sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8727: Blogpoesia (159): O Mar que nos levou (Juvenal Amado)

1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 10 de Agosto de 2011:

Carlos, Luís, Briote, Magalhães, e demais membros da Tabanca Grande
O mar teve sempre em mim um efeito maravilhoso.
Vivendo eu perto da Nazaré e S.Martinho tive uma cultura e tempos livres ligados ao mar e suas gentes. Recordo-me quando criança ouvir o mar violento castigar o areal, enquanto as mulheres dos pescadores choravam e imploram pelos homens que o enfrentavam todos os dias.

Dia que não fossem ao mar era dia de fome para eles e filhos. O salva-vidas era uma enorme barcaça a remos em que voluntários, se atiravam contras as ondas que o punham na vertical tal era a violência.

Os pescadores embarcavam volta das 3 horas da manhã e rendiam assim na faina do mar os seus camaradas que já lá tinham estado 24 horas. A Nazaré antes da construção do porto de abrigo era uma praia maravilhosa, mas onde o mar era repentino e traiçoeiro. Raro era o ano em que ele não cobrava em imposto várias vidas.

Termos como o mar está um cão ou chão, sítios como a pedra do Guilhin e o Poço das Viúvas ficaram para sempre na minha memória pelas piores razões.
Mas nós estivemos sempre ligados ao mar e se agora estamos a passar um mau bocado foi porque se calhar lhe viramos as costas.

Um abraço
Juvenal Amado

Nazaré > Farol e Pedra de Guilhin

Praia da Nazaré

Lisboa, 18DEZ71 > Embarque para a Guiné


O Mar

O Mar nos levou
Nos embalou
Cavalgamos nas suas ondas
Encontramos novos horizontes
O mar salgou as nossas lágrimas
Cobriu de negro as mulheres
Transportou dádivas
Trouxe notícias e riquezas
Boas e más novas
Palavras de redenção e paz
Bem e o mal
Levou na sua espuma milenar
Ânsias de grandeza
Levou aventureiros
Redenção de expatriados
Proscritos ou desenganados
Sobre as suas ondas o êxtase da superação
Qual canto de encantado de sereias
Conhecemos a grandeza e as misérias
Tocamos o Céu e descemos aos infernos
Heroísmos e amores
Estupro e ignomínia
Levou sonhos e vidas
Os nossos verdes anos
Tudo o Mar nos deu
Tudo o Mar nos levou
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8658: (Ex)citações (146): Guidaje - 1973, um comentário e algumas interrogações (José Manuel Pechorro / Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 24 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8705: Blogpoesia (158): Na festa dos mortos, o olvidos dos combatentes... (Luís Graça)

7 comentários:

manuelmaia disse...

Juvenal,

Mais uma vez surges com muita qualidade,e desta feita cantando o mar...

o mar de Régio e Pessoa,do país que há por lisboa, o mar pão,o mar cão, assassino traiçoeiro,zombeteiro, que impõe o às mulheres o pez, que vestiram certa vez, até que a morte as reclame...
mar maldito,mar infame,mas também mui generoso,mar amigo,mar bondoso, mar sereno de acalmia, na cheirosa maresia, mar revolto,do diabo que há ali solto...
mar sedutor, de sereias canto/amor, de baleias e moreias, de tubarões e cações,de sardinhas e toninhas, das mil naus e caravelas,co`a cruz de Cristo nas velas... mar português, perdido que foi já de vez...

abraço
manuelmaia

Luís Dias disse...

Caro Juvenal

O Mar nos levou, o Mar nos trouxe. Levou-nos para a guerra e nós fomos daqueles que o Mar trouxe de regresso. Outros, infelizmente, não voltaram e se voltaram foi, como diz a canção, numa caixa de pinho.
É este jeito bem português de olhar o mar e navegar. Navegar e partir. Partir como quem não pensa em regressar, mas a saudade, a saudade que se eleva bem cá de dentro, vira o assunto do avesso e manda-nos voltar.
Que sorte temos de poder morrer porque já vimos o Mar!
Um abraço do tamanho das tabancas de Galomaro
Luís Dias

Anónimo disse...

Parabéns Juvenal!

Apetece ir atrás do tema, mas, vou só um bocadinho: posso?

Fascinante o mar!

O mar imenso, tentador, mar de dor e de lamentos, mar que ausenta, que atormenta, mar azul, largo e sem fim... mar de mim!
Mar que leva e que trás, mar capaz de dar o pão, buscado em ondas revoltas, mar às voltas com as vidas atrevidas, de quem temerariamente o enfrenta!
Mar de morte!
Mar de vida!
Mar de Peniche/de Sesimbra
Mar de Sines que deu Gama
Mar... de toda a Costa Alentejana...
Mar do Sul!
Mar do Norte!
Mar de uma vez!
Mar sem fim!
Tentador!
Que desafia a coragem dos audazes,
daqueles que são capazes de ir por ele...mais além!
Eu, por mim, fico aqui bem,
A olhá-lo em terra firme, temerosa da beleza, dessa cor que se agiganta, onde navegam cidades... Sempre jovem...
Sem idade!

Um Abraço

Felismina Costa

Joaquim Mexia Alves disse...

O que dizer, se não e apenas, parabéns Juvenal.

Fala-te o coração e soltas a tua alma Portuguesa ligada ao mar.

E eu insisto:
Para quando pensar numa "coletânea" dos pemas já publicados aqui na Tabanca Grande?

Grande e camarigo abraço

Hélder Valério disse...

Caro camarigo Juvenal Amado

Acho muito conseguida esta ligação que conseguiste fazer entre o mar e o nosso destino... o passado, mais longínquo, o mais recente que nos levou a nós, à nossa geração, à 'aventura africana' e o futuro...

As imagens que colocaste da Nazaré e sua praia, 'praia do povo' ribatejano mas não só, fizeram-me lembrar a juventude. Já não faço praia na Nazaré desde 1971.

Palermices. Saí da guerra, cortei com o passado. E o passado era a Nazaré. Estive lá em 1970 quando estava no Porto e consegui obter uns dias de licença através da leitura atenta e escrupulosa de alguns artigos do RDM e depois em 1971 quando vim de férias da Guiné pela primeira vez.
Já 'passei' por lá mais algumas vezes, poucas, mas 'estar' lá isso não.

Quanto ao que o Joaquim Mexia refere sobre a necessidade de se fazer uma edição de poesia trata-se de algo que já faz bastante tempo vai sendo cozinhado em 'lume brando'. Se calhar ter-se-á que arranjar algum 'Grupo' mais vocacionado para esse tipo de missões, mas logo se vê...

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Juvenal,
Parabéns pelo lindo poema.
Que dizer? Que adoro a Nazaré? É verdade. Todos os anos passo por lá, fico uma semana ou dois dias, depende sempre da disponibilidade das minhas filhas que adoram Nazaré.
Abraço
Filomena

Luís Graça disse...

Inevitavelmente vem-me à lembrança outros poemas do mar e outros poetas que celebraram o mar, o "nosso mar", o "mar português", como o Fernando Pessoa... A sua leitura não pode ser datada, nem muito menos ser "ideológica"...

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

In Mensagem (1934)...

Ou nossa Sophia de Mello (cito de cor):

"Quando eu morrer voltarei para buscar,
Os instantes que não vivi junto ao mar"...