"Patacão" de guerra !!! eu acho que ganhávamos todos muito mal.. devíamos ter feito greve.. mas como..se não tínhamos sindicato para a poder convocar..ah é verdade..na tropa isso não existe.. e até o regime político não era lá muito ..como dizer.. não estava para aí virado..pois.
Eu tinha uns patacos cá, mas caros camaradas...foi-se todo em pouco tempo.. comprei um austin 1300 gt, em segunda mão claro,com 2 carburadores, mamava gasolina ..que não vos conto..
"Patacão" de guerra...puff.
Ah em Bissau comprei um serviço de chá chinês para oferecer à minha Mãe.. só que ela disse que era falso...coisas da vida...não era como agora...que tudo o que se compra nas lojas chinesas, é, como toda a gente sabe, de grande qualidade e não é de contrafacção.

C.Martins