sábado, 26 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7868: Notas de leitura (209): A Academia Militar e a Guerra de África (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Fevereiro de 2011:

Queridos amigos,
Um volume da maior utilidade para entender o papel da Academia Militar no decurso da guerra. A estrutura do seminário permitiu obter um leque variado de opiniões, desde o contexto internacional, passando pela análise da sociedade portuguesa e olhar de vários oficiais sobre a evolução dos três teatros de operações.

Um abraço do
Mário


A Academia Militar e a guerra de África

Beja Santos

Em 28 de Maio de 2009 a Academia Militar promoveu um seminário intitulado “A Academia Militar e a Guerra de África”. O acervo documental desde evento deu lugar a uma publicação: “A Academia Militar e a Guerra de África”, edição da Academia Militar e Prefácio Edições, 2010. Sumariam-se algumas das questões tratadas no decurso dos trabalhos.

O Prof. António Telo abordou o enquadramento internacional e a situação política nacional nesse período de 13 anos. Considera ter havido dois momentos fundamentais no decurso do conflito no que diz respeito aos apoios externos para a estratégia seguida por Salazar: no início da década de 60 ocorreu um afastamento em relação à Grã-Bretanha e aos EUA o que foi acompanhado de uma aproximação à França e à RFA; na segunda metade dos anos 60 registou-se uma aproximação à África do Sul e à Rodésia, o regime apostou na construção de uma estratégia comum para a África Austral. O Reino Unido descolonizara de maneira pacífica, aceitou os ventos da História, isto enquanto, ainda no mandato de Eisenhower, se inflectia para uma política de descolonização e tal doutrina acentuou-se com a administração Kennedy. Sem estes apoios, o regime, necessitando de um exigente esforço militar, procurou dois parceiros com interesses na região. Está hoje bem esclarecido porque é que a RFA praticou tão boa vizinhança com o regime de Salazar: tendo enveredado pelo rearmamento próprio, a NATO precisava de dispor de uma retaguarda segura para essa frente da Europa Central, a Espanha não fazia parte da NATO, optou-se por Portugal. A RFA assinou três dezenas de grandes acordos de cooperação com Portugal: base de Beja, o uso de Alverca, modernização da indústria de defesa em Portugal, a espingarda G3, a pistola Walther, as metralhadoras ligeiras passaram a ser fábricas em Braço de Prata e outras unidades, montagem em Portugal do Unimog, aquisição de aviões Do-27, etc., etc. Escreve o historiador: “O que acontece na década de 60 é que Portugal desenvolve duas estratégias nacionais: uma oficial e outra real. Na estratégia oficial, Portugal aposta tudo no conceito de “pátria pluricontinental e multirracial”, o que implica o envolvimento nas três guerras de África e a criação de um mercado de livre circulação do escudo, que abarcava Portugal e as suas colónias. Na estratégia real, Portugal aproxima-se cada vez mais da RFA e da França que eram a locomotiva da CEE, tanto em termos de comércio, como dos financiamentos, dos fluxos técnicos ou humanos”. E de facto a França e a RFA foram os grandes apoios internacionais na primeira fase do esforço das guerras de África. Os problemas vão surgir com o fim da guerra da Argélia e com a viragem política da RFA aproximando-se do Leste. A política diplomática de Salazar, virou-se para outras alternativas: Lisboa apoiou, em 1966, a declaração unilateral da independência da Rodésia branca; assinam-se acordos com a África do Sul, tanto no campo económico como na cooperação militar. Em absoluto sigilo, desenha-se um entendimento estratégico que abarcava toda a África Austral. A África do Sul, a partir de 1967, fornece equipamento militar e intervém em operações, nomeadamente com helicópteros, primeiro, e acções combinadas e a criação de uma força internacional, depois. Quando se chega ao 25 de Abril, a CEE era de longe o maior parceiro de Portugal em termos de comércio e na África Austral estava em curso uma operação que procurava consolidar a supremacia branca em Angola e Moçambique.

Numa comunicação sobre a formação de oficiais entre 1960 – 1974, o coronel Vieira Borges realçou o papel da Academia Militar como escola de formação dos oficiais dos quadros permanente do Exército e da Força Aérea, destacou as preocupações dos diferentes comandantes da Academia nestes períodos, os planos dos cursos e também a formação dos quadros de complemento. A Academia formou entre 1960 e 1974 mais de 1100 oficiais; a formação foi-se adaptando à guerra subversiva.

O coronel David Martelo debruçou-se sobre o recrutamento de oficiais, destaca, através dos números, o desgaste provocado pela guerra e a necessidade de recorrer aos capitães milicianos bem como à formação de oficiais na Escola Central de Sargentos. Analisou com minúcia a controversa legislação de 1973 que fez estalar o descontentamento dos oficiais do quadro com os estímulos aos capitães do QEO e introduziu dinâmica ao chamado movimento dos capitães.

