domingo, 20 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7822: Memória dos lugares (140): Bedanda e o seu reabastecimento no meu tempo (Rui Santos, ex-Alf Mil, 4ª CCAÇ, 1963/65)


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1971 > Reabastecimento do aquartelamento e povoação através do Nordatlas e do lançamento de géneros por pára-quedas, durante a época das chuvas.  Foto do Álbum de Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Med, CCS / BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72)... Esteve em 1971 em Bedanda, onde foi rendido em Dezembro de 1971 pelo Mário Bravo.





Foto: © Amaral Bernardo (2011). Todos os direitos reservado

1. Texto do nosso camarada Rui Santos [, foto à direita, ](ex-Alf Mil da 4.ª CCAÇ, Bedanda, 1963/65),  sobre as suas recordações dos reabastecimentos a Bedanda (*)




Bedanda, Setembro de 1963 a Agosto de 1964, datas entre as quais posso testemunhar o que vi e vivi, tudo o que se possa ter passado fora desse tempo foi de ouvir dizer.


Assim, vamos aos reabastecimentos, os mais desejados “bojecas” e “visques”, a seguir os morfos correntes, batatas, arroz, bacalhau, azeite em bidões, óleo alimentar em bidões, gasolina em bidões, garrafões de 10 litros de vinho tinto e branco, vinagre, munições, enfim um sem número de coisas que nos eram imprescindíveis e, sempre, todos os acessórios para os petromax de iluminação do perímetro do aquartelamento de Bedanda, o meu pelotão reforçado, com cerca de 80 nativos três sargentos, alguns cabos brancos e tintos, e um “sorna” cabo branco de pele e de alma, que era o homem dos petromax e dos dois motores dos “excelentes” (!?) barcos M1 (como o chamávamos sempre: ò sorna! Não me lembro do nome real...)


Nunca fomos reabastecidos por terra,  via Cantanhez, por razões óbvias!


Éramos sempre reabastecidos via marítima por barcos da Casa Gouveia, um era o rebocador N/M Gouveia 16 (que puxava um batelão) e ía sempre Unguariuol acima até ao caisito de Bedanda a cerca de 700 mts da povoação.


Já em tempos descrevi o ataque ao Gouveia 16 aqui no blogue, e desde aí nunca mais vi barco nenhum perto de Bedanda, senão em Cobumba, 6/7 kms da povoação, aí era sempre o N/M (navio motor) Gouveia 17 que era mais comprido que o 16 e não entrava no afluente do Cumbijã , e ficava acostado a um dos lados da rampa que ali existia, e por vezes também trazia batelão, era descarregado e os materiais levados para o armazém em frente do chefe de posto e as munições para dentro do quartel da Companhia.


Estes barcos eram sistematicamente atacados nas curvas do Cumbijã entre Cadique e Cafine, mas, antes dos fuzileiros “limparem” literalmente essas duas povoações, causando dezenas de mortos ao IN e apreendendo muito material de guerra, os barcos começaram a ser escoltados por LDM dos fuzileiros, mas não no tempo que mencionei.


O correio, alimento essencial para o “psique”, vinha sempre via aérea em Dorniers ou em Auster militares, ou Dornier e Cessna civis, que por vezes também traziam medicamentos e algo essencial que tivesse sido pedido de urgência.


No período da “menopausa” marítima, lá vinham os Nordatlas em voo razante “despejar” caixotes de legumes, bacalhau, conservas, não mandarem as “bojecas” foi uma sorte, o bacalhau era o único que não se espalhava pelo mato pois vinha forrado de chapa de alumínio, mas fomos assim “tratados” apenas duas vezes.


Comentando a foto [ vd. acima,] tirada a bordo da aeronave que se aproximava do campo de aviação e estava sobre o Cantanhez, (aliás já nas “bordas” do Cantanhez):


(i) a sombra do avião cruza o Cumbijã exactamente no ponto do cais de Cobumba;


(ii)  os 4 telhados brancos mais à direita da foto eram o antigo aquartelamento da 4ª CCAÇ;


(iii)  ao centro sobre a esquerda a povoação de Amedalai que, pelo que leio, os da CCAÇ 6 lhe chamavam Bedanda (mas para que a verdade seja reposta é só verem o que “diz” o mapa cartográfico);


(iv)  saindo de Amedalai vê-se para sul a estrada para a mata do Cantanhez, Salancaur, Cabedu, Mejo, Lisboa, Cacilhas, etc.;


(v) para norte descendo para Bedanda cruzando o “campo de aviação dos legumes espalhados”, logo à saída de Amedalai e nessa direcção vê-se um pouco indistintamente o tal aldeamento das casas com telhado de zinco do lado esquerdo da estrada Amedalai /Bedanda, que o Vasco Santos ilustrou numa foto dirigida ao blogue, da qual eu duvidei, e peço desculpa, pois no Google Earth nada consta actualmente desse bairro mandado edificar pelo snr. Cap. Ayalla Botto (!?) nem o conjunto de moranças do lado direito da estrada sentido Amedalai/Bedanda, que também se avista em parte nesta excelente foto;


(vi) Lá para baixo, os “meus aposentos”, e as casas comerciais!


Em todos os pontos da foto, e muito mais para os lados coloquei as minhas botas e por vezes a minha barriga e o corpo inteiramente vestido e armado dentro de um riozito com cerca de 2mts de profundidade, salvando dois (cabo branco e soldado acastanhado) e recuperando o armamento por eles perdido.


Lá ao fundo mesmo longe na última curva do Cumbijã que se vê na foto,  rebentei sozinho da margem (direita na foto esquerda do rio) duas “big” canoas.


Como não ter saudades ? 22/23 anos, menos 40 quilos, juventude, inconsciência, sempre pronto. Só tenho pena de não ter tido um comando à altura das circunstância, e mais não digo!


_____________


Nota de L.G.:


(*) vd. poste de 17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7802: Álbum fotográfico de Amaral Bernardo (Alf Mil Med, CCS/BCAÇ 2930, Catió, Cacine, Bedanda, Guileje, Gadamel, Tite, Bolama, 1970/72) (1): O reabastecimento de Bedanda, no tempo das chuvas, através do Nordatlas, com lançamento de pára-quedas


Último poste desta série >


14 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7778: Memória dos lugares (139): Bedanda no meu tempo (Rui Santos, ex-Alf Mil, Op Esp, 4ª CCAÇ, 1963/65)

1 comentário:

Anónimo disse...

Vejo a foto de Bedanda, busco uma outra de Medjo e vejo-me apontando para a câmara fotográfica, ouvindo ainda a minha voz que a película não gravou "Esta é a estrada que vai para Bedanda. dizem que está proibida nos dois sentidos, embora não lhe veja sinais de transito".
Ainda assim, olho a foto de Bedanda, relembro Medjo onde nem o aviãozinho podia largar coisa que se comesse ou bebesse depois.
Abraços
José Brás