quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7847: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (69): Na Kontra Ka Kontra: 33.º episódio




1. Trigésimo terceiro episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 22 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


33º EPISÓDIO

Por fim, pela picada de Padada começam a chegar os elementos da operação. Rapidamente os dois Alferes metropolitanos, depois de se cumprimentarem, chegam à conclusão que não há condições para o pessoal de Galomaro ficar dentro da tabanca. Não havia alojamentos e era perigoso, pois em caso de ataque não havia abrigos para todos. Comeriam na tabanca o jantar que o “legionário” estava já a preparar e depois iriam instalar-se, emboscados, na orla da mata, para pernoitar.

É quase noite quando o contingente de quase sessenta homens, metade africanos, começou a sair da tabanca. Não iam em fila indiana mas sim em grupos. Quando os últimos elementos estavam a passar pelo “cavalo de frisa” da picada de Padada, os primeiros estavam já a entrar na mata. Neste momento aconteceu o que se acharia improvável, ou talvez não, como sempre tinha pensado o Alferes Magalhães.

Ouve-se um tiro seco, que não seria de G3, mas não deu tempo a conjecturas como acontecera quando um sentinela disparou sobre um porco do mato. Os sentinelas metidos na mata já tinham abandonado os seus postos. Quase em simultâneo começa um tiroteio infernal. Os guerrilheiros estariam a instalar-se para um ataque e tiveram que iniciar a contenda face ao aparecimento da tropa portuguesa. Esta reagiu de imediato pelo que foi uma autêntica batalha campal. Segundos depois começam a rebentar algumas granadas de morteiro 82 e de RPG 7 mas muito dispersas pois não houve tempo para regular o tiro e era a primeira vez que Madina Xaquili era atacada. Vir-se-ia a verificar que não produziram qualquer estrago material.

Não havendo a certeza, tudo leva a crer que os guerrilheiros vieram no encalço dos homens da operação. Embora com algumas consequências para a tropa que ia pernoitar fora do “arame”, este acto evitou um ataque bem organizado à tabanca, que provocaria com certeza muitas baixas, principalmente civis.

O nosso Alferes apenas se limitou a “acariciar” o seu cano de morteiro 60. A posição das duas facções era tal que não pôde efectuar qualquer disparo. Podia atingir as suas próprias tropas.

Tão depressa começou o recontro, como depressa acabou. Silenciadas as armas e com os guerrilheiros a efectuar a retirada fez-se a contabilidade dos estragos, lamentavelmente, só humanos: Vários feridos ligeiros provocados por estilhaços e um morto africano, que alguém viria a dizer que teria sido atingido pelo primeiro disparo que se ouviu, estando o atirador em cima de uma árvore. Disso, a certeza nunca se teve.

A meio da manhã do dia seguinte chega a coluna de Galomaro que inicialmente era só para levar o seu pessoal que tinha entrado na operação. Dado o ocorrido vinha também remuniciar a tabanca. Manhã cedo seguiu a mensagem do Alferes Magalhães a dar conta do acontecimento pois, como é sabido, de noite não se conseguia comunicar com a sede da Companhia. A coluna já tinha partido para Madina Xaquili. Mas porque em Galomaro se ouviu o ataque, o comandante determinou que se levassem as respectivas munições ainda antes de receber qualquer mensagem.

Também o Comando de Galomaro não esperou pela confirmação do ataque e informou, nesse sentido, o Comando de Bafata. Assim por troca de mensagens durante a noite entre os dois Comandos, a coluna também trazia uma ordem para levar embora, para Bafata, o Alferes Magalhães.

A situação na zona estava a degradar-se pelo que o Coronel de Bafata iria com certeza, a curto prazo, reforçar a guarnição aí sediada e o nosso Alferes não fazia parte de tal quadrícula.

Pouco tempo teve o Alferes para preparar a partida. Andando de um lado para o outro dá as últimas instruções e pôde ver de fugida que, além das munições, também tinham trazido para reforço do armamento, uma velha metralhadora Degtyarev de disco, apreendida ao inimigo.

São tiradas as últimas fotografias, sobretudo com o pessoal africano, com quem o nosso Alferes tinha criado grandes amizades.

O Alferes Magalhães, o João Sanhá e parte do Pelotão de Milícia.

Na reunião com o Furriel, para lhe entregar o comando, o Alferes chega a dizer-lhe que lhe tinha passado pela cabeça ignorar a ordem para ir embora e permanecer na tabanca. Além das boas recordações que tinha dos dois meses passados ali, estava sobretudo com muita pena de abandonar toda aquela gente africana que, independentemente da guerra, dentro de dias iria ficar isolada de Galomaro devido às chuvas. Para permanecer na tabanca, bastar-lhe-ia enviar uma mensagem para o Comando de Galomaro, com conhecimento ao Comando de Bafata a perguntar qual ordem cumpria, se a da coluna para o levar, se a que recebera do Coronel quando da sua visita à tabanca dizendo-lhe que o Alferes só sairia dali quando todos tivessem abrigos. Nesta altura dos acontecimentos os abrigos já não seriam suficientes e sobretudo seria necessário abrir valas entre abrigos.

Iria a mensagem, viria a resposta, entretanto a coluna tinha partido e o Alferes tinha ficado, sem contudo praticar qualquer desobediência. Na tropa as coisas podem assim acontecer.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7837: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (68): Na Kontra Ka Kontra: 32.º episódio

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