sexta-feira, 1 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8496: Notas de leitura (252): Picadas e Caminhos da Vida na Guiné, de Fernando de Sousa Henriques (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Junho de 2011:

Malta,
Quem quer voltar à Guiné, faça como este grupo a que se juntou o Fernando de Sousa Henriques. É assim que se produzem relatos singelos, com solidariedade, encontros imprevistos, se descobrem vestígios de quartéis entre picadas por onde se deambula com o coração pequenino, não de medo mas de emoção. Os caminhos da vida na Guiné estão à mercê de quem deles guarda saudade.
Um abraço do
Mário


Retorno à Guiné pelo chamamento da saudade,
percorrendo as picadas dos tempos sofridos


Beja Santos

“Picadas e caminhos da vida na Guiné” (por Fernando de Sousa Henriques, edição de autor, 2011), é um relato de uma viagem de um conjunto de ex-combatentes que, décadas depois se afoita a revisitar os locais onde cada um deles cumprira o seu dever. É um documento singelo na reconstituição das situações, desempoeirado até no recurso que faz, com sucesso, ao uso da linguagem de caserna, que a todos irmanava. Conheci as peripécias desta viagem através da visita que fiz ao Jaime Machado, na Senhora da Hora, em Matosinhos, vi os filmes e as fotos de muitos desses momentos tocantes, por isso não fui apanhado pelo factor surpresa das minúcias recolhidas pelo Fernando de Sousa Henriques que soube usar tão equilibradamente os apontamentos da viagem integrando-lhes as imagens apropriadas.

É um relato de emoções, todos eles irão ser confrontados com imprevistos, de Bissalanca a João Landim (local de pernoita), a viagem de reconhecimento a Bissau, o contraste da cidade, nos principais pontos de referência. Ninguém que ali tenha combatido pode esconder a amargura de ver uma cidade em ruinas ou em derrocada. Depois rumam para Bafatá, a decepção pelo estado da antiga segunda cidade da Guiné-Bissau não foi menor. O grupo vai largando lembranças. No hospital de Bafatá deixaram um aparelho para medir a tensão arterial, equipamento para o despiste da diabetes, medicamentos. Seguem para Bambadinca, um dos viajantes, médico, não sabe esconder a emoção no reencontro som a sua lavadeira, Cumba. Registam a destruição do porto de Bambadinca, há ali duas imagens que constam da operação Tangomau: o cabeço de amarração, único sinal da vida pujante que teve o cais de Bambadinca e as canoas junto ao rio, adormecidas sobre o tarrafe.

Segue-se a pernoita no Capé ao pé de Bafatá e parte-se para Cadique, com passagem por Guileje, foi um longo dia de emoções através do Saltinho, Quebo, Cadique, próximo do rio Cumbijã. O que resta de Cadique é fotografado enquanto quem ali combateu anda agitado e eufórico; segue-se a viagem ao Museu de Guileje. Como não há viagem sem desencontros, chegados a Jemberem, uma das viaturas virou à direita outra à esquerda, lá chegaram ao Capé, com o coração aos saltos, sem saber uns dos outros.

No dia seguinte partem à conquista de Piche, Buruntuma e Canquelifá, os viajantes captaram imagens eloquentes com uma placa a referir as distâncias para Bafatá, Piche, Cam-Quelefá, Buruntuma, Cabuca, Madina (Boé), Sonáco, Paunca, Bajocunda e Pirada. Que belas fotografias! Os memoriais existentes na ponte Caium, em Buruntuma, os edifícios de Canquelifá, as crianças a cantarem o hino nacional da Guiné-Bissau, os últimos vestígios da presença dos militares como os memoriais; depois Piche, com as ruinas da capela e a espantosa fotografia da antiga piscina agora circundada de campos lavrados. O imprevisto são também as gentes, aqueles que combateram e que exibem documentos, perguntam por nomes destes ou daqueles, pois são estimas que perduram. Dia muito quente, também para os corações.

Do Capé partiram depois para Bambadinca, Xitole, Quebo e Buba. Inevitavelmente, visitas a escolas e ao cemitério de Bambadinca, não lhes deixaram tirar fotografias no Xitole (o Tangomau teve sorte, andou por ali à solta com os seus antigos soldados, o blogue guarda imagens dos principais vestígios do quartel e de edifícios que assinalam uns tempos de prosperidade comedida quando no Xitole havia uma encruzilhada comercial). A comitiva passa junto à ponte Carmona, destruída durante a guerra. Visitaram o Quebo e prosseguiram em direcção a Buba. Graças a um jerricã, houve um encontro inesperado e a alegria de uma confraternização, toda a viagem vai conhecer estes tempos, viaturas empanadas, crianças ruidosas à procura de uma lembrança.

A viagem prossegue pelo Norte, agora vai-se para Nova Lamego ou Gabu, e depois Pirada. São captadas belas imagens de Pirada, apetece perguntar como guineenses e portugueses pretendem lidar com este património, é impossível responder com indiferença. Como é sabido, os guineenses tomaram a atitude resoluta de pôr Teixeira Pinto, Honório Pereira Barreto, Nuno Tristão e Diogo Gomes nas respectivas peanhas, a história não se apaga. Apetece dizer: estes quartéis também não.

Agora o grupo aproxima-se de Bissau, percorre Bula, Canchungo (Teixeira Pinto), Cacheu e S. Domingos. Encontros, entrega de livros, abraços de antigos combatentes. Regresso a Bissau, compra lembranças e o regresso. Cada um foi ao seu ermo, ali relembrou os tempos sofridos, levaram ajuda e também pediram ajuda para as suas memórias. Quem escreve este relato sente-se recompensado. No blogue, também nos devemos sentir recompensados por estas magníficas lembranças. Há muita gente que não quer dizer (ou infelizmente não tem meios) que com um empurrão também se aventuraria por estas picadas, dói que se farta ver tanta gente acolhedora magoada pela indiferença e pelas más governações, foram estas gentes que confiaram em nós, combatemos no meio deles, e por vezes só com eles. Todos estes relatos são o nosso dever de memória. Obrigado, Fernando de Sousa Henriques.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8478: Notas de leitura (251): Mansas, Escravos, Grumetes e Gentio – Cacheu na encruzilhada de civilizações (Mário Beja Santos)

5 comentários:

José martins Rodrigues disse...

Como elemento do grupo que fez a viagem e como amigo do autor do "Picadas e Caminhos da Vida na Guiné", só quero expressar o quanto me senti feliz por partilhar da camaradagem, da alegria e da amizade reinante no grupo e pela forma como fomos recebidos e acarinhados pelos Guineenses em qualquer das terras visitadas, espalhadas por quase toda a Guiné.
Um Abraço
José Rodrigues

José Marcelino Martins disse...

É impossivel, mas era muito gratificante que, mesmo à força de remos, nos fosse possivel rebocar aquela terra para junto de nós, aqui à beira mar plantada.

Não tenho duvida que não haveria nenhum "guinéu por opção" que não se oferecesse voluntário para esta "tarefa impossivel"

Era bom a Guiné estar aqui mais perto. Mesmo em crise, decerto que os estariamos a ajudar ainda mais e, sempre era possivel "in loco", ensinar as novas gerações a amar aquela terra , como nós amamos

Anónimo disse...

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Saudações
Como é possível adquirir esse livro, "Picadas e Caminhos da Vida na Guiné"?
Obrigado