sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7767: Memórias de Mansabá (14): Uma ida ao Morés (Ernesto Duarte)

1. Para as suas Memórias de Mansabá, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), em mensagem de 8 de Fevereiro de 2011, manda-nos o relato de uma ida ao Morés.


MEMÓRIAS DE MANSABÁ (14)

UMA IDA AO MORÉS

O tempo continua a passar com uma lentidão impressionante, estamos mais frios, mais autómatos, a Companhia foi uma Unidade disciplinada, reagindo em bloco ao mais pequeno sinal, uma pequenina excepção ou outra mas sem significado.

E continuando voltado para Morés, fomos muitas vezes, fazer emboscadas, patrulhamentos, operações ou golpes de mão, capinar a estrada de Bissorâ desde o Morés para Mansabá, provocar porque sabíamos que havia ali tanta gente.

 Localização da tabanca do Morés

É em mais uma ida a Cai, mais uma noite de água e mosquitos, um cansaço enorme, só quem por lá andou (Guiné) faz uma ideia, uma progressão por aquela mata, tão agressiva, um encontro, um potencial enorme mostrado por eles, começávamos a ter a noção que o potencial inicial era sempre mais forte, eles calaram-se começamos a procurar a zona, já de costas para Morés, à direita da Companhia eu e mais meia dúzia de camaradas procurávamos, naquelas tabanquinhas, que formavam a casa de mato, uns tiros, atirei-me para o chão, vi que o mesmo mexia à minha frente e para a minha direita, dei uma volta sobre mim, para a minha esquerda, um individuo que está um pouco à minha frente começa a dizer "acertei-lhe, acertei-lhe, apanhei-o". Levantei-me sem muita pressa, veio um camarada ter comigo dizer-me que tinha as cartucheiras no chão, apanhei-as. Ficámos a olhar, a tentar perceber porque é que as cartucheiras tinham caído, senti assim como que umas picadas do lado direito, joguei a mão e a mesma veio cheia de sangue, aproximaram-se mais uns quantos e chegamos à conclusão de que as cartucheiras tinham sido atingidas e que tinham sido os micro pedaços do carregador que me tinham ferido o lado direito.

Para mim, senti uma sensação muito boa e a necessidade de dizer muitas vezes: obrigado, obrigado.

Já na bolanha de Mansabá, encontrei o Capitão que me disse com aquele ar de militar muito sério:

- Desiludiste-me, nem sabes cair. Quero o auto de abatimento de material feito imediatamente.

Respondi que primeiro ia pedir a minha evacuação.

Morés.  Uma ida em grande.
A Companhia mais um grupo de Comandos e muitos carregadores com imenso material. Ao começar o raiar da Aurora, com a progressão a efectuar-se, a nossa artilharia começa a despejar para a nossa frente, continuamente. Aquele assobio, o rebentamento, e nós vamos, vamos obedientes, cheios de força e fé pela maldita mata, tem-se as caras feridas, a artilharia pára. Estamos numa zona de pequenas bolanhas com muitas cibes, há tiros, muitos, há morteiradas, muitas, mas é preciso retirar. Foi uma coboiada no melhor sentido. Era preciso tirar de lá o IN porque de Bissorã tinha vindo a CCAÇ 1419, e do Olossato a CART 1486, "Os Lobos". Já se tinha repetido antes, nos mesmos moldes, com êxito apreciável. Esta ida parece ter feito grandes estragos também. Ainda se repetiram no meu tempo mais duas ou três vezes, não com tanto aparato, mas com êxitos apreciáveis. Numa delas, Os Lobos capturaram mesmo muito material.

Vou-me voltar para o lado de Manhau.

Tudo isto está intercalado, um dia para Cutia, outro para Bijine, outro para Gendo, e sempre, sempre com intervalos muito curtos.

Cumprimentos
Ernesto Duarte
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7760: Memórias de Mansabá (2): A bajuda e as colunas para Manhau (Ernesto Duarte)

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro camarigo Ernesto Duarte

Desta tua história retenho a sorte que tiveste e que te levou a agradecer imensas vezes.

Pois é isso mesmo, quem andou nessas situações precisou da sorte e/ou da protecção para hoje poder contar, caso não já faria parte da estatística.

Quanto à 'urgência' de dar conta do abate do material, estamos conversados.

Um abraço
Hélder S.

Rogerio Cardoso disse...

Caro amigo Ernesto
O que contas fez-me voltar atrás no tempo, 1964/65. Eu pertencia aos AGUIAS NEGRAS, estacionados em Mansabá Cart.642 e 644, Bissorã Cart.643, conheci bem todos esses locais, inclusive a célebre Morés, essas locais foram calcurreados pela nossa malta.
Eu também senti a chamada sorte ou talvez um pouco mais, fui atingido por uma granada Pancerovka de 120m/m, que bateu na minha perna e não rebentou.
A respeito de Mansabá, um camarada nosso adaptou um poema á musica LA MAMMA, cantada na altura por Charles Aznavour, é que a sede do Bat. estava em Mansoa e quando porventura por lá "poisáva-mos", a malta era sempre tramada.
VENHAM TODOS VENHAM CÁ VER
O QUANTO CUSTA AQUI VIVER
NESTA TERRA QUE É MANSABÁ

UMA VIDA DE COMUÇOES
CONSTANTEMENTE EM OPERAÇOES
SEM TERMOS ACOMUDAÇÕES
COMO TE ADORO !Ó MANSABÁ

SÓS NA CASERNA SEM NINGUEM
COM UM CINEMA DE ANO A ANO
CHEIOS DE SAUDADE DE ALGUEM
Ó MANSABÁ DA MINHA ALMA

QUANDO QUEREMOS O CORREIO
NUNCA APAREÇE UM AVIÃO
MAS SURGEM LOGO TRES OU QUATRO
PARA FAZER UMA OPERAÇÃO

E QUANDO ALGUEM PARA DESCANSAR
VAI A MANSOA, SÓ POR ISSO
DIZEM-LHE LOGO AO CHEGAR
QUE AMANHÃ ENTRAS DE SERVIÇO

Ó!MANSABÁ E bISSORÃ
O TEU DESCANSO NÃO TEM IGUAL
FAZ REVIVER OS CORAÇÕES
E PARA PREOCUPAÇÕES,
PREFERIMOS AS OPERAÇÕES
MAS JAMAIS,JAMAIS,JAMAIS
SEDE DE BATALHÕES!!!!

Um abraço
Rogerio Cardoso
Cart.643-AGUIAS NEGRAS