terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7743: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (58): Na Kontra Ka Kontra: 22.º episódio




1. Vigésimo segundo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 7 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


22º EPISÓDIO

Esta pequena operação decorreu sem a detecção de qualquer indício o que lhe aumentou a sensação de bem estar. O nosso Alferes, ao passar pelas sentinelas que estavam na mata para os lados de Padada aproveitou para as posicionar melhor, no sentido de terem um melhor campo de visão através da mata, que por ali era bastante aberta.

Chega para o almoço, dorme uma sesta, como já não acontecia há dias e ainda procura ver a Asmau para saber como ela tinha reagido ao “pedido de casamento”. Não demora a vê-la passar por entre as moranças. Dirige-se ao seu encontro.

O Alferes ia falar para a sua bajuda mas não foi necessário. O seu olhar e o seu sorriso diziam tudo o que era preciso dizer. Como muitas vezes acontece nestes casamentos arranjados, a noiva não gostando do noivo, embora aceitando o que lhe impõem, nunca olharia olhos nos olhos como agora a Asmau faz.

Neste caso era evidente o acordo da bajuda. Perante aquele sim, sem nada dizer, o nosso Alferes vai parar às nuvens.

Para tudo isto acontecer deve ter contribuído muito o facto de a Asmau ser um pouco evoluída. Saiu da tabanca para ir à escola, contrariamente à maioria das mulheres que nunca saíram de Madina Xaquili. Tinha ido várias vezes com o pai a Bafata. Tinha pois contactado com brancos o que a levaria a não excluir a hipótese de um dia um homem branco a querer. Aparecer assim um militar e logo oficial, era para ela como encontrar um príncipe encantado.

Também a ele, ela lhe parece uma princesa. Já se tinha imaginado na Metrópole, depois de terminada a comissão, acompanhado de uma mulher de fazer inveja a muitas brancas. O seu amor pela Asmau é puro e sincero.

Estão por largos momentos de olhares cruzados, sem nada dizerem. Desta vez ela não vem com o peito descoberto. Talvez já esteja a assumir a condição de “prometida” ao Alferes. Traz uma espécie de blusa, curta, sem mangas mas totalmente aberta à frente. Conforme se vai mexendo os seios ora aparecem ora se escondem como que de um jogo de sedução se tratasse, mas não, tudo isso nela é de uma naturalidade angelical.

O Alferes, tal como da primeira vez que esteve com ela, passa-lhe a mão ao longo do braço. Chegado ao pulso agarrou-lho pensando que ela se poderia querer afastar como da outra vez. Repara que não reage, antes com a outra mão agarra também a mão do Alferes. Mais uns momentos se passam em silêncio. Os olhares dizem tudo.

Acabam por conversar assim enlaçados, como se o mundo tivesse acabado. Naquele momento não há tabanca, não há tropa, muito menos guerrilha. Num acto cavalheiresco o Alferes pergunta-lhe se o casamento poderá ser daí a uns dias. Ela diz que não pode ser antes de uns cinco dias, o que o Alferes facilmente compreende e aceita.

Ele ainda lhe diz que a quer fazer muito feliz e que espera ir brevemente para Bafata levando-a com ele. Que lá terão uma casa só para eles. E mais:

- Asmau, quando acabar a minha comissão vais comigo para a metrópole. Vais ver coisas que nunca viste.

Por via do acordo pré-nupcial o Alferes sabe que não pode “avançar” mais, pelo que é melhor afastar-se dela rapidamente com medo de não conseguir conter-se. Apreciando novamente a pele sedosa, agora dos dois braços, conseguiu num acto de estoicismo, de militar que era, afastar-se ao mesmo tempo que lhe diz:

- Asmau, vamos ter muito tempo para conversar sobre o nosso futuro. Agora, deves ter coisas a tratar, assim como eu.

Nos dias seguintes o Alferes continua a fazer os patrulhamentos diários à volta da tabanca, cada vez mais longe. O não aparecimento de vestígios do inimigo é um bom presságio para o casamento. Durante os percursos vai sempre pensando como resolver os problemas que daí podiam resultar. Decide que no próprio dia reforçará as sentinelas metidas na mata. Morança tinha a sua, que chegava perfeitamente. É preciso arranjar uma cama para colocar ao lado da sua onde se deitará a Asmau… para dormir. Com toda a certeza ela trará a sua. Passa-lhe pela cabeça a ideia de continuar com a mesma lavadeira, que além de lavar a sua roupa lavaria também a da sua princesa, pois princesas não lavam roupa. Rapidamente chega à conclusão que seria uma péssima ideia colocar a Asmau sem nada que fazer. A própria deverá querer, à boa maneira africana, tratar da roupa do seu homem.

Durante outro patrulhamento.

Tudo parece que se está a resolver de forma simples para o nosso Alferes. Está a esquecer-se dum “pequeno pormenor” que só detectará depois do dia do casamento.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7739: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (57): Na Kontra Ka Kontra: 21.º episódio

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