A professora Maria Helena Carreiras procedeu a uma intervenção sobre o papel das mulheres na sociedade portuguesa, durante o período do conflito africano, deteve-se no MNF – Movimento Nacional Feminino, as Madrinhas de Guerras, as enfermeiras pára-quedistas e as mulheres dos militares, tanto na retaguarda como na linha da frente. “Falar da guerra só no masculino é contar apenas uma parte da história”, concluiu.

Num diagnóstico sobre o retrato do militar português, o tenente-general Abel Couto começou por apresentar a evolução dos comportamentos da juventude face ao serviço militar obrigatório. O que ressalta das estatísticas é o crescimento da percentagem dos apurados e a elevada percentagem de faltosos, adiados e voluntários. Traçou o enquadramento do militar na guerra, sobretudo o carácter do soldado e referiu-se aos efectivos e baixas.

Os oradores seguintes referiram-se aos três teatros de operações. O tenente-coronel Pires Nunes deixou bem claro na sua exposição que a situação militar em Angola reduzira a estilhas os três grupos de guerrilheiros. O coronel Matos Gomes, a propósito de Moçambique, referiu detalhadamente as estratégias do general Augusto dos Santos e do general Kaúlza de Arriaga, considerando que a estratégia de Kaúlza se revelou inadequada e incapaz de estabilizar militarmente Moçambique, não contribuindo para a resolução do problema político. O general Manuel Monge, a quem competiu a análise do teatro de operações da Guiné, concluiu a sua intervenção da seguinte maneira: “O general Spínola não aceitou, em 1973, permanecer na Guiné porque quando comunicou ao professor Marcelo Caetano que só uma solução política era possível para a guerra, a resposta dada foi de que era preferível uma derrota militar com honra do que ter que negociar com terroristas. Os militares sabiam o que os políticos de então consideravam “uma derrota militar com honra, pelo modo como as Forças Armadas tinham sido tratadas na Índia. Obviamente que Spínola não podia aceitar isso, foi substituído pelo general Bethencourt Rodrigues. Um grande general foi cumprir uma missão de sacrifício quando já não havia esperança: a Guiné estava perdida. Então os centuriões perceberam que já não era possível defender a Pátria nas fronteiras do Império. Havia que volver à Europa. Foi o que fizemos no 25 de Abril”.

O volume termina com a publicação das conclusões.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7839: Notas de leitura (208): Antologia Poética da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Antº Rosinha disse...

Naquele tempo colonial não havia wikilikes.

A opinião actual desse wikilikes é que temos complexo de inferioridade por termos comprado submarinos. (Segundo o Embaixador Americano)

O que eu acho que nos queria chamar outros nomes mais feios.

Quais seriam os atributos que nos aplicaram naquele tempo colonial?

Mário, a observação sobre a descolonização pacífica dos ingleses, que observas nesta nota de leitura, e que muito se fala geralmente quando se compara com a nossa guerra colonial, não passa de uma conversa à moda britânica de fazer história:

Pergunte-se aos quenianos, sul-africanos e rodesianos, ugandeses, apaches, indianos, argentinos e afegãos e iraquianos se eram lusitanos que dispararam e disparam sobre eles.

E a luta colonial inglesa continua a enviar umas "caixas de pinho", para enrolar na bandeira nacional.

Há tanta maneira de olhar a história.

Mas nós, continuamos com os nossos complexos e não abrimos os olhos:
Será que hoje ninguem vê um bigodinho maior do que o de Hitler, no lábio superior da Frau Merkel?

Esta nem se dá ao trabalho de mandar o wikilikes chamar-nos de mandriões para baixo, ela mesmo o diz.

Cumprimentos,

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Não posso em consciência deixar de comentar.
Eu era contra a guerra e o regime politico, por isso penso que tenho autoridade moral para dizer o seguite:a guerra já estava perdida politicamente antes de ter começado,porque estavamos a lutar contra a evolução histórica,e a guerra é atingir determinados fins politicos por meios violentos....se nos restringirmos só à componente militar e falando especificamente da Guiné, penso que ainda estavamos muito longe de um "desastre" ou derrota, principalmente pela incapacidade do paigc, que em contactos que tive na altura (conversações prévias à entrega) e também posteriormente, estavam também exaustos e desejosos que terminasse... mesmo em relação ao armamento, não era o que se dizia, e tinham também grande dificuldade de recrutamento.
Para terminar pergunto;o POVO de Angola ,Guiné e Moçambique ganharam ? passaram a ser independentes ? eu respondo, penso que quem ganhou foi única e exclusivamente alguma elite politica e militar, porque o povo !!! e fico por aqui para não ferir susceptilidades.
Ex-artilheiro de Gadamael
C.Martins