terça-feira, 1 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7882: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (73): Na Kontra Ka Kontra: 37.º episódio




1. Trigésimo sétimo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 28 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


37º EPISÓDIO

Os aviões vêm de Lisboa durante a noite, passando pela ilha do Sal em Cabo Verde e regressam durante o dia à Metrópole. Não atravessam o continente africano. Os países a sobrevoar não o permitem por Portugal ser um país colonialista. De qualquer modo vai-se sempre a ver a costa de África. Sabendo disso o nosso Alferes, ao fazer o check-in, pede um lugar à janela e do lado direito da cabine.

Chamam para o embarque. O nosso Alferes tem que mostrar o cartão de embarque e um documento, o Passaporte Militar, trazido de Bafata. Depois de muito procurar, de esvaziar várias vezes os bolsos e um pequeno saco que levava com ele, o dito documento não aparece. Todos os passageiros já tinham embarcado. Sem Passaporte Militar o Alferes Magalhães ia ficar em terra.

Quando a Hospedeira que estava a controlar as entradas já não via solução para a situação do Alferes, pelo intercomunicador chama o comandante do avião. Chegado este, pede ao Alferes para tornar a procurar o passaporte. Os bolsos e a saqueta são novamente revirados do avesso, mas nada. Com voz sumida, o Alferes admite que o documento pode estar, por engano, na mala que tinha despachado para o porão do avião. É então que o Comandante, vendo quão importante era para um militar em guerra, ir à Metrópole de férias, dá a seguinte ordem:

- Tirem as malas todas do avião até aparecer a do Senhor Alferes.

A mala apareceu mas não o Passaporte Militar e o Alferes estava na mesma situação de não poder embarcar.

Nova revista nos bolsos e como por milagre num deles aparece agora o desejado papel. Mil desculpas ao Comandante e à Hospedeira, não demorando o avião a levantar, rumo a Lisboa.

Era a primeira vez que o nosso Alferes fazia este percurso. Tinha vindo para a Guiné num cargueiro transformado para levar tropas, o “Ana Mafalda”. De avião a diferença para melhor era abismal. Ao longo do percurso que, de avião dura cerca de quatro horas, vai-se sempre a ver a costa de África, quase toda deserto. O mar junto às dunas toma várias tonalidades, do verde ao azul escuro. Maravilhoso, não deixa de pensar o nosso passageiro de última hora. Já depois da refeição servida a bordo, um prato quente de lombinhos com cogumelos e sobremesa de papaia, o Alferes, com a ajuda de um mapa fornecido a bordo, consegue identificar, na borda do deserto, a povoação de Villa Cisneros, capital do Sara Espanhol.

Vila Cisneros na Prov. Espanhola do Sara

Mais ou menos a meio do território de Marrocos o avião começa a afastar-se da costa e não demora a que apareça na linha do horizonte a costa algarvia. Sensação agradável, estava-se a chegar a “casa”. Passa-se na vertical de Portimão e pouco depois aterra-se no Aeroporto da Portela em Lisboa.

De Lisboa ao Porto foi um instante tendo o Alferes apreciado pela primeira vez lindas vistas aéreas de Portugal, sobretudo ao sobrevoar o Douro, com a recente Ponte da Arrábida, o porto de Leixões, Leça e as demais praias bem suas conhecidas.

A partir do momento em que o avião toca na pista e se sente que a viagem terminou o nosso Alferes, nos largos minutos que antecedem a ordem para se sair da cabine, faz um balanço de todos os últimos acontecimentos vividos na Guiné: A namorada estará à sua espera e não deixa de pensar na Asmau; a morte do Samba, que veio complicar tudo ainda mais no que a ela diz respeito; o que se passará com o Ibraim? E o Dionildo a quem nunca mais ouvirá um F…? São pensamentos que de alguma forma muito o perturbam. Conta agora com trinta e cinco dias pela frente e com a namorada para lhe fazer esquecer tudo isso. Os amigos também ajudariam.

Os passageiros saem do avião, são conduzidos num autocarro até à gare e pouco depois recolhem as malas que vinham despachadas no porão. O nosso Alferes com as malas num carrinho dirige-se para a saída, hesitando ao passar pela porta ostentando os dizeres “nada a declarar”. Neste momento a única coisa que o preocupa é saber se a namorada está ou não à sua espera. Será muito importante que esteja pois disso dependerá muita coisa do seu futuro e, de imediato, umas óptimas férias, longe da guerra.

Ao chegar à zona da saída, o Alferes Magalhães pára. Passa uma vista de olhos por todas as pessoas que estão encostadas à balaustrada de separação, à espera dos viajantes. Não vê a sua namorada. O seu coração como que pára. Será o desmoronar de muitos projectos. Continua a andar, decidido a sair do aeroporto, tomar um táxi e ir para casa dos pais, que por terem já alguma idade não foram esperá-lo.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
____________

Nota de CV.

Vd. último poste da série de 28 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7875: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (72): Na Kontra Ka Kontra: 36.º episódio

3 comentários:

Costa Abreu disse...

Segundo penso deve ser engano que a viagem Bissau-Lisboa e de 4 horas, quanto a mim embora ja la vao 45 anos devera ser 8 ou 9 horas pois so na ilha do sal demorava 1 ou 1 1/2 de paragem. Estarei enganado?.
Julio Abreu
Grupo de Comandos Centurioes

Fernando Gouveia disse...

Caro Abreu:

Só agora, passados quase dois anos, vejo o teu comentário.

Confirmo tudo o que é dito. O avião de Bissau para Lisboa era directo, não passando pelo Sal e demorava, tal como agora, as tais quatro horas. de Lisboa para a Guiné é que passava pelo Sal.

Era giro daqui a uns anos veres este meu comentário e responderes-me.

Um abraço e até lá.
Fernando Gouveia

Fernando Gouveia disse...

Caro Abreu:

Só agora, passados quase dois anos, vejo o teu comentário.

Confirmo tudo o que é dito. O avião de Bissau para Lisboa era directo, não passando pelo Sal e demorava, tal como agora, as tais quatro horas. de Lisboa para a Guiné é que passava pelo Sal.

Era giro daqui a uns anos veres este meu comentário e responderes-me.

Um abraço e até lá.
Fernando Gouveia